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A posição do Estatuto do Contribuinte no Sistema Normativo Brasileiro

No documento O estatuto do contribuinte no estado social (páginas 42-44)

2. PROPOSTA DE CONCEITO DO “ESTATUTO DO CONTRIBUINTE”

2.2 A posição do Estatuto do Contribuinte no Sistema Normativo Brasileiro

Conforme ressaltado anteriormente, a proposta do presente trabalho é discorrer sobre o Estatuto do Contribuinte como parte do Estatuto Constitucional do indivíduo, ou seja, como parte integrante do núcleo essencial das normas constitucionais que regem o cidadão.

Assim, obviamente, na acepção aqui emprestada, o Estatuto possui assento constitucional. Porém, mais do que isso, o Estatuto é composto essencialmente por normas de direitos fundamentais.

Boa parte dos direitos previstos no art. 5º da Constituição possui aplicação direta no âmbito da relação tributária. Por sua vez, as garantias previstas no art. 150 da Constituição são diretamente reconduzíveis a um ou mais dos direitos e garantias individuais previstos no art. 5º.

Por outro lado, o dever de pagar tributos, além de constituir um requisito essencial para o funcionamento do Estado, opera como instrumento imprescindível para a efetivação dos direitos fundamentais tanto daquele que contribui, como de terceiros.

Isto posto, depreende-se que a posição do Estatuto do Contribuinte no sistema normativo brasileiro situa-se no seio da própria Constituição Federal, no âmbito que a mesma reserva para os direitos fundamentais, o que resulta tanto da natureza de suas normas (que configuram limitações ao poder Estado para a proteção da esfera jurídica dos contribuintes) quanto de sua origem histórica e processo de sedimentação, nos moldes do que foi exposto linhas acima. O Estatuto, portanto, ocupa posição da mais elevada estatura dentro do ordenamento pátrio.

Tal percepção não é desprovida de conseqüências práticas. Assim, por exemplo, todas as garantias dos contribuintes que são reconduzíveis aos direitos e garantias individuais, encontram-se fora do alcance do poder de revisão constitucional, por força do art. 60, §4º da Constituição.

Neste sentido, além dos direitos e garantias previstos no art. 5º da Constituição e de outros que tenham sido incorporados ao ordenamento pátrio por meio de acordos ou tratados internacionais (art. 5º, §2º) também estão protegidas contra o poder revisor outras disposições, como as constantes do art. 145, §1º e dos incisos do art. 150, todos da Constituição de 1988. Tais dispositivos não podem ser alterados, se tal alteração

resultar em uma diminuição na proteção do contribuinte.

Observe-se, inclusive, que boa parte do poder de regulamentar, no plano infraconstitucional, as questões relativas ao Estatuto foram retiradas do alcance da lei ordinária, como sói acontecer com as questões relativas aos direitos fundamentais. Isto porque os aspectos mais importantes da relação tributária estão submetidos à reserva de lei complementar.

Edvaldo Pereira de Brito leciona que, ao contrário do que se observa em outros ordenamentos, no Brasil, com a Constituição de 1988, existe um verdadeiro sistema tributário normativo, com a reserva de matérias e funções específicas para cada uma das espécies normativas existentes. Neste sistema, cada uma das normas funciona como uma engrenagem que atuando de forma conjunta movimentam a máquina estatal na sua função de tributar.

Este sistema tributário configura um subsistema, com características peculiares, dentro do sistema normativo maior, constituído pela Constituição, que por sua vez é a norma maior dentro do ordenamento jurídico brasileiro.

Neste passo, é de fundamental importância o art. 146, III da CF quando reserva à Lei Complementar a tarefa de estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes; b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários.

Do artigo 146 da Constituição se deriva o Princípio da Eficácia da Lei Complementar, pelo qual todo tributo que consta da discriminação constitucional de rendas deve ter a definição do seu fato gerador, sua base de cálculo e seus contribuintes através de Lei Complementar40.

Por sua vez, via de regra, a referida Lei Complementar não institui o tributo, tarefa que é realizada pela Lei Orgânica do Tributo, cujo veículo é a lei ordinária. Desta forma, por exemplo, restou inconstitucional a conduta dos Estados e Municípios quando cobraram ICMS e ISS fundamentando-se unicamente na existência de Lei Complementar federal que estabeleceu normas gerais para os referidos tributos.

40

BRITO, Edvaldo. Aspectos Constitucionais da Tributação. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). As Vertentes do Direito Constitucional Contemporâneo. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2002. p. 633.

Abaixo destas leis orgânicas vêm os decretos, que possuem tão somente a tarefa de regulamentar o que naquelas está disposto, não possuindo a capacidade de criar, modificar ou extinguir direitos subjetivos. Finalmente, vêm os atos normativos de natureza administrativa, previstos no art. 100 do Código Tributário Nacional.

Destaca-se que boa parte da doutrina entende que, no sistema tributário nacional, ao contrário do que vem entendendo a jurisprudência do STF, nenhum papel é reservado para a medida provisória. Para esta parcela da doutrina, a medida provisória não pode ser equiparada com a lei para efeitos tributários, uma vez que sua edição não depende da prévia autorização dos representantes da vontade do povo (legislativo), não suprindo a exigência de consentimento popular que é a base do princípio da legalidade no Direito tributário41.

Realmente, ao se considerar que a raiz histórica do princípio da legalidade no direito tributário está intimamente relacionada com a idéia da necessidade de prévio consentimento do contribuinte, através de sua representação política, para a cobrança do tributo, não faz sentido que a medida provisória possa ser equiparada à lei para tal desiderato.

Assim, conclui-se que o critério topográfico é insuficiente para determinar a posição do Estatuto do Contribuinte no sistema normativo brasileiro. Integrado essencialmente por normas de direitos fundamentais, o Estatuto deve ser situado na mesma posição destinada a estes no ordenamento brasileiro. Como pôde ser observado, boa parte dos direitos e garantias dele extraídos estão imunes até mesmo às emendas constitucionais. Ademais, a regulamentação infraconstitucional dos aspectos mais importantes a ele atinentes deverá ser efetuada através de Lei Complementar, nos termos do disposto no art. 146, II e III da Constituição.

2.3 O Estatuto do Contribuinte como Complexo de Normas de Direitos

No documento O estatuto do contribuinte no estado social (páginas 42-44)