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A primeira fase do setor de energia elétrica (1893-1955)

4.3 A trajetória do setor

4.3.1 A primeira fase do setor de energia elétrica (1893-1955)

A primeira fase do setor de energia elétrica no Brasil, entre o final do século XIX até 1955, foi marcada pela participação intensiva do setor privado, em especial estrangeiro. Com exceção da participação da Light e Amforp, o setor de energia elétrica era caracterizado por pequenas e médias centrais hidrelétricas do setor privado nacional.

Segundo Carneiro (2000), com a inexistência de barreira regulatória, a concentração da

Light and Power Co e da Amforp (American Share Foreign Power Company) foi crescente

nos anos 20. Cerca de 90% da produção de energia elétrica de São Paulo estava nas mãos dessas duas empresas e esse quadro não era muito diferente em outras regiões do País, exceção feita aos estados do Norte/Nordeste, pouco atrativos em termos de lucratividade. Essa

situação de monopólio/duopólio possibilitou manipulações de tarifas e manobras especulativas por parte dessas empresas97.

Até os anos 30, os serviços de energia elétrica eram restritos às capitais dos estados e a um pequeno número de centros urbanos mais desenvolvidos. A partir de então, o crescimento da população urbana e o aumento da demanda por energia, requereram maiores investimentos do setor. Simultaneamente à necessidade de maior oferta de energia elétrica, o governo federal assumia novas funções e se fortalecia às expensas dos governos estaduais e municipais.

Além de diversos institutos, com o objetivo de regular os estoques e controlar os preços, o governo interveio na área de recursos naturais estruturando-a por meio da criação de vários departamentos, conselhos e comissões. A criação de órgãos federais, com o propósito de conceber, originar e articular políticas setoriais para seus respectivos campos98, apontava, evidentemente, para a centralização e planejamento da economia em nível federal DRAIBE, 1985.

No entanto, a regulamentação e incentivos ao investimento em energia elétrica não foram eficazes o suficiente para evitar a crise de abastecimento ocorrida na década de 40. Segundo Leite (1998), a demora na regulamentação do Código de Águas99, promulgado em 1934, criou um clima de incertezas que reduziu os investimentos no setor, principalmente no Nordeste. Ainda, conforme Leite (1998), isso culminou na primeira e única grande iniciativa de ação direta do Estado nesta etapa: a construção da Cia Hidroelétrica do São Francisco – CHESF –, em 1948100.

Cabe ressaltar, por oportuno, que a regulamentação do setor exigiu, inclusive, alterações na Constituição Federal. Em 1937, a nova Constituição Federal colocou em xeque a participação da Light e da Amforp no mercado brasileiro de geração de energia elétrica, ao

97 Para ver mais sobre os abusos do duopólio, Lorenzo (1997), Centro da Memória da Eletricidade no Brasil, 1988, Carneiro (2000) e Jabur (2001).

98 Especificamente sobre o setor de energia elétrica é importante registrar a criação do Conselho Nacional de Água e Energia Elétrica, através do Decreto-Lei n. 1.699, de outubro de 1939, com a principal função de regulamentar o setor.

99 O Código de Águas estabeleceu a separação entre o direito de propriedade do solo, de um lado, e, de outro, o dos recursos hídricos existentes em sua superfície. A partir daí, os recursos hídricos só seriam explorados mediante concessão e fiscalização do poder público.

100 Embora a CHESF tenha sido inaugurada durante o Governo Dutra (1946-1951), a obra foi implementada no Governo anterior, de Getúlio Vargas (1930-1945). A política econômica do Governo Dutra, de orientação liberal, priorizou a estabilização dos preços e não se articulou em torno da agenda desenvolvimentista da gestão anterior. Para ver mais sobre esta questão, Draibe (1985), Bernardes (1993) e Saretta (1997).

restringir a concessão de aproveitamentos hídricos a empresas brasileiras, diferentemente da Constituição de 1934 que se referia a empresas organizadas no País. A Constituição de 1946 foi ainda mais além na questão, haja vista que garantia a oferta e a qualidade desses serviços, para a população, CARNEIRO (2000).

Ainda no âmbito federal, como resposta ao diagnóstico da Missão Abbink101 (1948), durante o segundo Governo Vargas, em 1952, foi criado o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico - BNDE102. Como primeira Agência Nacional de fomento, o BNDE assumiu o papel de coordenar e controlar os investimentos públicos na expansão do sistema elétrico.

Em suma, em relação ao papel do Estado na economia é oportuno registrar que, embora antes da década de 30, sua participação como produtor e regulador fossem restritas, o Estado jamais deixou de intervir103. Especificamente em relação ao setor de energia elétrica, a partir de 1930, o Estado assumiu gradativamente funções reguladoras e, sobretudo no período posterior à Segunda Guerra Mundial cresceu a responsabilidade do setor público nos investimentos de infra-estrutura de capital intensivo e, concomitantemente, foi desenvolvido um sistema de tarifas subsidiadas que funcionou inicialmente para estimular o investimento na indústria e, a partir da década de 80, também como política de combate à inflação.

Em Minas Gerais, a participação do Estado no setor de energia elétrica antecipou a participação federal. Durante o Governo Milton Campos (1947-1951), foram construídas com capital estatal as Usinas de Gafanhoto e Salto Grande. Segundo Carneiro (2000), nesse período, os investimentos em geração de energia elétrica adquiriram contornos institucionais mais sólidos com o Plano de Recuperação Econômica e Fomento da Produção. Tal plano, além de diagnosticar os estrangulamentos de energia e transporte, para o crescimento da indústria no Estado, foi o precursor do crescimento institucional de então. A partir dele

101 A Comissão Técnica Mista Brasileiro-Americana de Estudos Econômicos, mais conhecida como Missão Abbink (1948), diagnosticou o setor de energia como uma das áreas críticas da economia brasileira e recomendou que os investimentos em geração fossem tratados como estratégicos e que, como tal, havia necessidade da estruturação de fontes de financiamento que viabilizassem tais investimentos. Para maiores detalhes, vide Lima, (1984) e Centro da Memória da Eletricidade no Brasil, (1988).

102 Em 1952, foi criado o BNDE, cujo o nome foi alterado para Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES –, na década de 80.

103 Nesse ponto, é importante comentar que, até 1930, havia domínio do federalismo, com pouca subordinação dos estados ao executivo federal. Como exemplo, pode-se citar o financiamento, pelo Estado, da vinda dos imigrantes para compor o mercado de trabalho nas fazendas de café e nas sucessivas valorizações dessa

surgiram o Departamento de Águas e Energia Elétrica de Minas Gerais, a Estruturação do Fundo Estadual de Eletrificação e o Plano de Eletrificação.

O sucessor de Milton Campos, Juscelino Kubitschek (1951-1955), consolidou o arcabouço institucional do Estado com a criação das Centrais Elétricas de Minas Gerais, CEMIG, em 1952.