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A preocupação última como critério do encontro das religiões

2 O PLURALISMO RELIGIOSO COMO PARADIGMA NA HERMENÊUTICA TEOLÓGICA DA REVELAÇÃO

2.6 O FUTURO DO ECUMENISMO INTER-RELIGIOSO

2.6.3 A preocupação última como critério do encontro das religiões

Em seu engajamento no diálogo ecumênico e inter-religioso para a busca da unidade na diversidade, a teologia católica não pode prescindir de uma norma cristológica inerente ao seu método científico-hermenêutico. Além disso, pode, por exemplo, optar por apelar para um critério ecumênico comum às outras religiões, situado no nível da ética: o humano autêntico, que são aquelas convicções fundamentais reconhecidas e compartilhadas pela consciência humana universal. Nesse sentido, as religiões que contêm aspectos inumanos, estão condenadas a desaparecer ou a se transformar. Tillich vai um pouco além, e propõe um critério ecumênico ao nível da antropologia religiosa e da filosofia da religião, o critério da

preocupação última, convergindo com Mircea Eliade na afirmação do homo religiosus

expresso na infinda diversidade das formas religiosas. Hick vai partir para um viés mais psicológico, quando afirma que as religiões em geral são caracterizadas por certa descentralização de si em benefício de uma Realidade última.441 As religiões assim

consideradas, seriam meios de humanização e divinização, que ativariam a empatia e a alteridade, e poderiam se unir na tarefa de conjugar a diversidade das culturas em prol do bem da humanidade e do planeta.

De acordo com a visão de Tillich, podemos distinguir uma “fé fundamental” e um conjunto de crenças (beliefs) relativas às verdades particulares, ou a regras de vida. A Realidade última pode ser o Deus pessoal da tradição bíblica, o transcendente absoluto do hinduísmo, a força oculta das coisas (Brahman) que coincide com a força oculta em mim (Atman), ou até o “Vazio” (Nothingness) no budismo. É na ordem da “fé fundamental” que as diferentes religiões se assemelham, e é segundo suas “crenças” que elas se distinguem e até se defrontam em virtude dos desacordos fundamentais.442

Para Tillich, o cerne da religião está no fenômeno do sagrado tido como a referência

440 GEFFRÉ, Claude. op. cit., p. 107.

441 Podemos conferir a posição de John Hick no seu livro: HICK, John. An interpretation of religion: human

responses to the transcendent. New Haven: Yale University Press, 1989.

última e como o critério comum a toda e qualquer religião. O sentido do sagrado perpassa a generalidade das experiências religiosas das pessoas, e deve ser essa a baliza que orienta a inserção na compreensão global e irredutível do homo religiosus. Tillich elabora um princípio

protestante da religião contra a própria religião em favor de Deus ou da Realidade última,

com o intuito de preservar o conteúdo sagrado da experiência religiosa, prescindindo das mais variadas tipologias elaboradas na história das religiões443, para buscar a genuinidade da sua

essência desinstitucionalizada.

Em nome do sagrado, é preciso lutar contra dois grandes perigos que assolam as religiões: a demonização como a perversão da dimensão sacramental, ocasionando na perda da exigência ética, e a profanação como a negligência da sacramentalidade e da mística inerentes à religião em geral.444 A demonização degrada a religião na pura moralidade, e a

profanação a seculariza completamente. Tillich vai dar o exemplo da crescente secularização das Igrejas protestantes americanas de seu tempo que perderam a sua base sacramental, tornando-se clubes de moralidade445, assim como das pseudo-sacralizações da tradição

católica. “É a experiência do sagrado, portanto, como experiência da preocupação última, que é o ponto de convergência de todas as religiões e que nos fornece um critério comum para o diálogo inter-religioso.”446 Cada religião precisa agir com discernimento diante da norma

crítica do princípio protestante para superar a tentação do fechamento e da absolutização e permanecer aberta ao diálogo. Além disso, o princípio protestante ajuda a superar as demoníacas ideologias seculares modernas que solapam o sentimento religioso das pessoas.

Todo o empreendimento teológico de Tillich, em correlação com a situação histórica de sua época, permanece sob o signo da dialética do religioso e do secular. Como atesta a história das religiões, o religioso se torna heteronômico e, portanto, fonte de alienação, quando torna absolutos os símbolos, os ritos e ideias que são apenas mediações em relação ao último. Mas, por sua vez, como o mostra a história da cultura moderna, o secular pode se tornar simplesmente autônomo e, portanto, profano quando evacua a presença do Espírito.447

Para Tillich, a teonomia ajuda a equilibrar a presença do Espírito em uma cultura preservando a sua autonomia. A cultura prescinde de toda alienação, encontrando o seu pleno

443 Estudando o significado da história das religiões, Tillich elabora uma tipologia das religiões baseada na

predominância de um desses três elementos distintivos: a dimensão sacramental, a aspiração mística e a exigência ética. Podemos ver essa pesquisa no seu livro The future of religions. New York: Harper and Row, 1966. Sabemos que toda classificação tipológica é um tanto falaciosa, pois podemos encontrar nas chamadas religiões proféticas monoteístas aspectos místicos, assim como as religiões místicas orientais não prescindem de muitos elementos éticos. No entanto, a religião que harmonizasse sinteticamente esses elementos seria para Tillich uma espécie de The Religion of the Concrete Spirit. No entanto, Tillich afirma que nenhuma religião histórica se identifica com essa idealização metafísica, nem mesmo o cristianismo enquanto religião. (Cf. TILLICH, Paul. The future of religions, p. 89 apud GEFFRÉ, Claude. op. cit., p. 113).

444 Cf. GEFFRÉ, Claude. op. cit., p. 113.

445 Cf. TILLICH, Paul. op. cit., p. 87 apud GEFFRÉ, Claude. loc. cit. 446 GEFFRÉ, Claude. op. cit., p. 113.

desenvolvimento e realização na ordem ontológica, estética e ética, quando preserva o sentido do último e da transcendência. O princípio protestante de Tillich ajuda a distinguir sem contrapor a imanência da cultura e a transcendência da religião, além de favorecer apontamentos que expressem a plenitude do mistério cristão pela conciliação de duas classes de registros, presentes na história das religiões, na ordem da proclamação, pela ênfase profética, histórica e ética, e na ordem da participação, pela ênfase mística, metafísica e estética, ambas em tensão dialética. Para superar a indiferença e a incompreensão entre as religiões e as culturas, o ecumenismo inter-religioso precisa favorecer uma melhor compreensão da identidade cristã.

2.7 O PARADOXO CRISTOLÓGICO COMO HERMENÊUTICA DO DIÁLOGO INTER-