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A população de rua no cenário metropolitano

CENÁRIOS

CAPÍTULO SEGUNDO DA EXCLUSÃO À CIDADANIA 1 A moldura da metrópole

2. A população de rua no cenário metropolitano

Surgem imensas torres de escritórios em edifícios inteligentes e de multiuso, controlados por oligopólios e agentes financeiros. Cresce em decorrência da má distribuição de renda e riqueza o número de desempregados e de excluídos. Moradores de Rua, habitantes das pontes e até mesmo de covas subterrâneas na ventilação do metrô paulistano, parecem ser homens-gabiru. A massa de excluídos do sistema produtivo oficial, crianças e adolescentes inclusos, perambula em gangues ou como indivíduos solitários. Não são considerados cidadãos. Giram em torno de dez mil pessoas, segundo dados de diferentes pesquisas da Secretaria do Bem-estar da Prefeitura de

São Paulo, da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE), e dos relatórios internos do Vicariato do Povo da Rua, coletados em albergues coordenados por instituições religiosas. Diante dos empregados altamente qualificados das empresas de vanguarda, os que vivem nas Ruas não têm qualificação nenhuma. A dita ‘massa sobrante’ (surplus people) (ASSMANN, 1994, p. 5).

Vale lembrar que na região metropolitana foram extintos milhares de empregos nas últimas três décadas, e, portanto, muitos dos que andam pelas Ruas são o rosto concreto de mudanças e opções econômicas18. O outro lado

da mesma moeda é cunhado pela imensa massa de desempregados e subempregados que vivem pelas Ruas. Boa parte da população não consegue ter renda suficiente para alugar domicilio na área central.

Diversos termos, como morador de Rua, povo da Rua, entre outros, são utilizados para se referir ao segmento social da população com baixa ou nenhuma renda, e que de alguma forma habita (temporária ou definitivamente) os logradouros públicos da cidade (praças, jardins, viadutos etc.), áreas degradadas (casas abandonadas, galpões), ou pernoitam em albergues públicos (Simões, 1992). Atualmente, este grupo populacional é bastante heterogêneo e engloba vários subgrupos, que podem ser formados por homens e mulheres solitários e até famílias que transformam locais públicos em moradia (FIORONI, 2004, p. 36).

A porcentagem de indigentes na cidade, que era de 2,98 em 1991, aumenta para a 5,60 em 2000. Quanto aos pobres, a proporção era de 8% dos

18 A proporção de miseráveis cresceu 51% em São Paulo, segundo dados do Centro de Políticas Sociais, da Fundação Getúlio Vargas. Publicado na Folha de S. Paulo no dia 16.04.2004, página C1.

habitantes em 1991, subindo para 12,06% em 2000 (PNUD, Atlas, Indicadores de pobreza, 2003). Estamos vendo surgir nas modernas cidades industriais o que o senador Cristovam Burque chama de modernômades:

No mundo global de hoje, centenas de milhões de pessoas não têm endereço: vivem provisoriamente nas cavernas modernas e são sem- teto, sem-terra, sem endereço, sem-emprego, barrageiros, refugiados do desenvolvimento. A própria dinâmica da modernidade, destruindo e criando empregos, obriga quase todos a migrar de tempos em tempos, sem fixar-se em nenhuma parte (BUARQUE, 2001, p. 224-

225).

Em geral essa população se concentra no centro velho de São Paulo. Eis a descrição da irmã Ivete:

É no centro da cidade que você tem chance ainda de garimpar algo, você vai garimpar, por exemplo, frutas. Muitos deles vão de manhã para o Mercado Municipal e comem frutas boas, até trazem para nós, trazem para o viaduto. Se você leva esse pessoal para Guaianases, o que este pessoal vai fazer lá? Então, a cidade tem sobras, e essas sobras chamam. Se você começar a substituir essas sobras por Marmitex, ele não vai mais buscar essas sobras e vai se acomodar, mesmo que ele coma o pedacinho de carne do Marmitex e jogue o resto fora. Então você, além de manipular a população, você desestimula uma organização. A população de Rua está no centro porque tem gente rica que pode dar uma boa esmola. Isto existe. Tem gente que dá, por promessa, por generosidade, por uma partilha. O centro é muito rico e esta riqueza atrai o pobre.

O relatório da ONU sobre a situação mundial das cidades, divulgado no Terceiro Fórum Urbano Mundial, que aconteceu em junho de 2006 em Vancouver, no Canadá, afirma que 1 bilhão de pessoas vive em favelas, e que no Brasil são 52 milhões. Lemos no relatório, que até 2030, as cidades dos

países em desenvolvimento terão 4 bilhões de habitantes e concentrarão 80% da população urbana do mundo19.

Assim analisa a diretora-executiva do UN-Habitat (Programa das Nações Unidas para a Habitação), Anna Tibaijuka:

É preciso investir nos pobres, para tornar as cidades sustentáveis. Estamos aqui para discutir com governos e a sociedade civil soluções para evitar que as cidades continuem crescendo na mesma medida da pobreza urbana. Hoje, 50% da população vive nas cidades e, em 2007, o número de moradores de áreas urbanas deverá ultrapassar o do campo pela primeira vez na História 20.

É preciso, sobretudo, resgatar os espaços públicos:

A fragmentação social crescente é acompanhada de uma fragmentação territorial, e os espaços comuns, públicos, transformam-se em objeto de disputa ou simplesmente são vistos como espaços instrumentais para o deslocamento. Desaparecendo o terreno da vida em comum, desaparecem também as formas de sociabilidade que unem os diferentes segmentos sociais. A dinâmica dos espaços públicos se apresenta, por assim dizer, como verdadeiros textos da vida urbana (GOMES, 2002, p. 189).

E atenção especial deve ser dada também às chamadas “questões da periferia”.

Consolida-se na metrópole paulistana a observação de que as imensas periferias metropolitanas se tornaram, indiscutivelmente, o lugar dos pobres no Brasil contemporâneo. A chamada ‘metropolização da pobreza’ é hoje o dado determinante na

19 Relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre a Situação Mundial das Cidades, in: O Estado de S. Paulo, 20.06.2006, caderno Cidades, p. C7.

20 Fórum procura saídas para a pobreza urbana, Jornal O Estado de S. Paulo, caderno Cidades, p. C7, 20.06.2006.

elaboração de políticas urbanas em todo o mundo (MEYER,

GROSTEIN, BIDERMAN, 2004, p. 50).

Sobretudo será preciso desenhar novo cenário para a gestão administrativa e política dessa região metropolitana. Como não há arranjos adequados à realidade vivida, as políticas que possam equacionar os dilemas e problemas existentes não acontecem. Faz-se necessária nova ‘governança democrática’ centrada em três características fundamentais: “Maior responsabilidade dos governos municipais em relação às políticas sociais e às demandas dos seus cidadãos; o reconhecimento de direitos sociais a todos os cidadãos; a abertura de canais para a ampla participação cívica da sociedade” (SANTOS JR., 2001, p.227-228).