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2 OS ESTADOS UNIDOS E OS INIMIGOS (DE GUERRA)

2.2 A política de segurança nacional norte-americana

A identificação de um inimigo pelo povo americano não se deu apenas dentro de seu perímetro, com a questão racial e aprisionamento em massa dos ―indesejados‖. De caráter belicoso e intervencionista, posição que alçou com o apoio da Organização das Nações Unidas, os EUA dedicavam-se, desde o período da Guerra Fria, a apoiar um dos lados ou mediar conflitos em outras regiões do globo, especialmente no Oriente Médio. Ao final destes, era sempre um governo apoiado pelo Tio Sam que se estabelecia, o que fazia com que os Estados Unidos passassem a, indiretamente, ter o controle da região a partir dali.

A represália veio em 11 de setembro de 2001, quando as Torres Gêmeas do complexo do World Trade Center, no coração de Manhattan, em Nova Iorque, foram intencionalmente atingidas por dois aviões comerciais da American Airlines e da United Airlines, por volta das 09 horas da manhã, em intervalo de poucos minutos. De acordo com José Cretella Neto (2009), o local era sede de 433 empresas, sendo que 50 mil pessoas trabalhavam nos edifícios diariamente, havendo, ainda, um trânsito de 140 mil pessoas.

Ao mesmo tempo, um terceiro avião chocou-se com o Pentágono, sede do Departamento de Defesa dos Estados Unidos, a cerca de três quilômetros da Casa Branca, e

um quarto caiu nas proximidades da cidade de Pittsburgh, Pensilvânia. Em decorrência da colisão dos aviões com as torres do centro financeiro de NY e de passageiros que estavam nos voos comerciais, o governo computou a morte de aproximadamente três mil pessoas, encarando o episódio como ataque terrorista. As manchetes da imprensa, na data, eram uníssonas ao proclamar o “United States Under Attack!6”.

Ensina Cretella Neto (2009) que os ataques, de caráter político-ideológico, abalaram o fundamento emocional no qual repousava a sensação de segurança que se tinha com o término da Guerra Fria:

O emprego de aeronaves civis que faziam vôos regulares, a destruição de alvos emblemáticos no interior do território dos Estados Unidos, a morte de cerca de 3 mil pessoas, os ferimentos e seqüelas psicológicas em milhares de outras, o fechamento da Bolsa de Valores durante vários dias e o caos provocado no tráfego aéreo e nas comunicações no território dos EUA, ocasionaram intensas reações nos meios políticos e acadêmicos, tanto americanos quanto do exterior. (BEDIN et al., 2009, p. 129)

Após os atentados, instaurou-se um cenário de paranoia generalizada no país. Para o governo, encabeçado pelo presidente George W. Bush, Osama bin Laden — terrorista representante do fundamentalismo saudita — era o principal suspeito de ter arquitetado os atentados, embora já estivesse sendo responsabilizado por ataques à bomba contra as embaixadas americanas no Quênia e na Tanzânia antes do ano de 2001. Assim, construiu-se, aos poucos, a figura do terrorista como inimigo no ideário americano, tese fomentada pela comoção generalizada e por pensadores como o próprio Jakobs, que cataloga o atentado como ato típico de inimigo (JAKOBS; MELIÁ, 2015).

O governo Bush adotou medidas excepcionais de urgência, a começar pelo Patriot Act — acrônimo para ―Uniting and Strengthening America by Providing Appropriate Tools Required to Intercept and Obstruct Terrorism Act of 20017‖ — controverso ato do Congresso dos Estados Unidos da América que tornou-se lei em 26 de outubro de 2001. No entender de Raul Cervini (2010), a legislação americana que nasceu com o 11 de setembro está estruturada em três pilares básicos: a Ata Patriótica (Patriot Act), os decretos presidenciais e as diretrizes do Promotor Geral dos Estados Unidos.

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―Estados Unidos sob Ataque!‖, expressão que foi manchete no mundo todo em 11 de setembro de 2011, após os ataques sofridos.

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Ato de Unir e Fortalecer a América Providenciando Ferramentas Apropriadas Necessárias para Interceptar e Obstruir o Terrorismo, de 2001.

Especificamente no que se refere ao USA Patriot Act, que estabeleceu procedimentos excepcionais de forma temporária, tem-se, de acordo com Cogo (2018), que fortaleceu os poderes da polícia sobre a sociedade civil, além de ter autorizado torturas, detenções ilegais e outros tratamentos desumanos que desrespeitavam princípios básicos do Estado Democrático de Direito, como a dignidade humana, o contraditório, a ampla defesa e o devido processo legal, notadamente no Afeganistão e no Iraque, com especial destaque para as ações na prisão de Abu Ghraib e na base naval norte-americana instalada em território cubano, Guantánamo.

De acordo com Gallinati (2018), dentre as medidas impostas pela lei mencionada estava a invasão de lares, a espionagem de cidadãos, e interrogatório e tortura de possíveis suspeitos de espionagem ou terrorismo – assumidamente os de traços árabes –, sem possibilidade de defesa ou julgamento adequado. Tanto americanos como estrangeiros foram afetados pelas medidas, ao passo que as liberdades civis foram removidas do cidadão.

Zaffaroni (2006, p. 23-24) já falava a respeito desta tendência amplamente difundida pelos Estados Unidos:

En cualquier lugar y en todos los tiempos, desde Roma hasta la actualidad, el inmigrante es un buen candidato a enemigo, lo que es altamente riesgoso en una época de revolución comunicacional, que facilita y promueve los desplazamientos como nunca antes, en un planeta donde la expectativas de vida entre los países difieren en forma alarmante y la necesidad de sobrevivir deviene motor de lãs migraciones masivas, al tiempo que la globalización promovió la libre circulación de capitales y mercaderías, pero no la de humanos. De este modo, los capitales pueden producir donde los costos salariales sean menores, y los trabajadores quedan presos en los territorios de sus países, sin posibilidad alguna de ofrecer su trabajo donde haya demanda y los salarios sean más altos. Lo cierto es que –planetariamente- la rápida sucesión de enemigos aumenta la angustia y reclama nuevos enemigos para calmarla, pues al no conseguir un chivo expiatorio adecuado ni poder reducir la anomia producida por la globalización, que cambia todos los significados y las reglas del juego, la angustia se potencia en forma circular. La vorágine de enemigos no da tiempo para la construcción de una identidad perversa como frente contra un enemigo.

Vê-se o surgimento de departamentos próprios ao combate do terrorismo dentro do governo estadunidense, como o Departamento de Segurança Nacional dos Estados Unidos (DHS), com investimentos pesados em defesa.

O que se viu nos EUA após os atentados terroristas foi adoção do estado de exceção, que, nas palavras de Giorgio Agamben (apud CALLEGARI; LINHARES, 2016, p. 74-88),

inova ao ―anular radicalmente todo estatuto jurídico do indivíduo, produzindo, dessa forma, um ser juridicamente inominável e inclassificável‖. Ainda, verifica-se que nesse sistema de exceção ganham destaque as legislações marcadas pelos ideários de segurança nacional ou segurança cidadã, os quais Muñoz Conde entende como própria de estados absolutos, sendo utilizadas como escusa para a restrição de direitos fundamentais e embasadas em declarações de que se faz necessária para uma maior proteção da ordem.

Adotou-se, pois, um comportamento de guerra em nome da segurança nacional, em que esta é priorizada em detrimento da liberdade individual, em relação aos cidadãos americanos, e dos direitos em geral, no que se refere ao estrangeiro. Há, então, uma inversão no comportamento norte-americano, visto que num passado recente – ainda na década de 1980 – quando o Afeganistão estava sob intervenção soviética, os grupos de guerrilheiros

mujahedins, contrários ao governo estabelecido, eram patrocinados com armas e dinheiro

pelos Estados Unidos (BRAICK; MOTA, 2007).

Afora as teorias de que o ataque teria sido orquestrado pela CIA ou pelo Mossad (serviço secreto israelense), as quais não tem muito respaldo e são vistas como teorias da conspiração, o fato é que Osama bin Laden, caçado por Bush após o 11 de setembro, foi treinado pela própria Agência Central de Inteligência (BUTLER, 2006). E ainda que não tenha havido um indiciamento formal de bin Laden pelos ataques, o líder terrorista esteve na lista dos mais procurados pelo FBI desde o final dos anos 1990, até ser morto por forças especiais americanas no Paquistão, em 2011, após dez anos de perseguição.

Zaffaroni (2006) destaca que o atentado terrorista em 2001 foi determinante para que os Estados Unidos suprissem a falta deixada pelo inimigo perdido com o final da Guerra Fria, autorizando a tomada de medidas excepcionais, inclusive com a aprovação de outras nações:

El 11 de septiembre de 2001, ese sistema penal encontró un enemigo de cierta entidad en el llamado terrorismo. Al mismo tiempo, tomó prestada la prevención del discurso penal legitimante y pretendió presentar como preventiva la guerra contra Irak. Como nunca antes, se descarna la identidad del poder bélico con el punitivo en una desesperada búsqueda del enemigo. (ZAFFARONI, 2006, p. 22)

Em complemento, menciona Santiago Mir Puig (apud CRESPO, 2006) que o povo americano não tem consciência porque não tem um passado vergonhoso como o povo alemão, por exemplo. A opinião pública não se coloca no lugar do criminoso, tendo sido abandonada a

ideia de que se faz parte de uma coletividade. Os delinquentes são vistos como ―outros‖, ideia que é mais fácil de ser internalizada quando este ―outro‖ pertence a etnias diversas ou grupos estrangeiros.