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O setor de energia elétrica é subdividido em quatro etapas: geração, transmissão, distribuição e comercialização. A geração consiste na obtenção de energia elétrica a partir de diversas fontes tais como: hidráulica, térmica (nuclear, geotérmica, gás e outras derivadas do petróleo, carvão mineral, carvão vegetal e biomassa), além de marés, a eólica e a solar, que serão discutidas no item seguinte, 4.2.

Devido às peculiaridades geográficas brasileiras e ao grande potencial hídrico do território nacional, o principal aproveitamento energético se deu por meio de construção de hidrelétricas. No entanto, o esgotamento da fonte de energia hidráulica próxima aos grandes centros consumidores e a contestação pelos stakeholders84 pelas ações prejudiciais ao ecossistema vêm requerendo buscas de outras alternativas energéticas e alteração no tamanho da planta da barragem. Isso possibilitou a entrada de empresas menores de geração de energia elétrica abrindo, inclusive, a possibilidade de competição no setor.

A eletricidade, após gerada, é transportada até os centros consumidores (transmissão), onde é distribuída. A rede de transmissão ocupa papel especialmente importante em sistemas

84 Stakeholders são todos os agentes que sofrem influência e que influenciam o comportamento da empresa, organização ou instituição, tais como: acionistas, empregados, investidores, sindicatos, partidos políticos, ONG, associações etc. Aqui, o termo está sendo utilizado principalmente para se referir aos agentes de consciência ambientalista.

hidrelétricos em que as usinas estão normalmente localizadas longe dos centros urbanos. PANORAMA SETORIAL (1997).

O setor de transmissão de energia elétrica continua altamente concentrado, pois o custo de construção das linhas é elevado, o que inviabiliza a concorrência via construção de novas linhas com destino ao mesmo centro distribuidor. Como a energia, após sua geração, não é estocável e, apenas em condições de linhas de transmissão disponíveis, as empresas são estimuladas a gerar energia, a regulamentação é fundamental para evitar congestionamento das linhas de transmissão e o preço de monopólio. O congestionamento das linhas de transmissão pode ocorrer devido ao excesso de carga ou por estratégia oportunista do proprietário da linha.

Uma das principais deficiências com a qual o sistema de energia elétrica no Brasil tem convivido é a configuração de transmissão composta por dois subsistemas não interligados: o do Sul/Sudeste/Centro-Oeste (com cerca de três quartos da capacidade total instalada) e o Norte/Nordeste (com cerca de um quarto da capacidade instalada). Segundo Boletim eletrônico ELETROBRAS/UFRJ (16.04.01), a interconexão de transmissão entre os subsistemas, via ligação de uma linha de transmissão entre Tucurui e Serra da Mesa, bem como a interligação entre os dois subsistemas para ligar o Pará ao Maranhão e aproveitar as cheias dos Rios São Francisco e Turucué, em períodos diferentes, melhoraria a redistribuição de energia e possibilitaria o intercâmbio de energia excedente, atenuando os problemas oriundos de sazonalidades de geração e de consumo.

Segundo dados da ANEEL (2002), a interconexão de transmissão entre os subsistemas está sendo efetuada por intermédio dos leilões de linhas de transmissão. Apenas em 2002 foram leiloados para construção, cerca de 3% do total de linhas de transmissão existente no País85. Embora o percentual não seja tão significativo, tais linhas estão situadas em regiões estratégicas para a interconexão dos subsistemas. Entraram em funcionamento a partir de 2004, as linhas de transmissão Uruguaiana/Maçarambá, Maçarambá/Santo Ângelo, Santo

85 Total de linhas de transmissão em 2001 era equivalente a 70.035km. Em 2002 foram leiloadas para construção 1.873 Km (2,67% em relação ao total), sendo 1.012 Km de potência 230 KV (3,11% em relação ao total de 230 KV) e 861,3 Km de potência 500 KV (4,92% em relação ao total de 500KV).

Ângelo/Santa Rosa (RS); Campos Novos/Lagoa Vermelha, Lagoa Vermelha/Santa Marta (SC/RS); Presidente Médici/Pelotas (RS); Vila do Conde/Santa Maria (PA); Tijuco Preto/Cachoeira Paulista (SP); Expansão da Interligação Norte/Nordeste c4 (PA/MA); Itumbiara/Maribondo (MG); Paraíso/Açu (RN) e Ouro Preto/Vitória (MG/ES). Também, em relação à transmissão, talvez seja importante registrar que há controvérsias sobre a eficiência em implementar longos percursos de linhas de transmissão, ao invés de priorizar a implementação de hidrelétricas locais para atender a microregiões. Em relação a essa questão, o argumento utilizado pela ANEEL (2002) é que simultaneamente à outorga das concessões de linhas de transmissão estão sendo leiloadas nas mesmas regiões, concessões para construção de hidrelétricas, o que atenua o custo de transporte da energia.

Diferentemente, a posição de um dos entrevistados nesta pesquisa, identificado como

consultor de energia de uma grande concessionária brasileira é divergente. Segundo ele, o

governo deveria investir na própria região de consumo, gerando empregos e evitando a migração. O referido entrevistado cita o exemplo da construção da hidrelétrica de Belo Monte, no Xingu, com potência de 11.182 MW como um absurdo, pois:

“Os investimentos para implementar a usina são da ordem de U$6,2 bilhões, dos quais U$3,7 serão destinados para a construção de barragens e U$2,5 para as linhas de transmissão, quase uma barragem para com a energia até o Nordeste”.

Ainda, segundo a opinião do mesmo entrevistado, o governo deveria investir tais recursos na biomassa e energia eólica e até na execução de gasodutos secundários a partir do gasoduto Nordestão. Assim, deveria se aproveitar o potencial do bagaço de cana do setor sucroalcooleiro e eólica dos ventos do Norte do Pará e do Ceará.86

Depois da etapa de transmissão, a energia é distribuída aos consumidores. A distribuição está sendo desconcentrada desde a promulgação da Lei n. 9.074/95 que acabou com a concessão dos monopólios regionais. Tal qual a transmissão, a distribuição tem um

desenho de monopólio, haja vista que os consumidores comuns não são livres para

escolherem a linha de distribuição da energia que compram.

A comercialização, uma etapa muito recente do setor de energia elétrica, pode configurar-se como uma fase em que pode haver concorrência. No entanto, aqui também a

86 É importante lembrar que os equipamentos para a construção das usinas eólicas e o gás para gerar energia são importados e, portanto, pagos em dólares, o que é proibitivo com o real desvalorizado como está a partir de julho de 2002. A título de exemplo, cita-se a cotação do dólar em 17.10.02 de R$3,90.

regulamentação é fundamental e o MAE como intermediador entre oferta e demanda de energia deve cumprir o papel de evitar perda de energia por impossibilidade de estocagem, além, é claro da importância do Operador Nacional do Sistema – ONS – na definição da quantidade de água que deve sair do reservatório para as turbinas e gerar energia elétrica.

Para atingir o objetivo de aumentar a competição e melhorar o binômio qualidade/preço, uma das medidas propostas pela Coopers&Lybrand 87 e adotada pelo Governo foi a desverticalização do setor, ou seja, a separação contábil entre os segmentos de geração, transmissão e distribuição. Isto evita o que se denomina no mercado, subsídios

cruzados, isto é, subsídios advindos das etapas monopolísticas que promovem barreiras a

entradas na etapa concorrencial. Para impedir tal prática, o governo adotou a limitação do

auto-suprimento de 30%, isto é, a distribuidora pode gerar no máximo 30% do que ela distribui.

Em suma, é importante enfatizar que a eficiência do setor de energia elétrica não é uma relação direta com a simples concorrência de mercado. Há um trade off (escolha) entre eficiência ligada à produção que requereria construção de grandes barragens para haver ganho de escala e eficiência alocativa88, fortemente ligada à eficácia da regulamentação pública e à definição de tarifas89 . Este trade off se deve às características do setor – elevado custo de investimento inicial – e do produto, não estocável e essencial à atividade econômica e cotidiana da população.