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5. Do Papel dos Deveres Fundamentais no Estatuto do Contribuinte

5.4 Das restrições aos direitos fundamentais.

5.4.3 Teoria externa

A teoria externa apresenta grande desenvolvimento recente, tributável em grande parte à atenção doutrinária voltada para a teoria dos princípios.

Com efeito, uma das principais críticas dirigidas à teoria externa dizia respeito à inviabilidade da legislação ordinária contrariar a Constituição. Considerando que, nos termos da teoria externa, os direitos fundamentais possuem suporte fático amplo, abrangendo todas as situações que envolvem o referido direito, não caberia ao legislador ordinário restringir o conteúdo do direito.

O desenvolvimento da teoria dos princípios e o estudo da colisão entre normas de direitos fundamentais possibilitou a superação desta crítica, ao justificar a restrição do

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FREITAS, Luiz Fernando Calil de. Direitos Fundamentais: limites e restrições. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 81.

direito com base no sopesamento entre os valores envolvidos na construção da norma restritiva e o valor que fundamenta o direito fundamental.

Segundo Felipe de Paula, o conceito chave da teoria externa consiste, em termos negativos, na recusa da ocorrência de limitações relevantes a priori de conteúdos ou, em termos positivos, na aceitação das restrições como elementos externos e apartados aos direitos188. Disso, surgem como consequências: i) a separação entre direito prima facie e direito definitivo; ii) o diferimento do momento da definição do direito para a ocasião da análise das restrições; iii) a colocação do problema da fundamentação das restrições aos direitos fundamentais.

Assim, no que concerne à teoria externa, a definição do conteúdo do direito passa por dois momentos. Num primeiro momento, o mesmo abrange todas as situações que possam ser associadas ao mesmo. Em seguida entram em jogo as possíveis restrições que, caso superem o controle de justificação podem excluir determinadas situações do conteúdo do direito. A fim de analisar se determinada restrição é ou não justificada, de forma generalizada, o instrumento a que recorrem os defensores da teoria externa, é a proporcionalidade.

5.4.4 – A opção deste trabalho

Expostas as bases das teorias externa e interna, passa-se agora a expor o posicionamento que, à primeira vista, mostra-se mais consentâneo com aquilo que foi construído ao longo desse trabalho.

Inicialmente, cabe destacar que a defesa da versão pura de qualquer das duas teorias acima expostas é bastante problemática, diante das críticas que são dirigidas a ambas189. No que diz respeito à teoria interna, a nosso ver, a principal crítica dirigida à mesma diz respeito à impossibilidade do legislador constituinte prever a priori todas as circunstâncias fáticas e jurídicas que poderão influenciar na delimitação de determinado direito fundamental, de forma a possibilitar que o direito já nasça com limites definidos. Ademais, ao longo do presente texto, várias vezes foi ressaltado o caráter mutável da Constituição e dos direitos fundamentais. A atribuição de significados rígidos aos

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DE PAULA, Felipe. A (de)limitação dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010. p. 91.

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Para uma visão panorâmica das críticas dirigidas a ambas as teorias, ver: DE PAULA, Felipe. A (de)limitação dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010. p. 130-145.

preceitos constitucionais resultaria numa total incapacidade da norma de adaptar-se à realidade, que é dinâmica. Entretanto, a mutabilidade das normas constitucionais, nos parece, é incompatível com a premissa da teoria interna de que o direito já possui um conteúdo determinado, não sendo possível falar-se em restrições legítimas ao mesmo. Por sua vez, o modelo da teoria externa também não está isento de críticas. Aquela que, em nosso entender, apresenta maior dificuldade de superação se refere à excessiva dependência da teoria externa à técnica do sopesamento e ao uso da proporcionalidade. Os críticos apontam que esta ferramenta significa verdadeira abertura ao decisionismo disfarçado, colocando em cheque o pilar da segurança jurídica.

Diante das dificuldades enfrentadas por ambas as teorias, diversos autores passaram a defender versões híbridas para o enfrentamento do problema das restrições aos direitos fundamentais. Neste sentido, Canotilho apresenta um quadro representativo do método para o procedimento jurídico-constitucional de restrição dos direitos, que se divide em três instâncias: 1ª) a da delimitação do âmbito normativo; 2ª) a da restrição deste âmbito; e 3ª) a de aferição do cumprimento dos requisitos da lei restritiva190.

Aderimos a tal posicionamento, refutando a defesa das versões puras das teorias interna e externa. E o fazemos pelos motivos expostos a seguir.

A defesa e o reconhecimento da existência dos deveres fundamentais, por sua própria natureza, parece-nos incompatíveis com a idéia de suporte fático amplo inerente à teoria externa. Isto porque, assim como os direitos fundamentais, os deveres são instituídos pelo próprio constituinte, razão pela qual soa inadequado considerar os mesmos como restrições ablativas do conteúdo dos direitos. Pensando, por exemplo, na relação do dever fundamental de pagar tributos com o direito de propriedade, é mais lógico imaginar que aquele dever, desde o início confere limitações ao direito citado.

Por outro lado, os mesmos deveres também servem de fundamento constitucional para que legislador ordinário edite normas que afetarão condutas que inicialmente se encontravam protegidas pelo conteúdo do direito fundamental. Nestes casos, não é correto falar-se em limites, mas em verdadeiras restrições de conteúdo.

Finalmente, a defesa de um modelo que reconheça o caráter dinâmico da Constituição, como uma opção necessária para viabilizar sua adaptação às circunstâncias históricas e

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CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed. Lisboa: Almedina, 2003. p. 1284.

aos reflexos que tais circunstâncias produzirão nos significados normativos (texto e interpretação) exige o afastamento de uma proposta que defenda que os direitos fundamentais já nasceriam com um conteúdo fixo e determinado, proibitivo de intervenções legislativas que restringissem esse conteúdo, mesmo que aquelas circunstâncias assim exigissem.

No documento O estatuto do contribuinte no estado social (páginas 133-136)