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1 EM BUSCA DE DETERMINAÇÕES GERAIS PARA PENSAR O

1.4 O (novo) mundo do trabalho no espaço estatal: natureza

Na cena contemporânea – últimas décadas do século XX e início do século XXI –,

surge “o novo e precário mundo do trabalho”, composto por uma ampla gama de trabalhadores, inseridos nos mais diversos setores da produção e da reprodução45 da vida

43As organizações não governamentais (ONGs) dizem respeito àquelas instituições sem fins lucrativos, de

iniciativa e responsabilidade da sociedade civil organizada, que atuam nas mais diversas áreas sociais (saúde, educação, meio ambiente etc) através de programas, projetos e serviços. As ONGs nasceram com o propósito de pressionar o Estado na efetivação dos direitos sociais. Contudo, atualmente, as ONGs, em sua grande maioria, atuam numa tentativa de amenizar os problemas sociais no lugar do Estado, através de programa e projetos, cujo financiamento geralmente vem de governos internacionais, empresas nacionais e internacionais, doações, dentre outros (FERNANDES, 1994).

44Com o crescimento dos problemas sociais na contemporaneidade, passaram a adotar como estratégia de

marketing o discurso da responsabilidade social, promovida através do financiamento de programas e projetos na área social. Esse financiamento é feito com o direcionamento de recursos para organizações não governamentais e/ou por meio de iniciativa própria através de campanhas, projetos e serviços de cunho social (FERNANDES, 1994).

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De acordo com Lessa (2002), o setor produtivo é composto pelas atividades de produção material, realizada através da relação direta entre homem e natureza, como a agricultura e a indústria, enquanto a reprodução da

social. Dentro desse universo, destacamos aqueles que estão inseridos no âmbito estatal e em suas políticas sociais, a compor uma parcela expressiva de trabalhadores, da qual fazem parte os sujeitos desta pesquisa. Neste tópico, trataremos sobre o trabalho no âmbito do Estado, circunscrevendo a sua natureza e o universo de trabalhadores que o compõe.

De saída, é importante dizer que o trabalho no âmbito do Estado cumpre uma função peculiar dentro da sociabilidade do capital, possuindo um caráter improdutivo. Em rigor, no espaço estatal, o trabalho tem por função promover a realização da mais-valia, através de sua distribuição na forma de políticas sociais de saúde, assistência, previdência, dentre outras. Nesse sentido, afirmar que um trabalho é produtivo ou improdutivo não diz respeito a uma avaliação moral, mas define a função social que um determinado trabalho cumpre dentro da objetividade social46 (ALVES, 2008).

Nessa discussão sobre produtividade e improdutividade do trabalho no sistema do capital, Alves (2008) afirma que ela diz respeito apenas ao papel que o trabalho realiza dentro da objetividade social, como produtor ou não produtor de mais-valia, não se relacionando diretamente com a dimensão subjetiva e política do trabalhador. Isso quer dizer que, emborano plano da objetividade social os trabalhadores produtivos sejam mais diretamente explorados pelo capital que os trabalhadores improdutivos, no plano subjetivo ambos estão submetidos às mais diversas expressões de alienação e estranhamento. Nesse sentido, o referido autor comenta que tanto os trabalhadores produtivos como os improdutivos vivenciam a exploração do trabalho pelo capital, a expressar a condição de proletariedade não só daqueles, como costumeiramente se faz no campo do marxismo mais hermético, como destes sujeitos.

Outra manifestação da referida condição de proletariedade, à qual estão submetidos os trabalhadores produtivos e improdutivos, está associada à dimensão do assalariamento (ALVES, 2008). De fato, esses sujeitos trabalhadores vendem sua força de trabalho em troca de um salário, como forma de garantir sobrevivência. Assim, pertencem à

condição de proletariedade “os operários de fábrica ou empregados públicos ou

privados”(trabalhadores de colarinho-branco ou professores ou funcionários públicos) (ALVES, 2008, p. 33).

vida social é promovida pelas atividades do Estado, da política, do direito, ou seja,pelos complexos sociais que visam a reproduzir as relações sociais.

46 Lessa (2002) afirma que a objetividade social em Marx está relacionada à própria materialidade das relações

sociais. Enquanto a materialidade da natureza diz respeito aos seus aspectos físicos, químicos, biológicos, a materialidade social revela-se nos impactos concretos que as relações sociais provocam na vida dos indivíduos.

Contudo, para o referido autor, a tomada de consciência por parte dessa categoria de trabalhadores é ainda mais complicada, uma vez que eles têm suas consciências “‘deslocadas/obnubilidadas’ pela vinculação salarial com instância do anti-valor.”

A condição proletária de trabalhadores ligados às atividades gestadas a partir do fundo público assume uma forma particular, tendo em vista que o operário ou empregado (funcionário público) não se encontram diante de um capitalista privado, mas sim de um gestor do capital social (apesar disso, enquanto houver Estado político, isto é, um ente estranho, há capital, o que implica a efetividade da condição de proletariedade) (ALVES, 2008, p. 33). Delineada a natureza do trabalho no setor público estatal, cumpre circunscrever o universo dos sujeitos trabalhadores desse setor dentro da classe que vive do trabalho.

Numa comparação mundial, verifica-se que o maior número de trabalhadores públicos47 está nos países escandinavos e na França, enquanto no restante dos países europeus, e ainda na Austrália, Canadá, EUA e Nova Zelândia, percebe-se uma quantidade intermediária de trabalhadores nesse setor. Os menores números desses trabalhadores estão na Grécia, Holanda, Japão, México e Turquia. Saliente-se que neste último grupo é que se enquadra o Brasil (PESSOA, 2003). Em relação aos 31 países que compõem a OCDE, a média de trabalhadores nos quadros públicos fica em torno de 22% do número total de empregados.Já no Brasil, esse número cai para 12% (OCDE, 2005 apud IPEA, 2009).

Cumpre destacar que os números mais expressivos de trabalhadores no âmbito do Estado estão nos países onde o Estado de bem-estar social teve presença mais forte.Contudo, esses números vêm caindo desde que esse padrão estatal entrou em crise (MATTOSO, 2002 apud BORGES, 2004). No Brasil, onde o Estado de Bem-estar não foi concretizado, os números de trabalhadores públicos são reduzidos.

Nos países latino-americanos, em 2006, as porcentagens de emprego público em relação ao número total de empregados e à população economicamente ativa são significativamente baixos: Brasil, 11,3%; Panamá, 17,8%; Venezuela, 16,6%; Argentina, 16,2%; Chile, 10,5% (CEPAL, 2006 apud IPEA, 2009). Segundo o IPEA (2009, p. 6), “pode- se afirmar que os dados apontados nessa comparação internacional revelam que a participação

47 Utilizamos o termo “trabalhador público” e “funcionário público” para designar tanto os servidores públicos,

nome dado aos trabalhadores das instituições públicas brasileiras que são regidos por lei específica, como é o caso dos servidores estatutários federais, que têm seus direitos e deveres preconizados na lei 8.112/199047,

do emprego público no Brasil é pequena, tanto se comparada com os países desenvolvidos, como também se comparada a países latinoamericanos”.

De fato, nos governos Collor e FHC, houve uma redução no quadro de pessoal do setor público brasileiro, principalmente nos estados e na União. Em sentido contrário, a esfera municipal ganhou um número significativo de trabalhadores públicos, em decorrência do processo de descentralização político-administrativa, prevista na Carta Magna de 1988 (PESSOA, 2003).

Nesse contexto, se, na década de 1980, os setores públicos eram responsáveis pela absorção da mão de obra de um elevado número de trabalhadores, chegando a empregar 1,6 milhões de pessoas, a partir de 1995 os cortes chegaram a atingir cerca de um milhão de funcionários públicos (POCHMAN, 2006)

Apesar do número reduzido desses sujeitos, o Brasil gasta mais com esse quadro de pessoal do que os demais países da OCDE. Enquanto o Brasil gasta 12% de seu Produto Interno Bruto (PIB), os países-membros da OCDE dispendem 11% de seu PIB para o funcionalismo público (OCDE, 2006 apud IPEA, 2009).

Em relação à ocupação dos trabalhadores públicos brasileiros por ramo de atividades, observa-se que, em 1999, cerca de 86% desses sujeitos estavam na área social (saúde, educação e serviços sociais) e na administração pública (administração do Estado, defesa nacional e segurança pública) (PESSOA, 2003, p. 15-16).

A tendência de redução do funcionalismo público, no Brasil, parece se retrair nos anos 2000, com o governo Lula, embora se saiba que o número de funcionários públicos encontra-se muito aquém do que demandam as instituições públicas brasileiras. De fato, nesse governo, percebe-se um crescimento no número desses trabalhadores, através dos seguintes dados: enquanto entre 1995 e 2002 houve um crescimento de 0,04% ao ano na porcentagem dos trabalhadores públicos, entre 2003 e 2007 o crescimento anual foi de 4,4% (IPEA, 2009).

Já em relação ao número de funcionários por ente federativo, tem-se uma maior proporção desses trabalhadores em âmbito municipal, enquanto o Estado e a Federação ficam com as menores proporções, seguindo a tendência iniciada na década de 1990. De fato, de acordo dados elaborados por Barone (2010), a partir dos dados da MUNIC (2004, 2008) e de IBGE e RAIS (2004, 2008), o setor público federal cresceu 17, 94%; o estadual, 10,98%; enquanto no município houve um crescimento de 26,5%. Nesse contexto, no final de 2008, as

prefeituras de todo o País somavam aproximadamente de 4,840 milhões de trabalhadores dentro de seus quadros funcionais, sendo cerca de 4,17 milhões (94,8%) pertencentes só à administração direta.

De acordo com dados da RAIS elaborados pelo IPEA (2009), a distribuição do funcionalismo público brasileiro em âmbito federal, no ano de 2002, ficava na seguinte proporção: o Executivo representava 77,0%; o Legislativo, 1,6%; o Judiciário, 2,7%; as autarquias, 5,7%; as fundações, 3,1%; e as empresas estatais, 9,8% do total de funcionários públicos. Já em 2007, o Executivo passa a representar 79,2%; o Legislativo, 1,7%; o Judiciário, 2,7%; as autarquias, 5,5%; as fundações, 2,3; e as empresas estatais, 8,4% desses sujeitos.

A partir dos dados acima, percebe-se que somente os órgãos do Executivo aumentaram seu número de funcionários públicos, o que não atingiu os demais órgãos em âmbito federal. A rigor, nas esferas do Legislativo e do Judiciário observa-se certa estagnação nas porcentagens, enquanto há uma queda acentuada de servidores nas fundações e empresas estatais. Vale ressaltar que essa redução no contingente de trabalhadores de fundações e empresas estatais tem como causa principal os intensos processos de privatizações, iniciados nos governos Collor e FHC.

Em relação aos setores privados, observa-se que o crescimento no contingente de trabalhadores do setor público é inferior. Em 2007, o setor público representava apenas 25% do número total de empregados no Brasil.

De acordo com o IPEA (2009, p.8), “a expansão do emprego público nos anos mais recentes (notadamente entre 2003 e 2007) apenas acompanhou o dinamismo da economia e seus efeitos positivos sobre o mercado de trabalho brasileiro”. Saliente-se que o aumento no número de funcionários públicos não foi substantivo o suficiente para recompor os quadros dos setores públicos, percebendo-se ainda nesses espaços grande defasagem de profissionais. Segundo o IPEA (2009),

[...] a recente expansão do número de servidores públicos no Brasil não parece ter sido suficiente para referendar a tese de que esteja ocorrendo, nos anos mais recentes, um “inchaço” no Estado brasileiro, uma vez que a relação calculada indica que o aumento recente do número absoluto de pessoas ocupadas no setor público parece estar sendo suficiente apenas para repor a dimensão relativa do estoque de empregos públicos que havia no Brasil durante os anos 1990.

Nesse ínterim, tem-se, no setor público estatal do Brasil contemporâneo, um funcionalismo público reduzido, aquém das demandas dessas instituições. Em verdade, as reformas do Estado brasileiro, iniciadas nos governos Collor e FHC e que tiveram continuidade no governo Lula, impactaram de forma negativa esse setor. As consequências para o trabalho no âmbito estatal foi a sua precarização, em particular nas políticas sociais. É o que veremos a seguir.