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O grande desafio das áreas protegidas são as populações que residem dentro destas unidades ou em seu entorno (BENSUSAN, 2006). O fato de os primeiros parques ambientais terem sido criados com bases nas legislações dos Estados Unidos da América, e esta lei não permitir a presença humana nestes locais a não ser apenas para visitação e lazer (DIEGUES, 2001; BENSUSAN, 2006), a existência de população dentro de parques é cada vez menor, e quando estas populações se recusam a deixar o local ou fazem usos indiscriminados de seus recursos, começa a surgir os conflitos socioambientais.

A implantação dessas áreas protegidas na África, Ásia e América Latina, a partir das primeiras décadas do presente século, começou a gerar conflitos sociais e culturais sérios com as populações locais e que se tornaram ainda mais sérios a partir da década de 70, quando essas comunidades locais/tradicionais começaram a se organizar e em muitos casos, a resistir à expulsão ou transferência de seus territórios ancestrais como dita o modelo preservacionista (DIEGUES, 2000, p. 09).

Este fator não é muito aceito na maioria das regiões, o que faz com que não sejam vistas vantagens em se criar áreas de preservação. Outra consequência prejudicial são os

conflitos que existem nestes parques que colocam em risco essa relação do homem com a natureza. Estes conflitos existem pelo fato de que o ser humano, desde o século passado, sempre foi visto como destruidor da natureza, pressupondo desta forma a necessidade de isolamento entre ambos para que assim pudessem coexistir (DIEGUES, 1996).

Segundo Diegues (2000), esse tipo de conservação imposta pode ser a causa do insucesso de muitas UC’s atualmente. Existe um conflito muito grande por parte de quem administra esses ambientes e quem habita ou depende destas áreas para sua sobrevivência. Pois a partir da existência de um plano de manejo desenvolvido especificamente para uma Unidade de Proteção Integral, por exemplo, a primeira atitude tomada pelos órgãos responsáveis é a retirada dessas populações que ali habitam e a recolocação destes em outra área determinada pelos órgãos responsáveis pela implantação da unidade (IBAMA, 2002).

Isso se dá pelo fato de que “As Unidades de Proteção Integral são dedicadas exclusivamente à preservação do ambiente natural, sendo proibida a presença de populações permanentes e vedadas as atividades econômicas” (IBGE, 2012, p. 90). No entanto, as categorias “Monumentos Naturais e Refúgio de Vida Silvestre” inclusas neste grupo de Proteção Integral, não possuem esta obrigatoriedade e permitem a presença de habitantes em seu interior pelo fato de serem criadas também em áreas particulares, sem a exigência desapropriação das propriedades, desde que sejam respeitadas as exigências de uso específicas destas duas categorias.

De acordo com Arruda (1999), das Unidades de Conservação Federais, o IBAMA detém o poder de apenas 40% das terras que estão sob a categoria de Parques, Reservas e Estações ecológicas. 30% destas terras estão sob domínio de terceiros e os outros 30% estão em situações indefinidas e confusas, compreendendo áreas indígenas ou de posseiros ou ainda comunidades que apresentam algum direito sobre a posse da terra.

Tanto no interior como no entorno das UC’s, a presença destas populações gera “conflitos com a administração” destas unidades, devido à exploração dos recursos naturais que causam, principalmente, “através da pesca predatória, da caça, extração mineral e de produtos vegetais, pela agricultura e pecuária” (ARRUDA, 1999, p. 80). Quando o uso destes recursos não acontece apenas para suprir as necessidades de uma população, mas passa a ser utilizado para fins comerciais, começa a haver um desequilíbrio entre o que a natureza fornece e o que é extraído. É o fator que determina o uso insustentável dos recursos naturais, o que na maioria das vezes é comprometido pela presença humana.

Vários estudos abordam estes conflitos, tais como os Sobral et al. (2007), Diegues (1995), Furlan et al. (2009), Brito (2008) e Denes (2006). O estudo de Sobral et al. (2007)

aborda o caso do “Parque Nacional Serra de Itabaiana – SE”, uma Unidade de Proteção Integral que apresentou sérios problemas quando da sua implantação, principalmente pela falta de um plano de manejo para o Parque. O objetivo do estudo foi analisar os impactos ambientais no Parque Nacional de Itabaiana. Dentre os problemas encontrados foram identificadas nove ações altamente impactantes na área, como “queimadas, práticas agrícolas, retirada de argila e areia, torres e linhas de transmissão de energia, depósitos de lixo, retirada de madeira e lenha, presença de espécies exóticas, caça e trilhas” (SOBRAL et al., 2007, p. 104).

Conforme os resultados encontrados pelos os autores, nota-se que as queimadas provocam alterações no meio físico do parque devido ao aumento da concentração de gases que interferem na qualidade do ar e na fauna e flora do Parque. As principais causas das queimadas detectadas com o estudo foram as atividades relacionadas ao “preparo da terra para agricultura, retirada de lenha e madeira, uso religioso, queima de lixo, vandalismos e acidentes” (SOBRAL et al., 2007, p.105). Dados fornecidos pelo IBAMA indicam que as queimadas se acentuaram depois de 2005, ano em que o local passou de Estação Ecológica para a condição de Parque Nacional, constituindo o primeiro Parque Nacional do Estado do Sergipe.

Outra ocorrência danosa ao parque são as práticas agrícolas, que de acordo com os autores, o fato de ainda haver áreas privadas até o momento do estudo, e apenas 35% destas áreas pertencer ao poder público, tornou-se crítica a situação do parque. Observou-se que mesmo com a criação do parque, a comunidade em geral ainda se ocupa do local para plantio de várias culturas para subsistência e também para comercialização. A utilização de agrotóxicos em seu manejo gera a depreciação da qualidade da água, devido a contaminação desta através da absorção no solo. As práticas agrícolas associadas aos agroquímicos também causam o aumento dos processos de erosão e consequente redução da capacidade de produção do solo (SOBRAL et al., 2007).

Ainda de acordo com Sobral et al. (2007), a existência de uma fábrica no interior do parque para a retirada de argila, acelera os processos de erosão e compactação do solo e a consequente redução da biodiversidade. Da mesma forma, as torres de transmissão de energia, o depósito de lixo, a retirada de lenha e das matas ciliares auxiliaram e aceleram tal processo. Já a caça, gera impactos diretos ao meio biótico, dissipando a fauna e extinguindo espécies, assim como a presença de espécies exóticas e as trilhas, que além de compactar o solo também causam a fragmentação dos ecossistemas, afugentam espécies e pela presença de visitantes, aumenta a ocorrência de acidentes com animais peçonhentos pelo acúmulo de lixos.

Diegues (1995) pontua em seu trabalho sobre “Conflitos entre Populações Humanas e Unidades de Conservação e Mata Atlântica”, que esses conflitos são recorrentes nas UC’s, pelo

fato de existirem duas partes, cada um com interesses distintos, e que na defesa de cada interesse, cada parte envolvida sempre vê no outro a causa dos problemas, tornando-se assim, sujeito e agente destes conflitos ao mesmo tempo. Além disso, o autor verificou as respostas obtidas através de questionários aplicados aos administradores de UC’s, e estes demonstraram que os maiores problemas recorrentes em UC’s são: caça de subsistência, caça comercial, caça como lazer, pesca de subsistência, pesca comercial, pesca como lazer, extrativismo vegetal de subsistência, extrativismo vegetal comercial, extrativismo mineral, construção e reforma, relacionamento com a fiscalização, relacionamento com a administração, regularização fundiária, fogo como manejo de atividades agropastoris, incêndio, desmatamento e outros (DIEGUES, 1995, p. 215-216).

Esses problemas assolam tanto Unidades de Conservação com população em seu interior, como também as que não possuem população habitando estas áreas. Nesse último caso, o problema é causado pelas populações do entorno que também descumprem a lei e adentram as unidades. De acordo com os resultados da pesquisa, Diegues (1995) aponta os conflitos recorrentes em cada estado brasileiro. Entre os estados com maiores situações conflitantes estão o Espírito Santo e o Rio de Janeiro. Já o Estado do Paraná ficou entre os estados com menor índice de conflitos entre as populações usuárias de parques.

O autor destaca que mesmo que estejam acontecendo algumas mudanças nas perspectivas futuras, com relação às populações oriundas nos parques, ainda assim se observa a questão “sob o prisma conservacionista” e desta forma as populações continuam a serem empecilhos quando presentes nestes locais. Em suma, o autor esclarece que existem administradores que entendem de forma diferenciada a situação das populações residentes. Porém, como estão inseridos em um sistema que defende este modelo emergente “[...] cujo conceito de conservação continua a ser separado do homem, suas atitudes tendem a ser isoladas”, não surtem tantos efeitos para que aconteçam as mudanças destes paradigmas (DIEGUES, 1995, p. 250).

O estudo de caso de Furlan et al. (2009) sobre o Parque Estadual Intervales - São Paulo, também engloba problemas semelhantes, mesmo havendo nesta área um plano de manejo estruturado e voltado para a inovação de práticas conservadoras do meio ambiente. A questão de resistências destas populações talvez seja o problema mais evidente neste local. Antes de se transformar em Parque Estadual, o Parque Estadual Intervales se chamava Fazenda Intervales. Entre as utilizações agropecuárias da fazenda destacava-se a exploração e beneficiamento do palmito juçara entre os anos 1978 e 1986. Atualmente o parque possui cinco programas de

manejo: “administração, proteção, pesquisa, uso público e interação socioambiental” (FURLAN et al., 2009).

Os autores mencionam o bairro Guapiruvu, vizinho ao parque, situado conforme autores na maior faixa de floresta tropical do sudeste brasileiro, em específico, no Vale do Ribeira paulista. Este local se destaca pelas disputas constantes pela terra, desde a década de 1950. O bairro se destaca pela diversidade de modelos agrícolas “(agronegócios versus agroecologia)” e principalmente pela extração ilegal de palmito juçara (Euterpe edulis). Esta extração acontece tanto por parte dos moradores, como dos não moradores daquele local (FURLAN et al. 2009).

Um dos pontos relevantes é que a região possui o menor IDH do Estado de São Paulo, o que segundo os autores seja talvez a causa mais motivadora para que a população ultrapasse as leis e cometam crimes ambientais contra o parque. A população do bairro produzia banana- nanica, palmito juçara, e por volta de 1970 foi envolvida pelo cultivo de gengibre, uma cultura resultante da mecanização da terra. Esta prática agrícola ocasionou a compactação do solo e a contaminação dos recursos hídricos (FURLAN et al., 2009). A cultura do gengibre exige várias rotações de cultura por se tratar de um cultivar que deteriora muito o solo e traz consigo várias doenças, o que exige a utilização de agrotóxicos, sendo desta forma um trampolim para o surgimento de problemas ambientais e de saúde pública. Foi nesse período que a produção começou a cair e houve então a crise do gengibre, como consequência os problemas socioambientais voltaram à tona na região levando ao aumento das pressões antrópicas9 sobre o Parque. Tal fato ocasionou vários entraves entre polícia ambiental e extratores de palmito, onde várias formas de vandalismo foram desferidas contra o Parque, como incêndios criminosos e destruições do patrimônio público do local.

Conforme os resultados da pesquisa, concluiu-se que os problemas só diminuíram quando houve uma mudança nas formas de agir dos Guardas-Parque. Estes se aproximaram dos palmiteiros e caçadores do local, e assim promoveram orientações para a população e investiram em educação, onde se promoviam ideias de práticas mais sustentáveis para região. Projetos de “co-manejo”, na administração do parque foram soluções encontradas para gerar mudanças de atitudes daquela população.

Ainda no trabalho de Brito (2008), sobre as Unidades de Conservação do estado do Amapá, coincidentemente, os problemas geradores de conflitos ambientais observados com maior frequência e que prejudicam a administração destas áreas são, incêndios, desmatamentos, ──────────

9 Atividades humanas potencialmente impactantes aos ecossistemas naturais que podem levar à perda da biodiversidade (ICMBio, 2013).

invasões, extrações de origem vegetal, animal e mineral, a pecuária, a agricultura predatória, problemas mal resolvidos em torno da propriedade das terras e a falta de um plano de manejo destas áreas. Como salienta a autora, “[...] é indispensável manter os recursos ambientais e os processos ecológicos, entretanto, é primordial garantir a sustentabilidade social, econômica e cultural da população envolvidas nas áreas" (BRITO, 2008, p. 11), demonstrando que é por conta desta dualidade entre sustentabilidade e desenvolvimento socioambiental que emergem os conflitos ambientais.

Denes (2006) defende que o entorno de uma Unidade de Conservação tem um papel fundamental para que os objetivos de implantação de um parque sejam alcançados. Dependendo da atividade praticada pela população do entorno, estas podem ser altamente impactantes e interferirem na função de conservação e preservação destas áreas. [...] Atividades tais como caça, exploração madeireira, criação de animais, coleta de produtos não madeireiros, expansão agrícola e projetos de desenvolvimento, quando próximas às UC’s causam grande prejuízos. Estes conflitos, em geral, decorrem da proibição de atividades anteriormente praticadas e essenciais à sobrevivência das populações (DENES, 2006, p.62).

Os problemas encontrados nas UC’s que impedem o sucesso no manejo das mesmas são os de origem humana e não os de ordem ecológica.

O ato de proibir gera nos indivíduos a sensação de desprezo e deslocamento. Primack e Rodrigues (2001, p. 241) afirmam que “as pessoas que sempre se serviram dos produtos de uma reserva natural e repentinamente se vêem impossibilitadas de entrar nesta área, sofrerão com a perda de acesso aos recursos necessários à sua sobrevivência. ” E desta forma não seriam agentes atuantes na proteção destes ambientes. E ainda segundo estes autores, “muitos parques nascem ou são destruídos dependendo do grau de apoio, negligência, hostilidade ou exploração que recebem da população que se utiliza deles. [...]”. Portanto, alternativas de manejo e participação destas populações no monitoramento destas áreas é de suma importância para pacificar o relacionamento entre as populações e as Unidades de Conservação. Visto que em todas as categorias de Unidades de Conservação, são evidentes os problemas relacionados à falta de planos de manejo, o que acaba em conflitos entre as populações e a administração destas áreas. Observa-se que é de suma importância envolver as populações internas e do entorno das áreas destinadas à preservação para atingir os objetivos vinculados a estas áreas de proteção.

No entanto, para saber o grau de conservação destas áreas ditas “preservadas”, é necessária uma avaliação do ambiente, para então determinar se existem pontos mais degradados ou mais preservados em um mesmo fragmento. Para isso, se faz necessário o uso de alguns métodos específicos de pesquisa para a análise da qualidade ambiental destas áreas.

Com o auxílio de espécies indicadoras, sensíveis aos efeitos da fragmentação florestal, é possível quantificar os resultados obtidos a campo. Por meio da identificação destes bioindicadores, sua preferência alimentar e diversidade de espécies, determina-se a qualidade ambiental destas áreas em diferentes estágios de conservação. Desta forma, traz-se à tona também, as pressões sociais que estes ambientes sofrem, e importa analisá-las de acordo com a legislação vigente, para a criação e manutenção destas áreas protegidas, seja qual for sua categoria ou grau de proteção.

CAPÍTULO 3

MATERIAIS E MÉTODOS: OS PROCEDIMENTOS DA PESQUISA

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