• Nenhum resultado encontrado

De acordo com o art. 342.º, n.º 1 do CCivil, aquele que invoca um direito tem o ónus de fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado. Esta é a norma civil geral no que concerne ao ónus da prova. E se se aplicasse esta norma ao regime laboral, em matéria de retribuição, sempre que o trabalhador alegasse que determinada prestação que lhe foi atribuída pelo empregador, ser uma prestação retributiva teria de provar que auferiu ou tinha direito a receber certas prestações do empregador e que as mesmas integravam o conceito de retribuição, por cumprirem os elementos constitutivos da retribuição.

No entanto, o legislador laboral, ciente da dificuldade agravada de tal prova pelo trabalhador, estabeleceu no n.º 3 do art. 258.º do CT em matéria de retribuição, uma presunção, geralmente em benefício do trabalhador, de que se presume retribuição “toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador”. Como referimos supra aquando das considerações feitas acerca da referida presunção, esta é uma presunção iuris tantum, ou seja, ilidível.

Ora, nos termos do art. 350.º, n.º1 do CCivil, “quem tem a seu favor esta presunção escusa de provar o facto a que ela conduz” o que significa que, a existência da presunção do art. 258.º, n.º 3 do CT leva a uma inversão do ónus da prova201. Assim, muito embora os

pressupostos da retribuição constituírem factos constitutivos para a alegação e invocação do direito do trabalhador, e nos termos gerais do direito civil, o trabalhador dever provar a existência dos mesmos, este beneficia da presunção consagrada no CT, invertendo assim o ónus da prova, e fazendo com que seja o empregador que tenha o encargo de demonstrar a existência dos elementos integrantes do conceito de retribuição, ou seja, o caráter regular e periódico e a correspetividade da prestação.

Na verdade, não basta ao trabalhador alegar a presunção, o mesmo tem de demonstrar que recebeu as invocadas prestações pecuniárias, não tendo no entanto de provar que as mesmas são contrapartida do seu trabalho.

A dificuldade relativa a este regime é a conciliação da presunção do art. 258.º, n.º 3 do CT com as exclusões legais previstas no art. 260.º, n.º 1 do mesmo diploma legal. Como vimos,

incumbe ao empregador, nos termos dos arts. 344.º, n.º 1 e 350.º, n.º 1 do CCivil, provar que as prestações atribuídas ao trabalhador revestem a natureza de ajudas de custo, ou abono de viagem (etc.), que têm causa individualizada e específica, aproveitando assim a consagração prevista no art. 260.º, n.º 1 do CT, ilidindo dessa forma a presunção de existência de uma prestação retributiva, muito embora este entendimento seja discutido no seio da jurisprudência nacional.

Por um lado, o Supremo Tribunal de Justiça, com o entendimento de que é ao autor que cabe o ónus da prova de que as prestações atribuídas a título de despesas de transporte, ajudas de custo, etc., não constituem prestações retributivas, dispõe em acórdão datado de 18 de junho de 2008, o seguinte: “No caso vertente, os termos em que se expressou a decisão da matéria de facto (e respectiva fundamentação) permitem afirmar, como se afirmou no acórdão impugnado, que, apesar de não concretizados os custos suportados pelo Autor para a execução do contrato, a(s) importância(s) que lhe eram pagas “a título de ajudas de custo” tinham fundamento específico diverso da prestação do trabalho, ou, mais rigorosamente, da disponibilidade de prestar o trabalho, a que corresponde a retribuição” 202.

Por outro lado, com um entendimento diferente, a Relação do Porto em acórdão de 18 de fevereiro de 2013203, em jeito de resumo, refere que “O “Ab. Kms”, pago de 1995 a 1998, a

que se reporta a clª 155ª do AE aplicável aos C… publicado no BTE nº 24/1081,e o “Abono de viagem/Mar” a que se reporta, posteriormente, a clª 147.º do AE aplicável aos C… previsto no BTE 21/1996, bem como nos AE posteriores, ainda que pago regularmente, não constitui retribuição, competindo ao trabalhador, pelo menos, a alegação de que tais abanos não visam a compensação a que se reportas as citadas clªs ou outras despesas decorrentes de viagens e/ou, bem assim, que o pagamento excede o montante das despesas que o pagamento do referido abono visa compensar”, esclarecendo na fundamentação do referido acórdão que “importa também referir que, mesmo que se considerasse, por via da presunção legal decorrente dos arts. 82.º, nº 3, da LCT, 249.º, nº 3, do CT/2003 e 258.º, nº 3, do CT/2009, que caberá ao empregador o ónus da prova de que determinada prestação paga ao trabalhador não constitui, face do disposto nos arts. 87.º da LCT e 260.º do CT/2003 e do CT/2009, retribuição, sempre incumbirá ao Autor/trabalhador, pelo menos, impugnar a natureza compensatória de prestação

202 Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 18 de junho de 2008, Processo n.º 07SS4480, disponível no website www.dgsi.pt.

203 Cf. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 18 de fevereiro de 2013, Processo n.º 573/10.0TTSTS.P1, disponível no website

que lhe haja sido paga a algum dos títulos previstos nestes últimos preceitos, sendo certo que a ele cabe a definição do objeto e termos do litigio através da formulação do pedido e da indicação da respetiva causa de pedir. Assim, e tendo presente o caso em apreço, se ao trabalhador é paga determinada prestação a título de abonos de viagem (suscetível de se enquadrar no disposto nos citados arts. 87.º da LCT e 260.º do CT de 2003 e de 2009), caber-lhe-á, caso pretenda discutir a veracidade do título/designação ao abrigo do qual o pagamento foi feito, pelo menos invocá-lo, delimitando o objeto da causa que pretende ver discutido”(sublinhados nossos).

Logo se percebe que a questão do ónus da prova não é tão linear quanto a doutrina parece entender.

Em primeiro lugar, sempre se deverá questionar se a norma legal que estabelece a presunção de que todas as atribuições patrimoniais feitas pelo empregador ao trabalhador constituem retribuição, salvo prova em contrário – invertendo assim o ónus da prova (de certa forma desfavorecendo o empregador), prevalece sobre a norma legal que expressamente consagra quais as prestações que devem ser excluídas (ou incluídas) na retribuição.

Salvo melhor parecer, e tendo sobretudo em conta a sistematização do CT, é defensável que o legislador quando consagrou as exclusões legais do conceito de retribuição, em artigo posterior à previsão da presunção retributiva, fê-lo com a intenção de amenizar a prova a ser produzida pelo empregador, pelo menos, quanto à não integração daquelas prestações no montante retributivo.

Ademais, conforme explica o Tribunal da Relação de Lisboa204 a propósito da inversão do

ónus da prova e da presunção de laboralidade, “esta presunção legal em matéria de retribuição não tem, em si mesma, uma função qualificativa adicional das prestações do empregador ao trabalhador, nem confere um valor qualificativo autónomo ou superior a nenhum dos elementos do conceito de retribuição que atrás enunciámos. Assim, por exemplo, não basta a verificação da regularidade e da periodicidade (ou melhor, o seu não afastamento pelo empregador, por força da presunção legal) para que as prestações sejam qualificadas como retributivas, para os devidos efeitos legais. A regularidade e a periodicidade com que são atribuídas as prestações

204 Cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 16 de dezembro de 2009, Processo n.º 1881/07.9TTLSB.L1-4, disponível no website

são apenas um dos vários elementos integradores do conceito de retribuição, não tendo qualquer apoio na lei a ideia de que tem um valor autónomo e suficiente”.