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Limites x restrições aos direitos fundamentais

No documento O estatuto do contribuinte no estado social (páginas 130-133)

5. Do Papel dos Deveres Fundamentais no Estatuto do Contribuinte

5.4 Das restrições aos direitos fundamentais.

5.4.1 Limites x restrições aos direitos fundamentais

Antes de adentrar na análise propriamente dita de cada uma das teorias acima mencionadas, cabe realizar um parêntese para discorrer sobre uma questão terminológica que, se não for devidamente esclarecida, pode prejudicar o debate em tela. Trata-se da diferenciação do conceito de limites e do conceito de restrições, ambos relativos aos direitos fundamentais.

Isto porque ambos os vocábulos são usados muitas vezes como sinônimos. Entretanto, na doutrina relativa aos direitos fundamentais vem se consolidando um relativo consenso no sentido de que a cada uma das expressões deve ser atribuído um sentido específico.

De Paula parte da diferença etimológica entre os conceitos para concluir que, enquanto restrição (do latim restringere) significa supressão ou diminuição de algo, limite (do latim limitare ou delimitare) refere-se à fronteira. Enquanto restrição traduziria uma idéia de intervenção ablativa num determinado conteúdo, limite estaria relacionado com

a revelação dos contornos desse conteúdo182.

Assim, aceitando a referida diferenciação, o conceito de restrição seria trabalhado pelos adeptos da teoria externa já que o mesmo é relacionado com algo que é externo ou que se impõe externamente ao direito, reduzindo o âmbito de proteção do mesmo que era mais extenso, antes da incidência da restrição. Já a concepção de limite seria trabalhada pelos adeptos da teoria interna, pois está relacionada com a idéia de revelação dos limites do direito fundamental.

Embora a diferenciação acima seja adotada em grande parte das obras que tratam do tema e até mesmo se revele um tanto quanto intuitiva, existem casos de confusão terminológica que deve ser evitada a fim de se atingir um debate produtivo.

Partindo dos pressupostos acima expostos, ou bem os deveres fundamentais podem se constituir em limites aos direitos fundamentais, ou bem podem se constituir em restrições aos mesmos. Percebe-se assim que, embora a adoção dos sentidos mencionados para os termos limites e restrições já seja objeto de relativo consenso, faz- se necessário que o pesquisador mantenha-se atento todo o tempo, para evitar confusão terminológica.

De maneira geral (porém não necessária), os autores que pretendem se afastar de uma matriz liberal-individualista, tendem a se associar à corrente interna.183Esta tendência, entretanto, não é inexorável como reconhece Alexy. Aliás, concordamos com o mesmo quando afirma que somente após uma análise mais detalhada da relação entre direito e restrição é que é possível ir além destas tendências gerais.184

Felipe de Paula menciona que os críticos da teoria externa apontam a matriz liberal e individualista desta corrente, afirmando que a mesma se importa excessivamente com a proteção das esferas de liberdade individuais e que a ampliação irrazoável da chamada liberdade negativa implica em verdadeiro desprezo aos valores comunitários. Mas também ressalta que a relação da teoria externa com o individualismo e da teoria interna

182

DE PAULA, Felipe. A (de)limitação dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p. 46.

183

A polêmica entre a teoria interna e a teoria externa não é, de forma alguma, uma polêmica exclusivamente acerca de questões conceituais e problemas de construção teórica. (...) alguém que defenda uma teoria individualista do Estado e da sociedade tenderá mais à teoria externa, enquanto alguém para o qual o importante é o papel de membro ou participante de uma comunidade tenderá mais para a teoria interna. ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva da 5ª edição alemã. São Paulo: Malheiros, 2008. P. 278.

184

com o comunitarismo é apenas uma tendência, porém não é necessária185. 5.4.2 Teoria interna

Muito embora existam poucos autores contemporâneos que ainda defendam seu modelo “puro”, há autores de renome que se filiam expressa ou implicitamente à teoria interna. A teoria das normas de direitos fundamentais de Friedrich Müller, por exemplo, possui bastante penetração entre os doutrinadores que tratam dos direitos fundamentais.

Embora vários autores associados à corrente interna apresentem concepções bastante dissonantes entre si, existe um ponto em comum entre estas concepções, qual seja a utilização dos dois principais instrumentos teóricos da teoria interna - a figura dos limites imanentes e a defesa de um suporte fático restrito dos direitos fundamentais. Felipe de Paula menciona que a idéia base da teoria interna já era utilizada e discutida na doutrina do Direito Civil, e poderia remontar até mesmo aos primórdios contratualistas e kantianos da percepção de limites às liberdades. Cita W. Siebert, para quem: “todas as exigências da comunidade não são, pois, limites externos, mas limites naturalmente ínsitos no direito”. Entretanto, a transposição dessa concepção para o âmbito dos direitos fundamentais foi identificada na década de 50, com sua utilização pelos tribunais alemães para denotar a existência de certas limitações aos direitos fundamentais não expressamente previstas na Lei Fundamental de Bonn, decorrentes de direitos de terceiros e de bens e valores comunitários de cunho constitucional186.

Ainda segundo o mesmo autor, a ideia-chave das correntes da teoria interna estariam calcadas no princípio da unidade da Constituição e na negação da influência de aspectos considerados externos para a limitação dos direitos.

Luiz Fernando Calil de Freitas compartilha desta posição, asseverando que o conteúdo do direito é decifrado de uma só vez, em ato único de interpretação do seu âmbito de proteção que já leva em consideração os limites imanentes. Assim, a esfera de liberdade do indivíduo não apresenta uma determinada extensão, posteriormente amputada por

185

DE PAULA, Felipe. Op. Cit., p. 67. O autor aponta a teoria desenvolvida por Vieira de Andrade, baseada na figura dos limites imanentes, como exemplo de concepção que se aproxima da Teoria interna, embora seu idealizador assuma uma posição liberal e individualista. Cabe ressaltar, entretanto, que o próprio Vieira de Andrade, apesar de basear sua teoria na figura dos limites imanentes, expressamente rechaça sua vinculação à Teoria interna.

186

fatores externos, mas já aparece recortada aprioristicamente187.

Nesta linha, não haveria que se falar em conflitos entre direitos fundamentais, a serem solucionados mediante o sopesamento dos valores envolvidos, uma vez que a fronteira entre um e outro(s) direito(s) envolvido(s) já estaria pré-determinada desde o nascimento, apresentando, no caso concreto, somente duas possibilidades. Ou a posição do indivíduo se encontra dentro daquela fronteira previamente delimitada, devendo seu interesse prevalecer em face dos demais direitos ou valores envolvidos; ou sua posição encontra-se fora daqueles limites, resultando numa ausência de proteção de seu interesse pelo Direito. Os conflitos, portanto, seriam apenas aparentes.

Na mesma esteira, adotados os pressupostos da teoria interna, não se poderia falar em restrição dos direitos fundamentais pela atividade do legislador ordinário. Encontrando- se os limites dos mesmos previamente delimitados desde o nascimento, não caberia ao legislador ordinário afetar os referidos limites, reduzindo o âmbito de proteção do direito, sob pena de subversão da hierarquia das normas, já que não caberia à lei ordinária contrariar a constituição.

Assim, as normas infraconstitucionais teriam apenas o condão de declarar ou esclarecer o conteúdo dos direitos fundamentais, que já se encontraria pré-determinado. Não seria correto falar lei restritiva, mas tão somente em regulamentação ou concretização do direito fundamental em causa.

No documento O estatuto do contribuinte no estado social (páginas 130-133)