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1 EM BUSCA DE DETERMINAÇÕES GERAIS PARA PENSAR O

1.2 O mundo do trabalho na contemporaneidade: reconfigurações

1.2.1 O novo mundo do trabalho

O sistema do capital, ao assumir uma versão financeira e mundializada, impactou de forma decisiva o mundo do trabalho. Em rigor, essa nova configuração capitalista trouxe consigo um largo processo de reestruturação da produção que acarretou grandes transformações para o trabalho e os trabalhadores. De fato, a partir da década de 1970, uma

23 O ex-presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, se por um lado adotou uma forte convergência com os interesses do capital financeiro internacional, através de ajustes fiscais, superávit primário, metas de inflação e câmbio flutuante, para citar os principais exemplos (FILGUEIRAS; GONÇALVES, 2007); por outro promoveu o fortalecimento da soberania nacional, diminuindo processos que vinham com grande força dos governos anteriores como as privatizações e enxugamento do Estado. (AURÉLIO; SADER, 2010).

série de mudanças foi provocada na esfera da produção como forma de atender às novas exigências do capital.

Nesse contexto, houve uma desconcentração e flexibilização do espaço físico produtivo, assim como novas tecnologias foram introduzidas no meio fabril. Em verdade, ocorreu uma retração dos setores produtivos, uma vez que eles já não garantiam a valorização do capital a contento, ao passo em que os investimentos capitalistas eram direcionados para os setores especulativo-financeiros, ocasionando crescimento desse setor (CHESNAIS, 1996).

Segundo Harvey (2010), a reestruturação produtiva fez com que o padrão de produção fordista, que vigorou nos anos gloriosos do capitalismo, transitasse para o modo de produção toyotista. De fato, a produção em massa e em série, o controle dos tempos e movimentos, o trabalho parcelar, a separação entre planejamento e execução do modelo fordista-taylorista foram substituídos por uma produção flexível, orientada pela demanda, com estoque mínimo (sistema kanban), desconcentração produtiva, com a produção designada às pequenas unidades produtivas e emprego do trabalhador polivalente, sendo essas características próprias do modelo toyotista de produção.

Cabe destacar que o processo de reestruturação da esfera da produção, alavancado pelos países de capitalismo avançado, teve rebatimentos específicos nos países de capitalismo periférico. No Brasil, esse processo inicia-se a partir da década de 1990 do século XX, nos governos de Collor e FHC.

De acordo com Alves (2005), na década de 1980, inicia-se uma seletiva e restrita reestruturação produtiva no Brasil, através da introdução do toyotismo em apenas determinados setores da economia, como no caso da área automobilística.

Esse processo só chegou a se expandir para os demais setores do mundo produtivo a partir da década de 1990, através de um largo incremento de novas tecnologias no parque industrial brasileiro.

No Ceará, o processo de reestruturação produtiva teve início com o governo de Tasso, através da modernização do parque industrial cearense (TEIXEIRA, 1999).

Vale salientar que, hodiernamente, mesmo que vigore nos setores produtivos brasileiros o padrão toyotista de produção, ainda é possível encontrar, nos recônditos desse

Brasil grande e diverso, uma forte presença do padrão fordista-taylorista. De fato, presenciam- se, no Brasil, tanto tecnologias de ponta como maquinarias eletromecânicas (ALVES, 2005).

Nesse ínterim de largo processo de reestruturação produtiva, tanto nos países desenvolvidos como nos países de capitalismo periférico, há uma redução considerável do proletariado fabril, manual, estável e especializado que vigorou nos tempos do fordismo, dando lugar ao trabalhador flexível, polivalente, da era informacional, do conhecimento e dos serviços, próprio da era toyotista (ANTUNES, 2005, 2007; ALVES; ANTUNES, 2004; ALVES, 2005, 2009).

Em verdade, as transformações na esfera da produção, provocadas para atender às demandas postas pelo capital financeiro, mundializado e em crise, fizeram com que emergisse

na cena contemporânea – últimas décadas do século XX e limiar do século XXI – o novo

mundo do trabalho e um novo perfil de trabalhador.

De acordo com Antunes (2007) e com Alves e Antunes (2004), observa-se, na era da produção toyotista e do trabalhador polivalente e flexível, um incremento expressivo de mãodeobra feminina, que vem ocupando mais de 40% dos postos de trabalho nos países avançados. Verifica-se uma inclusão criminosa de crianças nos espaços de trabalho, principalmente dos países periféricos, enquanto um número significativo de jovens e idosos é lançado para fora do mercado laboral. Percebe-se, também, a inclusão de negros em trabalhos cada vez mais precários e a sua exclusão de postos de trabalho mais seguros, mais bem remunerados e de maior status.

Há o aumento significativo de trabalhadores domésticos, em decorrência do crescimento de pequenas e médias unidades que passam a produzir para as grandes empresas. Ressalte-se que esses trabalhadores geralmente prestam serviços sem maiores garantias trabalhistas, ficando submetidos aos mais elevados níveis de exploração do trabalho (ANTUNES, 2007; ALVES; ANTUNES, 2004).

Observa-se um grande número de trabalhadores desempregados, que passa a compor as fileiras do exército industrial de reserva24 ou mesmo fica sem perspectivas de

24Marx (2010), no livro I, volume I, de “O Capital”, cuja primeira publicação é do ano de 1867, chamou de

“exército industrial de reserva” a força de trabalho excedente às demandas da produção. Contudo, essa massa de trabalhadores desempregados cumpre uma função para o sistema do capital no sentido de inibir reivindicações e aumentos salariais.

retorno ao mercado formal25 de trabalho. Muitos desses sujeitos começam a buscar sua sobrevivência no mercado informal, crescendo assustadoramente o número de trabalhadores autônomos, domésticos, dentre outras categorias de trabalhadores do setor informal (ANTUNES, 2007; ALVES; ANTUNES, 2004).

Podemos citar ainda o crescimento, embora pouco expressivo, do número de trabalhadores do terceiro setor26. De fato, as organizações não governamentais vêm absorvendo mão de obra, principalmente para as atividades de caráter assistencial (ANTUNES, 2007; ALVES; ANTUNES, 2004).

Nesse cenário, percebe-se uma gama de trabalhadores inserida em variadas atividades laborais dos diversificados setores da sociedade. Para Antunes (2004, p.342), essa diversidade de trabalhadores que se apresenta no cenário contemporâneo é

o desenho compósito, diverso, heterogêneo [...] com clivagens entre os trabalhadores estáveis e precários, homens e mulheres, jovens e idosos, nacionais e imigrantes, brancos e negros, qualificados e desqualificados, ‘incluídos e excluídos’ etc., temos também as estratificações e fragmentações que se acentuam em função do processo crescente de internacionalização do capital.

Em verdade, a classe trabalhadora encontra-se fragmentada, heterogênea e complexa. De um lado, em escala minoritária, tem-se o trabalhador polivalente e multifuncional da era do conhecimento e da informática; de outro, há uma massa de trabalhadores sem qualificação, vivenciando o trabalho precário ou mesmo o desemprego estrutural (ANTUNES, 1997, 2005, 2007).

No Brasil, no limiar do século XXI, presencia-se uma classe trabalhadora dividida da seguinte forma: o “proletariado” estável, composto por metalúrgicos e siderúrgicos, trabalhadores braçais, agentes da administração pública, vendedores e empregados no

25 No Brasil, convencionou-se chamar de trabalho formal aqueles trabalhos com vínculo de carteira assinada, ou

seja, com garantias e benefícios preconizados pela legislação trabalhista, enquanto o trabalho informal diz respeito às atividades laborais sem a mediação da carteira assinada e, com isso, sem acesso aos direitos legalmente garantidos.

26 O terceiro setor refere-se às instituições da sociedade civil com fins públicos e não lucrativos, ou seja, não

pertencem ao âmbito do Estado nem ao setor mercadológico. Geralmente, essas instituições possuem como finalidade o desenvolvimento de atividades comunitárias e de caráter assistencial. É importante destacar que essas instituições surgiram em um contexto de crise do Estado de bem-estar social, nas décadas de 1970 e 1980, e tinham por intuito pressionar o Estado para garantia de direitos sociais. Atualmente, essas instituições vêm buscando substituir o Estado na prestação de serviços sociais, com forte apelo ao trabalho voluntário (FERNANDES, 1994).

comércio e trabalhadores agropecuários, perfazendo um total de 27,6% dos trabalhadores brasileiros; os proletários precarizados, tanto do setor formal como do informal, que perfazem um total de quase 50% dos trabalhadores brasileiros; e o proletariado de “classe média”, composto pelos “proletários de colarinhos-brancos”, ou seja, por trabalhadores de carteira assinada, estatutários, gerentes, pelos que possuem ótima qualificação e até mesmo por aqueles ocupados sem carteira, autônomos e desempregados com curso superior, abrangendo cerca de 8,2% dos trabalhadores brasileiros (ALVES, 2007).

Cabe ressaltar que esse “compósito diverso e heterogêneo de trabalhadores” tem sua unidade estabelecida a partir da condição de exploração da força de trabalho a que esses sujeitos são submetidos na luta pela sobrevivência. Para Antunes (1997, 2005, 2007), essa diversidade de trabalhadores irá compor a classe-que-vive-do-trabalho, conceito que engloba tanto os trabalhadores do mundo da produção como os trabalhadores improdutivos, dando validade contemporânea ao conceito marxiano de classe trabalhadora. Destarte, o referido autor inclui no âmbito da classe trabalhadora todos aqueles que vendem sua força em troca de salário e que são desprovidos dos meios de produção. São eles: o proletariado industrial e rural, os trabalhadores do setor de serviços, os trabalhadores terceirizados, subcontratados, temporários, os trabalhadores autônomos, informais, os trabalhadores das instituições do Estado e os desempregados. Sublinha-se que da classe trabalhadora estão excluídos os que vivem de especulações e de lucros e os gestores do capital (ANTUNES, 1997, 2005, 2007).

De fato, a exploração da força de trabalho é o grande denominador comum da classe-que-vive-do-trabalho. Em tempos de crise estrutural do sistema do capital, essa exploração vem chegando a níveis assustadores. É o que veremos no tópico seguinte.