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1 EM BUSCA DE DETERMINAÇÕES GERAIS PARA PENSAR O

1.5 A precarização do trabalho na política pública social

A precarização laboral, marca do mundo do trabalho em tempos de crise estrutural capitalista, vem alcançando os mais diversos setores da produção e da reprodução da vida social, desde a indústria, passando pela agricultura, chegando até mesmo àqueles setores que estão fora dos circuitos produtivos do capital (ALVES, 2007, p. 128). De fato, as péssimas condições laborais fazem-se sentir no seio do próprio Estado, uma vez que, segundo Teixeira (1999, p.22), “o gerenciamento do setor das atividades exclusivas do Estado obedece a uma racionalidade administrativa próxima das empresas privadas.”.

Para Alves (2007), esse processo de precarização do trabalho em âmbito estatal é fruto do “vazamento” da lógica do trabalho abstrato para os mais diversos setores da sociedade contemporânea. Em rigor, segundo Mandel (1985), acontece uma impregnação da lógica mercantilizadora nas esferas da reprodução social.

Saliente-se que a precarização laboral dentro das esferas reprodutivas da vida social, em especial no âmbito do Estado e de suas políticas sociais, teve início na década de 1970, a partir da crise do Estado de bem-estar social que vigorou em alguns países de capitalismo avançado. Até então, o Estado era modelo para os demais setores da vida em sociedade, tanto no que diz respeito à promoção de direitos para os cidadãos, quanto em relação à garantia de direitos para os seus quadros profissionais (CHEITUB, 2000). Em verdade, em tempos de Estado de bem-estar social, o trabalho no setor público vigorava sob a hegemonia do sistema de carreira que garantia segurança no trabalho, bons salários e uma série de garantias trabalhistas, em detrimento do sistema de emprego público, que se aproximava do modelo de gestão do trabalho nos setores privados48.

48Segundo Saraiva (2007 apud CASTRO; NUNES, 2010), o trabalho no setor público da maioria dos países europeus, latino-americanos e no Japão vigorava sob um sistema de carreira que é baseado pela forma peculiar de ingresso na função, através de critérios específicos, pela perspectiva de emprego para toda a vida, pela

O desmonte do trabalho no setor público estatal iniciou-se com a emergência do Estado neoliberal, tendo como base a ideia da “flexisegurança” (flexibilidade e segurança) para a condução da gestão laboral nesse setor. Essa ideia é apresentada como uma proposta inovadora ao setor público estatal do século XXI e propõe relações contratuais flexíveis; diminuição de uma perspectiva de trabalho de longo prazo; vinculação dos salários ao desempenho do trabalhador; fim dos automatismos na progressão e promoção dos trabalhadores; carga horária de trabalho mais flexível; e tempo parcial de trabalho (KUPERUS et al, 2010 apud CASTRO; NUNES, 2010, p. 218). Cumpre destacar que, por trás da ideia da flexisegurança, esconde-se o verdadeiro significado da reestruturação do trabalho nos setores públicos, qual seja: diminuir os custos com o trabalho, liberando recursos públicos para os interesses do capital.

Nesse contexto, o modelo de emprego público vem se tornando hegemônico nas formas de gestão dos trabalhadores estatais, embora não haja uma ruptura radical com o sistema de carreira. Destarte, a ideia da flexisegurança não impactou os Estados de forma homogênea, já que o grau de adesão a ela se diferenciou a partir da cultura de emprego público de cada um.

Contudo, boa parte das instituições públicas de diversos países do mundo passaram a contratar seus trabalhadores de forma flexível para variados cargos e categorias profissionais (OECD, 2008 apud CASTRO; NUNES, 2010).

No Brasil, a precarização do trabalho dentro do Estado iniciou-se na década de 1990, quando da introdução das reformas do Estado, sob a prerrogativa neoliberal, nos governos de Collor e FHC. Nesse ínterim, houve privatizações de empresas estatais, reformas administrativas, demissões de trabalhadores não estáveis das instituições estatais, implementação de programas de demissão voluntária que ocasionaram impacto direto para os trabalhadores do âmbito do Estado (POCHMAN, 2006). Saliente-se que o pacote neoliberal trouxe consequências ainda mais graves para os trabalhadores das políticas sociais, uma vez que os cortes financeiros mais drásticos se direcionaram para a área social.

perspectiva de construção de uma carreira, com ênfase na antiguidade, e uma grande distinção entre emprego público e privado (DEMMKE et al, 2008 apud CASTRO; NUNES, 2010, p.195). Cabe destacar que a perspectiva de carreira não foi adotada em todos os países de capitalismo avançado. De fato, nos EUA, Reino Unido e Holanda vigorou fortemente o sistema de emprego público - pautado pela forma de ingresso mais aberta e pela maior proximidade entre o emprego público e privado (DEMMKE et al, 2008 apud CASTRO; NUNES, 2010, p.195).

Cumpre destacar que, até então, a gestão do trabalho no setor público brasileiro baseava-se em um sistema semelhante ao sistema de carreira que vigorou nos países de capitalismo avançado. De fato, a inserção nesse setor se dava, eminentemente, por meio de concurso público, com ampla garantia de estabilidade, uma massa salarial e benefícios trabalhistas de valores significativos49.

Segundo Pochman (2006, p.2), já no governo Collor, as instituições públicas federais lançaram mão de demissões, limitaram novas contratações e fizeram incentivos de aposentadorias o ocasionou uma drástica redução no quadro de pessoal dos setores públicos, enquanto no governo de FHC foram criados Planos de Demissão Voluntária (PDV), intensificação dos processos de privatização das organizações estatais e da limitação de novas contratações, dando continuidade ao processo de precarização das instituições públicas no Brasil. No governo Lula, apesar de certas diferenciações, a reforma neoliberal do Estado brasileiro teve continuidade.

Além de lançar um grande contingente de trabalhadores para a vivência do desemprego, o Estado brasileiro, em tempos de reforma neoliberal, adota com seus trabalhadores estratégias típicas dos setores privados. De fato, verifica-se, nos quadros profissionais do Estado, uma flexibilização nas contratações, flexibilização do estatuto salarial e redução em seus valores, adoção de remuneração baseada no desempenho individual, avaliações periódicas, negociação coletiva para a determinação das condições de trabalho e da

remuneração e aumento no tempo de contribuição das aposentadorias (POCHMAN, 2006)50.

Em verdade, essa reestruturação do trabalho no âmbito do Estado brasileiro, sob a prerrogativa da crise fiscal, esconde o “assalto” aos fundos públicos pelo capital privado.

Cabe destacar que um dos aspectos mais graves da precarização laboral nas instituições públicas é o aumento da terceirização nas contratações de mão de obra. As

49No Brasil, antes das reformas no Estado brasileiro, os trabalhadores públicos só poderiam ser contratados mediante concurso público e só poderiam estar sob um dos seguintes vínculos de trabalho: estatutário, celetista, especial (processo seletivo simplificado) e cargos de comissão (BORGES, 2004). É importante esclarecer que os servidores públicos possuem vínculo não contratutal, vinculam-se à perspectiva de carreira, que tem como característica principal a estabilidade. Já os celetistas, também conhecidos como empregados públicos, vinculam-se à perspectiva do sistema do emprego público. O vínculo adquirido através do regime especial só acontece em situações mais emergenciais de interesse público, possui caráter temporário e é regido pela lei 8.745/9349. Para esses dois últimos vínculos, o ingresso dá-se através de uma seleção simplificada, exceto nos casos de calamidade pública, caso em que não há processo seletivo. Por fim, tem-se os cargos comissionados, ou cargos de confiança, para os quais os trabalhadores são livremente nomeados, sendo fixado, contudo, uma proporção fixa de número de contratados nessa condição (BORGES, 2004).

50A aprovação da Emenda Constitucional 19/1993 ocasionou um aumento no tempo de contribuição das aposentadorias e uma instabilidade nos trabalhadores, devido às avaliações periódicas passíveis de demissão.

contratações terceirizadas de trabalhadores para as atividades-meio do setor público são permitidas legalmente desde a década de 1970, através das leis n.° 5.645/70 e n.° 7.102/83. Contudo esse tipo de contratação vem se estendendo para as atividades-fins desses setores. Ressalte-se que a contratação terceirizada de profissionais para atividades-fins dos setores públicos configura-se, em termos jurídicos, como uma atividade ilegal do Estado (BORGES, 2004).

De fato, Borges (2004) afirma que as principais formas de precarização do trabalho em âmbito estatal estão nas irregularidades dos vínculos trabalhistas, através das contratações sem concurso público e das terceirizações. Verifica-se no Estado contratos por tempo determinado, prestação de serviços com bolsistas, consultores, estagiários, com arbítrio para o processo seletivo.

Segundo dados do Dieese (1993 apud ALVES, 2005), a terceirização promove a redução dos salários e dos benefícios sociais, insalubridade, perda de representação sindical, dentre outras. A terceirização contribui para a perda em diversos direitos trabalhistas, garantindo, assim, a lucratividade das empresas que intermedeiam mão de obra (ALVES, 2010, p. 16).

Cumpre salientar que, embora no governo Lula perceba-se uma queda no número de celetistas no setor público e o crescimento no número de servidores, houve, nesse governo, um crescimento significativo de vínculos atípicos: terceirizados, sem carteira, sem passar por concurso público e sem estabilidade. Em verdade, de acordo com Lima (2011), em oito anos de governo Lula houve um aumento significativo de cargos públicos, concursados e de confiança e uma concessão de reajustes para o funcionalismo, embora o número desses servidores continue muito aquém da demanda nos quadros do funcionalismo público no Brasil.

De acordo com dados do Ministério do Planejamento, em 2003, 82 mil trabalhadores públicos tinham vínculo empregatício temporário. Em 2008, as contratações temporárias no serviço público federal chegavam a contemplar 17.530 trabalhadores (MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO, 2008 apud GOBETTI, 2009).

Souza (2011) comenta que

Segundo as informações de que o Ministério dispõe, sabidamente incompletas, admite-se que haja no mínimo 33.125 trabalhadores terceirizados de maneira

irregular na Administração Pública, excluídas as empresas e sociedades de economia mista. E isto após a autorização para o preenchimento de 24.306 vagas, nos três anos anteriores, destinadas à substituição de terceirizados. Na estimativa da 2ª Secex, hoje poderia haver, de fato, 55 mil postos ocupados mediante terceirização indevida.

Nessa direção, Gobetti (2009) afirma que “o espectro de atividades exercidas por esse tipo de ‘servidor tampão’ também é cada vez maior e vai do ensino em universidades a serviços especializados de engenharia e tecnologia da informação”.

Percebe-se que essa gama de trabalhadores precarizados dentro do próprio Estado compõe parte significativa do universo de profissionais do setor público brasileiro. Contudo, verifica-se, nesse espaço, trabalhadores com maiores garantias trabalhistas, a exemplo dos concursados, principalmente do Executivo, Legislativo e Judiciário federal e dos trabalhadores que ocupam cargos de maiores status dentro do serviço público.

Nesse ínterim, observa-se uma fragmentação dos trabalhadores públicos, pois de um lado há aqueles que possuem estabilidade, maiores salários e benefícios e, do outro, há os terceirizados e temporários, que possuem péssimas condições salariais, são instáveis, enfim, estão submetidos às mais diversas formas de precariedade do trabalho.

Além da flexibilização dos vínculos trabalhistas, a precarização do trabalho no âmbito estatal expressa-se na estagnação e mesmo na redução nos salários dos funcionários públicos em nome do equilíbrio do fisco, o que fez com que se explicitasse uma massa de trabalhadores proletários dentro do próprio Estado (ALVES, 2008). O sucateamento das instituições públicas tem provocado precarizações das condições de realização do trabalho.

Enfim: número reduzido de profissionais, flexibilização dos vínculos trabalhistas, redução nos salários, aumento das exigências e sobrecarga de trabalho são expressões da precariedade do trabalho no âmbito do Estado, em especial no espaço das políticas sociais. Diante disso, percebe-se que os trabalhadores dos públicos estão a vivenciar condições precárias de trabalho, semelhantes aos trabalhadores do setor privado. São sujeitos que vivem- do-trabalho a vivenciar a precarização do trabalho e da própria vida.

2 O PROCESSO INVESTIGATIVO EM CURSO: CONSTRUINDO CAMINHOS E