• Nenhum resultado encontrado

2 O PROCESSO INVESTIGATIVO EM CURSO: CONSTRUINDO CAMINHOS E

3.4 Os sentidos e significados do trabalho: Olhares da

3.4.2 Concepções dos sujeitos trabalhadores acerca do trabalho assumido

Humanos da Criança e do Adolescente

Os sentidos que os sujeitos trabalhadores conferem ao seu trabalho no âmbito da civilização do capital circunscrevem a perspectiva ético-política deste trabalho, no sentido de ajustar-se ao padrão dominante ou de buscar contribuir para mudanças e/ou transformações. Em verdade, tais sentidos encarnam posicionamentos dos trabalhadores face às contradições do mundo social contemporâneo, encarnadas em múltiplas dimensões da questão social.

Ao adentrar no universo dos trabalhadores da FUNCI, inseridos nas atividades fins no âmbito da Política Municipal de Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes, em meio às tessituras interdisciplinares do trabalho socialmente necessário, percebemos, como uma marca dominante, a encarnação de uma mística mobilizadora do agir destes profissionais. De fato, no conjunto dos entrevistados, nenhum sujeito revelou um entendimento do seu trabalho como “uma intervenção “meramente” técnico-profissional”.

De fato, esta mística mobilizadora do agir profissional encarna-se em diferentes direções. Para efeito heurístico, sistematizamos três direcionamentos: trabalho como missão político-profissional, trabalho como militância político-ideológica e trabalho como missão espiritual-religiosa76. Em verdade, o primeiro direcionamento diz respeito a uma maneira de conceber o trabalho que vincula projeto profissional a um projeto societário, indo além de uma perspectiva corporativista da profissão. Já o segundo direcionamento refere-se a uma acepção sobre o trabalho vinculada a uma perspectiva de militância político-ideológica, o que faz com que o profissional, pautado neste tipo de acepção, atue no âmbito profissional com

76 Na construção do instrumental de análise de conteúdo, a partir das inspirações teóricas e das possibilidades e

potencial do material empírico, definimos como tema de estudo “Concepção de Trabalho profissional no exercício de Política Pública”. Neste sentido, especificamos quatro alternativas sistematizando as concepções que esses sujeitos possuem sobre o próprio trabalho em quatro temas, quais sejam: o trabalho como missão político-profissional; o trabalho como militância político-ideológica; o trabalho como missão espiritual- religiosa e o trabalho como “mera” técnica profissional, burocrática. Estes temas estão expressos no capítulo metodológico desta dissertação.

práticas próprias dos movimentos sociais; enquanto que no terceiro direcionamento tem-se uma atividade profissional vinculada à filosofia espiritualista e religiosa.

No exercício hermenêutico dos discursos dos sujeitos, constatamos uma hibridização entre estes três direcionamentos desta mística que mobiliza os profissionais no seu atuar neste campo dos direitos da criança e do adolescente. Determinadas falas são emblemáticas de tal articulação:

Esse trabalho é pra garantir dignidade humana, justiça, direitos sociais [...] Eu sempre lutei na causa da infância e da juventude, fiz militância política mesmo [...] Já fui de pastoral do menor, fui voluntário [...] E eu sou espírita, acredito na evolução humana [...] Isso aqui nos ajuda nessa missão. Entrevistado f

Eu acredito que a gente tá promovendo direitos sociais, tá militando pela causa da infância e da juventude de Fortaleza [...] É uma militância, só que dentro do Estado. Entrevistado n

Olha a gente milita pela causa, constrói um mundo melhor aqui e depois que a gente morre tem um lugarzim melhor também... Entrevistado h

A gente promove direitos e promove evolução espiritual das pessoas e de nós mesmos... Entrevistado e

Em meio à hibridização e articulação, procuramos configurar posicionamentos a partir da tendência dominante nos discursos de cada sujeito entrevistado, verificando uma predominância entre as acepções do trabalho como missão político-profissional e como militância político-ideológica.

De fato, para 40% dos entrevistados, o trabalho configura-se como uma missão político-profissional de garantia de direitos sociais. A rigor, esses sujeitos acreditam que, inseridos em uma instituição que fomenta a Política de Direitos Humanos para Infância e Adolescência no município de Fortaleza, seu fazer profissional tem o papel de promover acesso a justiça e igualdade em busca de garantir direitos sociais ao público atendido. As falas a seguir são emblemáticas nesse sentido:

Aqui a gente fomenta a política pública [...] E como a missão da política pública é viabilizar direitos, nós, enquanto operacionalizadores dessa política, viabilizamos direitos para o público que a gente atende... Entrevistado o

Esse trabalho que a gente desenvolve é fundamental pra vida em sociedade, pra promover direitos humanos, justiça social pra uma população tão desprovida de direitos. Entrevistado P

Acredito que era um trabalho de fundamental importância, principalmente para o desenvolvimento da política de atenção a infância e adolescência, pra garantia de seus direitos. A maioria das pessoas com quem trabalhei acreditavam realmente nisso, realizavam o trabalho com seriedade e dedicação e isso era o principal. Entrevistado n

Esse trabalho aqui é muito de promover direitos, igualdade num país tão desigual e injusto! Entrevistado k

Vale salientar que esta maneira de conceber o trabalho na FUNCI vincula-se à própria perspectiva de reconhecimento de direitos sociais, consubstanciados na Constituição Federal de 1988, a chamada Constituição Cidadã. Em verdade, esta Constituição, no interior dos processos de democratização no Brasil Contemporâneo, constitui um marco na construção do sistema de proteção social brasileiro, permeando as formulações de Políticas Públicas no enfrentamento das configurações da questão Social no país, formuladas, então, como dever do Estado e Direito do Cidadão. No contexto de Fortaleza, essa perspectiva ganha relevo, quando a gestão petista assume o poder, em janeiro de 2005, e constrói um o discurso da promoção dos direitos e das garantias sociais, rompendo com a perspectiva assistencialista que vigorava até então, pelo menos nos discursos.

Para outros 40% dos entrevistados, o significado do trabalho está associado à militância político-ideológica. A rigor, esses profissionais concebem o próprio trabalho como um fazer militante em prol de “um mundo melhor”, de “uma sociedade mais justa e igual”, em favor dos “oprimidos de Fortaleza”. Em verdade, a atividade laboral, para esses entrevistados, é uma extensão das próprias atividades que realizavam ou realizam nos movimentos sociais. É o que revelam os depoimentos abaixo:

Sempre militei na área social, principalmente, junto ao segmento GLBTT, movimentos de cultura, infância e juventude, junto às classes oprimidas. Agora, é uma continuidade [...] No tempo livre milito nos movimentos sociais [...] Luto por um mundo melhor. Entrevistado N

Eu faço esse trabalho por amor à causa da infância e juventude [...] Quero um mundo melhor pra eles, meu trabalho é de militância [...] Como parte da luta por uma sociedade justa, livre e igual. Entrevistado G

Agora somos pagos pra militar por uma sociedade mais justa, por um mundo melhor [...] Antes, fazíamos isso voluntariamente [...] Ainda milito no movimento de mulheres. Entrevistado E

Eu faço isso aqui por militância mesmo [...] Se fosse só o fazer pelo fazer, não valeria a pena, não. Entrevistado F

Eu já trabalhei em outros cantos da prefeitura e só aqui vi ter esse apelo pra gente trabalhar como se tivesse nos movimentos. Entrevistado J

Esta concepção é a outra perspectiva, valorizada e difundida pela própria instituição, no contexto de uma gestão municipal petista77. De fato, com o assumir da nova gestão, a FUNCI passou a incluir nos seus quadros aqueles profissionais vinculados aos movimentos sociais de esquerda. Nesse sentido, desde a seleção, a FUNCI prioriza contratar trabalhadores que têm experiência em movimentos sociais e que possuem um discurso militante. Em verdade, esta instituição parece apropriar-se desta mística militante para viabilizar o trabalho no contexto de precarização das condições objetivas do agir profissional. De fato, ao conceber o trabalho como um fazer militante, o profissional utiliza-se de um modus operandi muito similar ao dos movimentos sociais, qual seja: mobiliza suas energias utópicas para que o sonho se concretize. Sob esta perspectiva, o trabalhador da FUNCI busca viabilizar os meios materiais e subjetivos necessários para a construção de mundo melhor para crianças, adolescentes e suas famílias.

Já a concepção do trabalho como missão espiritual-religiosa aparece em um segmento menor de entrevistados, cerca de 20%. Para esses sujeitos, o trabalho configura-se como uma atividade de desenvolvimento espiritual em busca de garantir melhorias nesta e na “outra vida”. É o que podemos ver nas falas a seguir:

Olha! Esse trabalho é uma missão espiritual. Eu sou do Candomblé e acredito nisso! Entrevistado m

Com esse trabalho eu ajudo na evolução espiritual minha e da humanidade [...] Contribui para uma vida melhor no outro plano também. Entrevistado f

Esse trabalho é o exercício da própria espiritualidade, porque quando você se preocupa só com você e as outras coisas em volta ficam o caos, você não consegue, eu não conseguiria ser feliz. Tem que mudar esse caos e quando você transforma esse caos dentro de você e de dentro de você tem que levar pra fora. Essa é razão pra levar isso pra fora, pra quem tá em torno de mim. Entrevistado H

77 O Partido dos Trabalhadores (PT) surge, no Brasil da década de 80 do século XX, fortemente vinculado ao

movimento dos trabalhadores e às lutas pela democracia no país, tendo como líder emblemático o ex-líder sindical Luiz Inácio Lula da Silva. De fato, esse partido nasce a partir dos movimentos de esquerda no país, formando um modus operandi pautado em lutas por liberdade e justiça social. Cabe destacar que, desde que o PT vem assumindo as instâncias de governamentais, tem sido construído um discurso institucional em prol da justiça social no país, a romper, em partes, com o discurso elitista dos governos anteriores, de Collor e FHC. Contudo, o PT tem perdido muito dessa perspectiva política, adotando uma linha de menor resistência em nome da governabilidade.

Nesse ínterim, observamos que a mística mobilizadora, consubstanciada nos três direcionamentos, ora apresentados, proporciona identificações do trabalhador com o seu trabalho, ao passo em que provoca a sua submissão à precarização laboral. Sobre os processos de identificações e estranhamentos na relação do trabalhador com o seu próprio trabalho, trataremos no tópico a seguir.

3.4.3 Impactos do trabalho na vida dos trabalhadores e suas expressões nos processos