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11. Prescrição – Implicações no Pagamento da Retribuição

11.4. A Prescrição dos Juros

O principal crédito emergente do contrato de trabalho corresponde à retribuição, que por sua vez é um dos elementos essenciais do mesmo237, e que configura o principal tema em

análise.

O conceito de retribuição vem consagrado no art. 258.º CT, complementado pelos esclarecimentos prestados pelos arts. 259.º e 260.º do mesmo diploma legal, nos termos expostos nos capítulos precedentes no presente estudo.

Ora, o art. 337.º do CT, na sua atual redação, reporta-se ao “crédito […] de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação”. Ora, perante o incumprimento contratual, por parte do empregador, decorrente da falta de pagamento da sua principal obrigação – retribuição – estamos perante um crédito do trabalhador que deriva do contrato de trabalho ao qual, portanto, se aplica o regime prescricional consagrado pelo art. 337.º.

Não raras são as vezes em que o trabalhador por via judicial vem demandar o empregador para o pagamento de juros desde a data de vencimento das prestações retributivas.

Destarte, cumpre fazer um comentário ao regime jurídico da obrigação de juros, previsto no CCivil.

Com efeito, o art. 561.º do referido diploma legal consagra a “autonomia do crédito de juros”, e retira-se do citado normativo que “o crédito de juros não fica necessariamente dependente do crédito principal”. Nestes termos, é fixado o prazo de cinco anos para a prescrição dos créditos decorrentes dos juros, determinando assim um afastamento claro em relação ao regime aplicável à obrigação principal.

Salvo melhor parecer, sempre se poderá afirmar que o crédito de juros não decorre objetivamente do regime laboral, ou seja não decorrem do contrato de trabalho, da sua violação ou cessação, mas antes das regras consagradas no Direito Civil.

Saliente-se que os créditos de juros têm um regime jurídico fixado por lei que consagra o princípio da autonomia dos mesmos (Cf. art. 561.º e 310.º d), ambos do CCivil) em relação à obrigação capital. No caso em concreto, os juros devidos por mora no pagamento da obrigação

retributiva devem seguir o seu regime próprio e não o regime previsto no CT para a prescrição dos créditos laborais, ou seja, é de qualificar os juros como civis e não de natureza laboral.

Outrossim, tendo em conta aquele princípio previsto no art. 310.º do CCivil, os juros dos créditos laborais devem obedecer-lhe e, por isso, entende-se que os mesmos prescrevem ao fim de cinco anos.

Ou seja, não é defensável que a obrigação dos juros assuma a natureza laboral apenas porque a obrigação principal reveste essa natureza, e assim não nos parece razoável que se lhes seja aplicável o mesmo regime, tanto mais que o regime da prescrição dos créditos laborais é um regime especial. Isto é, o regime jurídico da prescrição dos créditos laborais é um regime excecional e não refere os juros, e nem mesmo pela interpretação da norma se alcança uma sustentação mínima em sentido contrário (art. 9.°, n.º 2 do CCivil), pelo que nos parece inequívoco que o regime consagrado pelo art. 337.º do CT não abrange os juros no seu âmbito.

Nesta senda, o Tribunal da Relação de Coimbra238 entende que “atenta a sua autonomia

em relação ao capital, aos juros dos créditos laborais, como aos que decorrem de qualquer outro tipo contratual, é aplicável o prazo de prescrição previsto no artigo 310.º, alínea d) do Código Civil, norma específica que abrange expressamente no seu âmbito aplicativo todos e quaisquer juros”.

Com entendimento semelhante, ROMANO MARTINEZ239 diz que “não faria sentido que,

concedendo-se uma situação de benefício ao credor, se lhe permitisse ainda «ganhar» com o valor de prestações acessórias, mormente a dívida de juros”. Este autor reitera dizendo que a especial tutela da prescrição consagrada para os créditos emergentes do contrato de trabalho, sua violação ou cessação, prevista no CT pelo art. 337.º, não se aplica à obrigação acessória de juros, que é autónoma da dívida capital, sendo que aceita a aplicação normativa em sentido oposto seria estar a “permitir que o credor beneficiasse de um venire contra factum proprium: não reclama o pagamento da dívida durante um período longo porque a prescrição não corre e vem depois exigir o pagamento de juros durante esse longo período”.

Tendo em conta os ditames da boa fé da previsibilidade, segurança e certeza jurídica, não parece que o legislador tenha consagrado um regime prescricional, no âmbito dos créditos

238 Cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 2 de março de 2011, Processo n.º 1191/09.0TTCBR.C1, disponível no website

www.dgsi.pt.

laborais, mormente da retribuição, que visasse incluir os juros nos sucessivos preceitos da prescrição dos créditos laborais, sendo certo que configura uma insensatez jurídica que um trabalhador após vinte e trinta anos, sobre o vencimento de um crédito que não lhe foi pago atempadamente, possa vir reclamar juros desde o vencimento, o que resultava num descomunal prejuízo para o empregador.

Paralelamente o art. 337.º do CT fixa, no seu n.º 1, um regime que se refere a circunstâncias derivadas do contrato de trabalho, sua violação ou cessação. Por outro lado, relevam para a aplicação do seu n.º 2 créditos equiparados à violação do direito a férias, indemnização por sanção abusiva ou pagamento de trabalhão suplementar. Diante disto, parece não estar incluído na letra da lei qualquer referência aos juros.

Através desta solução, alcança-se a pretendida simetria na relação laboral, pois por um lado o prazo de cinco anos em que assenta o art. 310.º d) do CCivil é francamente mais vantajoso para o trabalhador do que o curto prazo de um ano previsto na disciplina laboral; por outro lado, para o empregador este regime é também mais profícuo visto que o prazo passa a contar desde os juros possam ser exigidos.

Convém ainda, quanto à data do vencimento dos juros respeitante às prestações retributivas debatidas, nomeadamente se uma dada prestação deve ou não ser integrada no valor devido ao trabalhador a título de retribuição de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, esclarecer quando os mesmos se vencem.

Resulta do art. 806.º, n.º 1 do CCivil que na obrigação pecuniária vencem juros a contar do dia da constituição em mora. O momento da constituição em mora, vem previsto no art. 805.º do mesmo diploma legal. De acordo com o art. 805.º do CCivil, o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir e, nos termos do n.º 3 do referido preceito, sendo o crédito ilíquido não há mora enquanto este não se tornar líquido.

No entanto, o art. 323.º do CT consagra uma regra especial no que concerne à falta de cumprimento das prestações pecuniárias, não bastando, na moral laboral, o não pagamento, sendo também necessário um juízo de culpa.

Não obstante ser consagrado um prazo certo para o pagamento da retribuição de férias, subsídio de férias e de Natal, se a questão quanto à natureza das prestações patrimoniais prestadas ao longo da relação laboral for controvertida na medida de saber se as mesmas integram ou não o conceito de retribuição não se pode considerar a quantia liquidada no momento do pagamento do seu pagamento.

Pelo que não se mostra razoável exigir do devedor o cumprimento de uma prestação da qual ele não saiba o montante e o objeto exato da prestação que lhe cumpre realizar – in illiquidis non fit mora.

Apenas pela avaliação casuística é que se pode afirmar, com clareza, se e quais são as prestações que o trabalhador aufere ao longo do contrato com o empregador que se podem considerar retribuição para efeito de pagamento da retribuição de férias, subsídio de férias e de Natal. Assim, o trabalhador só pode demandar o empregador para o pagamento de juros caso se verifique que este último não cumpriu a sua prestação no que concerne à inclusão de determinados montantes no pagamento de retribuição de férias, subsídio de férias e de Natal, quando lhe era possível fazê-lo no tempo devido.

Razão pela qual se entende que não havendo culpa do devedor, não é possível imputar ao empregador a mora geradora de condenação em juros, sendo que estes são devidos tão só a partir do momento do dia da constituição em mora, nos termos do art. 806.º do CCivil.

Em sentido diverso, o Tribunal da Relação do Porto240 entende que “os juros de mora

relativos a créditos laborais encontram-se submetidos ao regime da prescrição constante do artigo 38.º, n.º1 da LCT, 381.º, nº 1 do CT de 2003 e 337.º, nº 1 do CT de 2009, que estabelecem um regime especial e, nessa medida, constituem um desvio ao regime geral estabelecido no artigo 310.º, al. d) do Código Civil”. Com o mesmo entendimento pronunciou-se a Relação de Lisboa241, entendendo que “(…) na formulação ampla da norma cabem os juros de

mora, sendo essa a interpretação que melhor corresponde às exigências do art.º 9.º do CC, quer por atender ao pensamento legislativo quer por ser a mais coerente com a unidade do sistema jurídico (n.º1), sem que se lhe possa apontar (como defende o entendimento contrário), que não tenha na lei correspondência verbal (n.º 2), dado que essa abrangência é intencional”.

240 Cf. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 18 de dezembro de 2013, Processo n.º 1260/12.0TTPRT-A.P1, disponível no website

www.dgsi.pt.

241 Cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 21 de maio de 2014, Processo n.º 1195/13.9TTLSB.L1-4, disponível no website www.dgsi.pt.

Para MENEZES CORDEIRO242 o prazo de prescrição previsto no art. 337.º do CT é

igualmente aplicável aos juros moratórios relativos aos créditos laborais, deixando de estar sujeitos às regras gerais do CCivil243.

A mesma orientação é perfilhada por MILENA SILVA ROUXINOL244. A autora explica que a

decisão de demandar o empregador para o cumprimento das obrigações em falta é sempre condicionada pelo “típico constrangimento psicológico do trabalhador ante a entidade empregadora”. E, por outro lado, rejeita igualmente o argumento de que “encontrando-se o trabalhador protegido pelas normas e princípios laborais, mormente o da segurança no emprego, pode ignorar-se qualquer inibição para o exercício dos direitos que lhe assistem”. Assim, entende que “a decisão de reagir contra a entidade empregadora só se afigura, para o trabalhador, como pensável a partir do momento em que a relação se quebra”, e reitera que se aplique o mesmo regime aos juros.

242 Cordeiro, Menezes in “Manual...”, pág. 380.

243 No mesmo sentido Gomes, Júlio in “Direito...”, pág. 905.

244 Rouxinol, Milena Silva in “O regime da prescrição dos Juros Laborais – Comentário ao Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 2 de