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Pluralismo religioso a partir de um inclusivismo cristológico relacional

2 O PLURALISMO RELIGIOSO COMO PARADIGMA NA HERMENÊUTICA TEOLÓGICA DA REVELAÇÃO

2.7 O PARADOXO CRISTOLÓGICO COMO HERMENÊUTICA DO DIÁLOGO INTER RELIGIOSO

2.7.1 Pluralismo religioso a partir de um inclusivismo cristológico relacional

Segundo Geffré, cabe a uma teologia das religiões “reinterpretar a unicidade da mediação de Cristo, reconhecendo, ao mesmo tempo, o valor positivo das outras religiões.”452

O cristianismo acredita em Jesus Cristo como a plenitude da verdade sobre o mistério de Deus e o mediador por excelência entre Deus e os homens. É preciso conciliar essa fé com um juízo positivo a respeito das outras tradições religiosas como mediações válidas e reais do mistério de Deus, o qual extrapola os meios humanos em sua limitação imanente453. A consciência

450 Id. loc. cit. 451 Id. Ibid., p. 119. 452 Id. Ibid., p. 124.

453 “O cristianismo não exclui necessariamente outras religiões portadoras de experiências religiosas que

identificam de outro modo a Realidade última do universo. [...] Assim como não há uma total adequação entre o livro da Bíblia, a Escritura, e a palavra ausente de Deus, muito menos haverá adequação perfeita entre a

dessa realidade ajuda a superar a antiga teologia da salvação dos infiéis, para adotar uma teologia do pluralismo religioso, “na qual nos interrogamos sobre a significação da diversidade das várias tradições religiosas no desígnio de Deus.”454 Na visão de Dupuis, no

seu livro Rumo a uma teologia cristã do pluralismo religioso455, uma teologia hermenêutica,

levando em consideração os dados emergentes da experiência histórica, consegue perceber na história da humanidade um grande testemunho “da pluralidade dos dons de Deus em busca do homem.”456 Segundo Dupuis, a história humana já pode ser concebida como uma história da

salvação muito antes da vinda de Cristo a esse mundo.

Para Geffré, é à luz do paradigma do pluralismo religioso que o mistério central da fé cristã deve ser reinterpretado, superando a atitude eclesiocêntrica, segundo a qual fora da Igreja não há salvação. A partir de um inclusivismo cristológico, uma teologia cristã das religiões é capaz de adotar um teocentrismo mais radical, de modo semelhante ao que pensa Hick em seu livro Deus tem muitos nomes457, cuja “revolução copernicana”458 nas ciências das

religiões consiste em olhar para as religiões do mundo como astros que orbitam em torno do sol, o qual é a Realidade última do universo, quer se denomine Deus ou não. De modo similar pensa Haight, o qual concebe Jesus como um símbolo da mediação perfeita entre a imanência e a transcendência. Em Jesus, símbolo de Deus, Haight afirma que Jesus “é a norma da verdade religiosa sobre Deus, o homem e o mundo, mas ele não é a causa exclusiva da salvação, pois é preciso dar lugar a outras mediações.”459 Segundo Haight, só Deus salva,

havendo outras mediações salvíficas para além da pessoa de Jesus, pois em seu ponto de vista “repugna considerar Jesus Cristo como a causa exclusiva e constitutiva da salvação de todos humanidade particular de Jesus de Nazaré e a plenitude inexprimível do mistério de Cristo. Com Raymond Panikkar, estou pronto a reconhecer que há mais no Verbo do que na humanidade de Jesus de Nazaré.” (Id. Crer

e interpretar, p. 165).

454 Id. De Babel à Pentecostes, p. 124.

455 DUPUIS, Jacques. Rumo a uma teologia cristã do pluralismo religioso. Trad. Márcia de Almeida; Euclides

Martins Balancin. São Paulo: Paulinas, 1999. Em francês: Id. Vers une théologie du pluralisme religieux. Paris: Cerf, 1997. Em inglês: Id. Toward a christian theology of religious pluralism. Maryknoll: Orbis Books, 1997. Em outubro de 1988, esse livro foi objeto de exame pela Congregação para a Doutrina da Fé, suscitando muitas resenhas. Em The theology of religions revisited, Louvain Studies, 24 (1999), p. 211-263, Dupuis responde a grande parte dessas resenhas críticas.

456 GEFFRÉ, Claude. op. cit., p. 125.

457 HICK, John. God has many names. Philadelphia: Westminster, 1980.

458 “Hick considera que o exclusivismo é, do ponto de vista teológico, uma concepção ‘ptolomaica’,

‘geocêntrica’, ou seja, um modelo que coloca a Igreja ou o cristianismo no centro e todas as religiões girando ao redor desse centro. Já o pluralismo religioso é teologicamente ‘copernicano’, ‘heliocêntrico’μ um modelo com Deus no centro e o cristianismo girando em torno de Deus, como um planeta a mais. Hick clama a necessidade de adequar nosso pensamento teológico à realidade teocêntrica, mediante uma revolução copernicana. É preciso, diz, construir um novo mapa em cujo centro esteja Deus, não o cristianismo; este girará, junto com as outras religiões, em torno de Deus. É preciso, pois, passar do eclesiocentrismo, e mesmo do cristocentrismo, ao teocentrismo.” (VIGIL, José Maria. Teologia do pluralismo religioso, p. 86).

os homens.”460 Seguindo essa lógica, Jesus seria mediador e norma de salvação apenas para os

cristãos, “mas é a ação de Deus como único Salvador que opera em todas as outras tradições religiosas.”461 Apesar de não ser tão radical quanto Hick e Haight, Geffré toma para si muitas

dessas intuições como fonte de inspiração teológica.

Emergente no seio da pós-modernidade, época que consagra o advento da consciência histórica e o fim da metafísica, a teologia do pluralismo religioso inclusivista e relacional, insiste menos em uma cristologia do alto, do Logos consubstancial ao Pai, predominantemente ontológica e abstrata, para desenvolver uma cristologia mais pneumática, a qual sublinha a consubstancialidade de Jesus com a humanidade, sem criar uma dualidade de exclusão com a questão ontológica, apenas acentuando prioritariamente a questão histórico-existencial da fé cristã como plataforma dialógica no encontro com as diferentes tradições religiosas do mundo. Dupuis acreditou ser possível nutrir um inclusivismo cristológico constitutivo legitimador de um pluralismo inclusivo e relacional, o que não leva necessariamente a um cristomonismo, sendo antes, “um convite para superar uma falsa oposição entre cristocentrismo e teocentrismo. É sempre Deus que salva. [...] É na qualidade de Filho bem-amado de Deus Pai que Jesus é o único mediador entre Deus e os homens”462,

segundo nos narra o Novo Testamento, o qual testemunha que Jesus reivindicou para si uma presença divina peculiar. Para Geffré, as diversas mediações salvíficas não devem ser compreendidas como paralelas ou complementares à mediação de Cristo, mas como obtendo o seu sentido e valor desta.

Mesmo que não prescinda de Cristo como causalidade soteriológica universal, Geffré busca “levar a sério o valor intrínseco das outras religiões como misteriosas vias de salvação.”463 Na dinâmica dialógica inter-religiosa, é preciso reinterpretar a unicidade da

mediação crística e da religião histórica cristã, percebendo a ação do Verbo e do Espírito na história humana, enquanto transcendência que transita e interage com a imanência. No entanto, a partir da ênfase no paradoxo cristológico, Geffré se preocupa em manifestar a universalidade do mistério de Cristo como um acontecimento histórico, o qual deve prescindir de toda pretensão absolutista e exclusivista a que possa pretender o cristianismo enquanto fenômeno particular e parcial do mistério inefável.

460 Id. loc. cit. 461 Id. Ibid., p. 127. 462 Id. Ibid., p. 128. 463 Id. Ibid., p. 129.