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A problemática da aplicação da medida de retenção e a sua subjetividade

Capítulo III. Representações dos atores

III.1 Representações dos diretores de escola e professores

III. 1.1 A problemática da aplicação da medida de retenção e a sua subjetividade

práticas de retenção colidem com as realidades subjacentes ao insucesso do aluno (Larsen & Akmal, 2007). Quando um aluno vivencia o insucesso escolar por não apresentar as competências académicas necessárias para o ano de escolaridade que frequenta, a tomada de decisão de aplicar a medida de retenção é difícil e, por vezes, controversa para a escola e para os pais (Cannon & Lipscomb, 2011; Gleason et al., 2007). Em todas as audições realizadas por Ferreira et al. (2015) foi indiscutível que a retenção é tida como um problema do sistema educativo para além de bastante dispendiosa para o Estado. Mesmo quando a medida de retenção é referida como possibilidade pelos atores educativos, em alguns casos, não é considerada como uma boa solução.

No estudo de Rodrigues et al. (2017) é salientado que, no que respeita à problemática do insucesso escolar e da retenção precoce, existe uma grande discrepância entre as representações dos professores e as práticas estabelecidas nas escolas onde lecionam bem como as soluções pedagógicas ao dispor. No estudo de Pouliot, (1999) é dada uma explicação para a persistência das crenças dos professores sobre a retenção, considerando que as mesmas estão enraizadas na cultura do currículo escolar. Também nas audições realizadas por Ferreira et al. (2015), sete dos especialistas inquiridos identificaram a existência de uma cultura de retenção proveniente das representações dos atores em contexto escolar, quer dos professores, quer dos pais, quer da própria sociedade concluindo os autores que “Enquanto problema cultural, a retenção sanciona, penaliza, não se reconhecendo o seu carácter pedagógico” (pág. 67). A ideia bem presente de que a reptição é benéfica para o aluno, explica a subsistência desta prática, apesar dos limites impostos pela legislação em vigor (Eurydice, 2011).

56 Cannon e Lipscomb (2011) declaram que os diretores manifestam atitudes divergentes relativamente à retenção, enquanto uns reconhecem os seus benefícios a curto prazo, outros manifestam preocupação relativamente às consequências a longo prazo. Da análise das perceções dos diretores escolares e políticas relativas à retenção é concluído que os mesmos apresentam opiniões diferentes acerca de quando devem reter um aluno salientando ainda que esta medida é analisada caso a caso o que remete para a ideia de que esta prática varia de escola para escola. Este estudo constatou que metade dos inquiridos não acredita na eficácia da medida de retenção para melhorar o desempenho dos alunos a longo prazo. A outra metade tem um pensamento oposto salientando para o fundamentar que, não faz sentido transitar um aluno com dificuldade para o ano seguinte partindo do princípio que esse ano é mais complexo. Ferreira et al. (2015) corroboram esta ideia quando declaram que as opiniões dos especialistas/entidades divergem, uns referem que a retenção não tem solução e outros defendem a importância e o impacto da avaliação mais concretamente a diagnóstica e a formativa numa perspetiva de referenciar e sinalizar alunos com dificuldades/necessidades para se intervencionar de forma preventiva. Jacob e Lefgren (2007) afirmam que, regra geral, a decisão de retenção cabe ao professor ou diretor da escola com base numa série de características não observáveis dos alunos, como a maturidade ou o envolvimento dos pais.

Bonvin (2003) afirma que a tomada de decisão de retenção por parte dos professores revela consistência interna, no entanto, manifesta-se tendenciosa quando critérios objetivos são examinados. Tomchin e Impara (1992) evidenciam um conjunto de crenças que têm implicações reais na decisão da aplicação desta medida uma vez que nos dão informações acerca dos tipos de interações diárias na sala de aula entre os professores e os alunos em risco de serem retidos que estão intimamente ligadas à decisão de retenção. Os autores concluíram que os professores não sabem justificar a decisão de retenção devido à natureza implícita das crenças sobre as quais assentam os seus julgamentos o que contribui para explicar as inconsistências da prática da medida de retenção. Larsen e Akmal (2007) afirmam que os diretores e professores interpretam as diretrizes políticas formando uma “bússola moral” que lhes permite tomar decisões acerca das práticas de retenção. Esta forma de implementar a medida de retenção pode

57 promover inconsistência na implementação da mesma, promovendo desigualdades em vez de promover a equidade. Os mesmos autores concluem que a prática de retenção é aplicada de forma desproporcional aos alunos que já desde um princípio não possuem capital social e económico desejável. Concretamente na CITE 1, Pereira e Reis (2013) salientam que a decisão de retenção é feita com base num julgamento subjetivo por parte dos intervenientes no processo educativo do aluno (nomeadamente pais e professores) comparativamente quando o aluno é retido numa fase posterior. Esta questão é abordada no relatório do PISA 2015 dado que é referido que o comum das pessoas acredita que o desempenho, o comportamento e a motivação são justificações plausíveis para decidir se um aluno deve ser retido o que torna esta questão preocupante dado que, mesmo depois de analisar estes fatores, em muitos sistemas educacionais, é provável que um aluno com determinadas características repita o ano e outro provavelmente não (OECD, 2016b). O mesmo relatório considera ainda a existência de subgrupos de alunos que aparentemente são retidos injustamente com base na análise de determinados aspetos. Alunos do género masculino, com baixo índice socioeconómico e imigrantes têm maior probabilidade de serem retidos mesmo quando o desempenho académico, a motivação e atitudes face à aprendizagem são semelhantes à de alunos que não foram retidos. As avaliações dos professores e as expectativas de desempenho académico são de extrema importância no processo que conduz à retenção do aluno e a decisão de reter ou não um aluno dependente do que o professor pensa ou acredita acerca do mesmo (Bonvin, 2003). Larsen e Akmal (2007) constatam que grande parte dos professores assume um “sentimento intuitivo” de que a retenção não é benéfica para o aluno, mas não tem a certeza sobre o que refere a literatura acerca desta questão sendo que nenhum dos entrevistados assumiu conhecimento acerca da eficácia da retenção.

Witmer et al. (2004) constataram que o conhecimento dos professores acerca dos efeitos e resultados da retenção é baixo independentemente do ano lecionado não havendo correlação significativa entre o conhecimento e a prática da retenção. No estudo de Bonvin (2003) não foi encontrada uma relação direta entre as atitudes dos professores em relação às causas gerais do insucesso escolar e à própria prática, embora os professores que valorizavam o papel do professor e o ensino como causas mais

58 importantes de insucesso escolar tinham menor probabilidade de ter atitudes positivas em relação à retenção. Os professores que assumiam a responsabilidade pelo sucesso e insucesso escolar, bem como os professores que reconheciam os efeitos da seletividade ou estrutura do sistema, pareciam demonstrar mais atitudes negativas em relação à retenção escolar. Os autores realçaram que diferentes atitudes e representaç~oes relativas à aplicação da retenção conduziam a diferentes resultados nos processos e comportamentos na tomada de decisão dos professores.

Bonvin et al. (2008), num estudo realizado na Suíça, nas escolas de língua alemã e francesa, demonstraram que a retenção não depende somente do desempenho académico dos alunos, mas também das atitudes e avaliações dos professores. Através de regressões logísticas, foram identificadas quatro variáveis na tomada de decisão da aplicação da medida de retenção: atitude em relação à retenção, julgamento do potencial intelectual, julgamento da maturidade de desenvolvimento e expectativas versus realização na área da linguagem que, tendo em conta os alunos com baixo desempenho, os alunos retidos, são a) alunos considerados imaturos pelos seus professores, b) alunos cujo potencial cognitivo é subestimado pelos seus professores c) cujo desempenho académico é subestimado pelos seus professores e d) alunos cujos professores têm uma atitude positiva em relação à retenção escolar. Conclui-se desta forma que as avaliações dos professores influenciam grandemente o processo de tomada de decisão sendo que no presente estudo 81,5% das retenções deveu-se às quatro variáveis supracitadas. É reforçada ainda a ideia de que um professor que demonstre uma atitude positiva face à retenção e à sua eficácia tende a decidir favoravelmente acerca desta medida. Bonvin (2003) corrobora esta ideia tendo referido ainda que os professores que adotam mais frequentemente esta medida são os que valorizam o desempenho académico como critério decisivo.