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A segunda fase do setor de energia elétrica (1956-1992)

4.3 A trajetória do setor

4.3.2 A segunda fase do setor de energia elétrica (1956-1992)

O Governo Juscelino Kubitschek (1956/1962) herdou, do período posterior à década de 30, especialmente das gestões Vargas, um arcabouço institucional e organizacional complexo, que possibilitou ao Estado assumir o espaço deixado pela iniciativa privada, nacional e estrangeira, na indústria de energia elétrica do País.

O Estado passou a atuar como empresário em setores pouco atrativos para o empresariado privado, em especial, na indústria de base e na infra-estrutura de energia e transporte104. O Plano de Metas do Governo Kubitschek sustentou-se sob uma agenda desenvolvimentista, com o objetivo de efetivamente sanar os dois principais pontos de

estrangulamento do desenvolvimento nacional, identificados pela Missão Abbink, ou seja,

energia e transporte. Para atingir tais objetivos, o Governo Kubitschek aprofundou o intervencionismo estatal nessas áreas.

Especificamente em relação ao setor de energia elétrica, ao assumir o papel de produtor, o Governo garantiu a realização dos empreendimentos de geração e, simultaneamente, inaugurou a mudança nas escalas das plantas com aproveitamentos hidrelétricos de grande porte. Carneiro (2000), cita Muller105 que registra que a extensão da área alagada por Três Marias e Furnas supera 1.000 km², contra 16 km² de Paulo Afonso, referência de grande barragem do período anterior.

Em decorrência dos investimentos efetuados no setor de energia elétrica durante o Governo JK, a oferta de energia elétrica cresceu de 3.491mil MW, em 1956, para 8.255 mil MW, em 1967 (Centro de Memória da Eletricidade, 1995), e o atingimento das metas, nesse setor, superou a 130% do previsto inicialmente pelo Plano de Metas.

104 Tais setores eram pouco atrativos devido aos elevados investimentos iniciais e longo prazo de maturação. 105 MULLER, A. C. Concentração e desconcentração industrial em São Paulo (1890-1990). Campinas:

Os anos Kubitschek foram marcados pela:

1. maior participação do Estado na geração de energia elétrica. Conforme dados do Centro da Memória da Eletricidade no Brasil (1995), sendo que 72% do total da produção do período foi estatal;

2. construção das usinas de Furnas e Três Marias e, portanto mudanças na escala de referência de grande barragem;

3. regulamentação do Código de águas que possibilitou simultaneamente os investimentos privados no setor.

A segunda fase do setor de energia elétrica, marcada pela forte intervenção estatal, iniciou com o Plano de Metas do Governo Kubitschek e foi retomada pelos governos militares, após um breve interregno 1962/1963. Esta fase foi especialmente marcada pelo crescimento e atuação da ELETROBRAS, a partir de 1964. A ELETROBRAS foi o principal instrumento utilizado pelo Estado centralizador, no fortalecimento de sua atuação no referido setor.

Conforme Francescutti e Castro (1998), dentre as principais estratégias estatais no período, podem-se citar:

1. a opção hidráulica, em oposição à termelétrica que, embora implicando maiores gastos em capital fixo, acabou se revelando a mais acertada, a médio e longo prazos, tendo em vista especialmente as posteriores crises do petróleo entre 1973 e 1979;

2. a construção de grandes usinas geradoras com o duplo objetivo de obter ganhos de economia de escala e atender simultaneamente à demanda reprimida e à demanda derivada do rápido crescimento associado à fase de recuperação e crescimento da economia brasileira após 1968106;

3. o papel da ELETROBRAS, de holding estatal das empresas de geração e transmissão de eletricidade (FURNAS, CHESF, ELETROSUL, ELETRONORTE), além de seu papel de instituição normatizadora e de planejamento.

O período de grande crescimento da indústria do setor elétrico no Brasil (décadas de 60 e 70) coincidiu com o período do Estado produtor, quando os investimentos em nível federal, especificamente os de infra-estrutura, eram centralizados sob a argumentação de que

106 O período 1968-1973 é conhecido como o milagre brasileiro pelo elevado crescimento do PIB (cerca de 10% ao ano).

a indústria de base, que abarca o setor de energia elétrica, promove linkages (encadeamentos) para frente, aumentando a demanda por produtos e serviços e, para trás, ampliando também a demanda no setor de bens de capital e intermediários107. Isso justificava o controle do Estado e a dimensão dos projetos no setor de energia elétrica, além de estimular a estrutura de mercado verticalizada, isto é, a preferência por efetuar as transações na firma, ao invés de no mercado.

Entre 1967 e 1973, a expansão do setor de energia elétrica foi da ordem de 14,6%ª ª , o que implicou um crescimento da ordem de 102,27% no setor, saltando de 8.255 mil MW para 16.698 mil MW, no período (Centro da Memória da Eletricidade no Brasil, 1988).

O estudo da economia brasileira que deu origem ao Segundo PND (Plano Nacional de Desenvolvimento) do Governo Geisel (1974/1979) diagnosticou que para atingir uma taxa de crescimento do PIB, da ordem de 10% no período e de, no mínimo, 8% durante a década de 80, considerando a capacidade instalada de energia elétrica, a expansão da oferta de energia deveria somar 30.000mil MW108 até o final dos anos oitenta (LIMA, 1995; Centro da Memória da Eletricidade no Brasil, 1988; CARNEIRO, 2001).

Editado, em 1974, a implantação do Plano 90 – programa de investimentos no setor de energia elétrica – consolidou o papel da ELETROBRAS como agência de fomento do setor e efetivamente instalou o ciclo de megaprojetos hidrelétricos no País.

A TAB.2, sistematiza a opção brasileira pelos megaprojetos hidrelétricos e a conseqüente concentração no setor de geração de energia elétrica. Um grupo de apenas sete empresas deveria ser responsáveL pela produção 22.440MW, ou seja, 78,8% da oferta de energia elétrica excedente no período. O GRAF.2, tem o objetivo de ilustrar e facilitar a visualização dos megaprojetos hidrelétricos previsto pelo Plano 90, da ELEBROBRAS.

107 Para um estudo mais aprofundado sobre os linkages na indústria, ver Suzigan (1986), Porter (1980) e, especificamente sobre os linkages no setor de energia elétrica, Oliveira (1998).

108 A expansão de 30.000MW não inclui os 12.600MW previstos com a criação da hidrelétrica binancional de ITAIPU.

1.050 2.100 2.500 2.500 2.500 4.000 1.800 1.000 2.000 2.000 Tucuruí Eletronorte Sobradinho Chesf Itaparica Chesf

Paulo Afonso IV Chesf Itumbiara Furnas Emborcação Cemig Porto Primavera Cesp Salto Santiago Eletrosul Ilha Grande Eletrosul Foz do Areia Copel TABELA 2

Programação de investimentos do Plano 90 – Projetos selecionados

Projeto Potência (MW) Empresa

Tucuruí 4.000 Eletronorte

Sobradinho 1.050 Chesf

Itaparica 2.500 Chesf

Paulo Afonso IV 2.500 Chesf

Itumbiara 2.100 Furnas

Emborcação 1.000 CEMIG

Porto Primavera 1.800 Cesp

Salto Santiago 2.000 Eletrosul

Ilha Grande 2.000 Eletrosul

Foz do Areia 2.500 Copel

Total 22.440

FONTE: PLANO 90. ELETROBRAS, 1974

GRÁFICO 2 - Programação de Investimentos do Plano 90 – Projetos Selecionados FONTE: Plano 90. ELETROBRAS, 1974

No entanto, o final da década de 70 e o início da de 80 foram marcados pelo ajuste recessivo da economia brasileira e não pelo crescimento da economia a taxas previstas de 8 a 10%.

Segundo Francescutti e Castro (1998), o segundo choque do petróleo, em 1979, e a crise do México, em 1982, trouxeram como conseqüência a estagflação para a economia brasileira, ou seja, a aceleração do processo inflacionário e simultaneamente a redução das taxas de crescimento do PIB, o desemprego e o desequilíbrio das contas públicas. Isso gerou uma certa capacidade ociosa no sistema elétrico brasileiro que implicou aumento dos prazos de maturação do capital investido e a diminuição da capacidade de custo de financiamento.

Em suma, a partir da década de 80, os investimentos em andamento no setor de energia elétrica foram deteriorados, devido principalmente:

1. ao alongamento do prazo de obras e encarecimento do custo de energia elétrica pelos custos dos juros acumulados;

2. à utilização, pelo governo, das tarifas de energia como instrumento para combater a inflação;

3. à incapacidade do Estado de continuar financiando o setor de energia elétrica109 e à contratação de empréstimos externos à taxa de juros flutuantes.

4. ao atraso das obras da usina hidroelétrica de Tucuruí, iniciadas em 1975, cuja primeira etapa de construção deveria ter sido concluída em 1980 só começou a funcionar em fins de 1984;

5. ao atraso da construção da usina nuclear de Angra dos Reis e do retorno dos investimentos o que não se realizou praticamente até hoje, haja vista que tal usina só começou a funcionar a partir de meados de 2000;

6. ao atraso de cerca de 15 anos nas obras da usina hidrelétrica de Porto Primavera, apenas inaugurada em 1998, significando um custo contábil de US$ 9,3 bilhões, quase cinco vezes maior do que o previsto no projeto original. Do total do custo adicional, US$ 4,8 bilhões foi de custo financeiro/juros pelo atraso da obra110. Como resultado do alongamento das obras, o custo da energia elétrica gerada ficou mais cara. Além do alongamento das obras, contribuíram para agravar os problemas financeiros do setor de energia elétrica a elevação da taxa de captação externa de recursos e o aumento das taxas de juros externas. Conforme Lima (1995, p.125), “entre 1974 e 1984, a captação de recursos externos pelo setor de energia elétrica subiu de 6,8% para 28,6%”.

Também ajudaram a deterioração financeira do setor de energia elétrica a queda da taxa de remuneração do setor e a cultura clientelista das concessionárias estaduais. Ainda, segundo Lima (1995, p.126) “a taxa de remuneração do setor caiu de 12% ª ª , em 1975, para 6%ª ª , em 1983”. Tal queda na remuneração deveu-se principalmente à utilização das tarifas de energia elétrica como instrumento de combate à inflação111. Ainda em relação ao sistema de tarifas, é oportuno mencionar que o mecanismo intra-setorial de compensação de resultados

109 O deficit público, no período, deveu-se principalmente aos choques adversos externos (crise do petróleo, em 1979, e a crise do México, em 1982) e internamente à recessão e conseqüente queda na arrecadação. 110 Vide Francescutti e Castro (1998).

111 Segundo Zedron (1996), entre 1980 e 1989, as tarifas médias do setor de energia elétrica reduziram-se em torno de 30%.

financeiros – Contas de Resultados a Compensar – CRC – das empresas do setor de energia elétrica entre 1977 e 1993, desestimulou a produtividade na medida que garantia legalmente a remuneração mínima e máxima do setor – 10 e 12% – e obrigava que eventuais excedentes fossem repassados a outras empresas do setor.

Quando se iniciou a terceira reforma do setor de energia elétrica no Brasil, em 1993, a geração de energia elétrica era concentrada em poucas empresas: as companhias do Sistema ELETROBRAS (FURNAS, CHESF, ELETRONORTE E ELETROSUL) e as concessionárias estaduais CESP, CEMIG e COPEL, além da ITAIPU binacional. Segundo o Panorama Setorial (1997), tais empresas eram responsáveis pela oferta de 94% da energia, em 1996, e estavam, conforme já explicitado, com a situação financeira deteriorada112.

É também importante ressaltar que, após a criação do Programa Nacional de Desestatização – PND –, por intermédio da Lei n. 8.031/90, a privatização tornou-se parte integrante das reformas econômicas iniciadas pelo Governo.