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Modelos de Estado e de tributação brasileiros, segundo Constituição de

No documento O estatuto do contribuinte no estado social (páginas 30-33)

Observou-se que, inexoravelmente, o modelo de Estado e certas opções que uma determinada sociedade politicamente organizada realiza se refletirão no modelo de sistema tributário a ser adotado. Uma contradição entre tais fundamentos levará a um mau funcionamento do sistema.

Neste tópico, pretende-se demonstrar que a Constituição de 1988 estabeleceu para o país um determinado modelo de Estado e, por conseqüência, um modelo associado de tributação.

Já demos por pacífico que a Constituição de 1988 redefiniu o Estado Brasileiro como Estado Democrático e Social de Direito, vinculando o ordenamento jurídico pátrio aos pressupostos do Estado Social, que passam a valer como vetor de interpretação e aplicação das normas.

Muito embora tal afirmação seja praticamente22 um consenso no âmbito da doutrina constitucionalista nacional, o presente tópico se faz necessário por dois motivos. Primeiro porque, ao contrário de determinadas constituições alienígenas, a exemplo da Constituição Espanhola de 1978 (CE), a Constituição de 1988 não assume, expressamente, a natureza de Estado Social para o Brasil23. Segundo, porque a

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O termo “praticamente” é utilizado aqui por cautela, uma vez que não foi localizada doutrina que se posicione em sentido contrário.

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O art. 1º da Constituição de 1988 dispõe que: “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito”. O Art. 1.1 da CE estabelece que: “España se constituye en un Estado social y democrático de Derecho, que propugna como valores superiores de su ordenamiento jurídico la libertad, la justicia, la igualdad y el pluralismo político”. A Constituição Portuguesa (assim como a brasileira) utiliza, no art. 2, a expressão Estado de Direito Democrático, omitindo o termo “social”. Entretanto, o preâmbulo do mesmo afirma a aspiração socialista daquele Estado ao afirmar: “A Assembleia Constituinte afirma a decisão do povo português de defender a independência nacional, de garantir os direitos fundamentais dos cidadãos, de estabelecer os princípios basilares da democracia, de assegurar o primado do Estado de Direito democrático e de abrir caminho para uma sociedade socialista, no respeito da vontade do povo português, tendo em vista a construção de um país mais livre, mais justo e mais fraterno” (grifos nossos).

afirmação da importância do Princípio do Estado Social como vetor vinculante da aplicação do Direito é indispensável para evitar o esvaziamento da discussão acerca dos deveres fundamentais, objetivo parcial deste trabalho.

Assim, em primeiro lugar, cabe ressaltar que a Constituição de 1988, em seu art. 1º, estabelece que a República Federativa constitui-se em Estado Democrático de Direito. Omitiu o constituinte o termo social, ao contrário do ocorrido em outros países que explicitamente se declaram Estado Democrático e Social de Direito (como a Espanha). Dessa forma, poder-se-ia, ao realizar uma interpretação isolada do referido dispositivo, acreditar que o constituinte não almejou, necessariamente, a criação de um Estado

Social, ou mesmo que, sendo a referida omissão intencional, almejou a criação de um

Estado Não Social.

Aqueles não afetos a tal interpretação poderiam argumentar que o estabelecimento, ainda nos incisos do referido dispositivo, da dignidade da pessoa humana e dos valores

sociais do trabalho e da livre iniciativa como fundamentos da República afastariam tal

interpretação. Não entendemos que tal argumento seja forte o suficiente.

A dignidade da pessoa humana se revela um conceito indeterminado e demasiadamente aberto, podendo ser preenchido com conteúdos bastante divergentes entre si. Não existe um conceito universalmente válido para o referido conceito, que deverá variar, conforme cada cultura. Assim, não se pode pretender que a realização da dignidade humana passa, necessariamente, pelo estabelecimento de um Estado Social, independentemente da cultura da sociedade pertencente ao referido Estado.

Já o inciso IV do art. 1º da CRFB menciona apenas os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e assim, isoladamente, não seria apto a afastar a interpretação desfavorável ao Estado Social. A livre-iniciativa, aliás, é um valor bastante compatível com um Estado Liberal e um sistema tributário não redistributivo, no sentido de que aqueles mais capazes (ou com melhores condições iniciais de disputa) logrem colher grandes benefícios e aqueles menos favorecidos sejam abandonados à própria sorte. A interpretação desfavorável, portanto, ainda permaneceria sustentável.24

Mas, ainda no Título I da CRFB aparecem – como incisos do art. 3º - preceitos que começam a inviabilizar qualquer interpretação que deixe de entender o Estado

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Em sentido contrário ao do texto, entendendo que o art. 1º, IV, é uma expressão do Princípio do Estado Social: ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 399.

Brasileiro como um Estado Social, que deve, necessariamente, adotar um modelo de tributação redistributivo.

O inciso I estabelece como objetivo fundamental da república a Construção de uma sociedade livre, justa e solidária. A solidariedade, portanto, constitui-se, no caso brasileiro, não somente num valor ético, mas num valor jurídico, com assento constitucional e, portanto, com normatividade. Já não cabe aqui, portanto, o que foi acima mencionado acerca da livre iniciativa. Inicia-se, aqui, a conformação de um ordenamento que pretende que os ônus sejam distribuídos conforme a capacidade da cada um, e que os bônus sejam distribuídos conforme a necessidade de cada um: um Estado redistributivo.

O inciso III do mesmo dispositivo estabelece como fundamento da república “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”. Reforça-se aqui o que foi acima dito acerca solidariedade. A redução das desigualdades sociais e a erradicação da pobreza e da marginalização pressupõem:

I) uma distribuição de renda equitativa e não isoladamente determinada pela capacidade de cada um ou pelas condições iniciais;

II) assistência àqueles que sejam desprovidos de capacidade para prover a própria subsistência e o próprio acesso às condições materiais necessárias a uma vida digna. O inciso IV, por sua vez, estabelece como fundamento da República: “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. Assim, além da vedação à discriminação pelos motivos expressos no dispositivo, o mesmo preceitua a promoção do bem de todos, o que significa, necessariamente, que o bem daqueles que não possuem a capacidade, física, intelectual ou econômica de perseguir o próprio bem estar, deverá ser provido pelos demais membros da comunidade.

Ao longo da Constituição, uma série de outros dispositivos reforça a tese aqui levantada. Naturalmente, não há espaço suficiente para mencionar especificamente cada um deles. Somente a título de exemplo, podemos citar as seguintes disposições constitucionais como demonstração da tese supra: a função social da propriedade (art. 5º, XXIII; art. 170, III; art 182, §2º), os direitos sociais (art. 6º), as disposições sobre Política Agrícola e Reforma Agrária (art. 184 e ss.), as disposições sobre assistência social (arts. 203 e 204).

No que tange ao sistema tributário nacional, o caráter redistributivo do Estado brasileiro é demonstrado principalmente, pelo teor do art. 1º, III e art. 3º, III da Constituição. Ademais, o §1º do art. 145 impõe o dever estatal de graduação dos impostos conforme a capacidade econômica do contribuinte25. Note-se ainda a determinação de utilização da técnica da progressividade em relação ao imposto de renda (art. 153, §2º, I).

É pelas razões expostas que o presente trabalho parte do pressuposto de que a Constituição de 1988 determinou a construção de um Estado Social. Isto significa, em primeiro lugar, que é dever do Estado propiciar aos indivíduos o acesso aos chamados Direitos Econômicos Sociais e Culturais (DESC). A efetivação de tais direitos por parte do Estado não prescinde de um grande dispêndio de recursos materiais. A principal fonte de tais recursos são os tributos (em especial os impostos), daí a pertinência de discutirmos adiante sobre o dever fundamental de pagar tributos como elemento integrante do Estatuto do Contribuinte.

Ademais a Constituição de 1988 determinou ainda que o sistema econômico (do qual faz parte o sistema tributário), muito embora seja regido pelo princípio da livre iniciativa, deve ser dotado de mecanismos redistributivos que propiciem a redução das desigualdades sociais. Tal dogma também é importante para a compreensão da proposta que será construída acerca do Estatuto.

No documento O estatuto do contribuinte no estado social (páginas 30-33)