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Expetativa e motivação dos alunos e dos pais sobre a carreira académica

Capítulo II. A retenção escolar

II. 2A retenção enquanto processo

II.6 Expetativa e motivação dos alunos e dos pais sobre a carreira académica

Sewell, Haller e Portes (1969) desenvolveram um modelo, designado por Wisconsin, que enfatiza os antecedentes sociais psicológicos e sociais da educação e realização ocupacional. É proposta uma sequência causal que começa na posição de estratificação dos pais e na capacidade cognitiva do indivíduo. A partir daí, a pessoa age

33 para o desempenho escolar, posteriormente para os níveis de aspiração educacional e ocupacional e, finalmente, para as realizações educacionais e ocupacionais. Este modelo foi inicialmente introduzido numa amostra do sexo masculino numa quinta em Wisconsin que descreveu os processos pelos quais as “vantagens e desvantagens” familiares são perpetuadas durante gerações e que os processos de socialização familiar e escolar são os principais mecanismos que relacionam as origens sociais com o estatuto na idade adulta. Pelos mesmos autores, foi ainda evidenciado que através do relacionamento com professores, familiares e amigos, e auto reflexivamente em reação ao seu próprio registo de desempenho escolar, os jovens formam expectativas em relação à sua escolaridade futura e perspetivas de carreira que por sua vez os “orientam para destinos” educacionais e profissionais estratificados. Os dados PISA 2015 corroboram esta ideia quando evidenciam que os fatores que moldam as expectativas dos alunos são fundamentalmente a influência das pessoas que os rodeiam, o desempenho académico anterior, a flexibilidade relativa dos sistemas escolares e o grau de seletividade das instituições do ensino superior. Acrescentam ainda que as expectativas dos alunos em relação ao futuro influenciam tanto o que pretendem estudar como as atividades que desenvolvem (OECD, 2017). Justino et al. (2016) confirmam esta ideia quando evidenciam que a relação entre a origem social e o sucesso escolar não advém exclusivamente do conhecimento que os alunos adquirem no seu seio familiar, mas também da socialização familiar mais alargada na qual se transmitem expectativas de vida associadas a diferentes posições de classe bem como à função da escola nessas expectativas. A partir daí sucedem-se as diferentes relações dos alunos com a escolaridade em geral, sobretudo em termos de importância atribuída à frequência da escola e ao valor da escolarização.

Baseado no modelo de Wisconsin e no facto de o mesmo fundamentar que o desempenho académico e a influência de outros influenciam as expectativas educacionais, Bozick, Alexander, Entwisle, Dauber e Kerr (2010) realizaram um estudo que analisou se as mudanças de pensamento nos jovens acerca do ensino superior correspondem às mudanças que ocorrem no seu desempenho escolar e ao apoio recebido pelos pais. Os autores referem que quando as experiências da pessoa no grupo social imediato bem como as dos outros elementos de contacto são homogéneas, os

34 critérios de sucesso e os caminhos para o sucesso são claros. Por outro lado, os modelos e as experiências heterogéneas, produzem caminhos menos definidos e consequentemente com resultados menos definidos. As diferenças na experiência de vida são moldadas pela posição que a pessoa ocupa na estrutura social e envolvidas nos processos de estratificação intergeracional. No referido estudo, constatou-se que mais de metade da amostra de alunos do estudo diminuiu a expectativa de ingressar no ensino superior entre o 4.º e o 11.º ano de escolaridade. O maior declínio nesta expectativa ocorreu no final do ensino médio (equivalente ao 9.º ano de escolaridade) antes de ingressarem no ensino secundário. Como conclusões, os autores afirmam que “Os jovens respondem aos sinais relevantes em casa e na escola e ajustam suas expectativas conforme as mesmas” e que as experiências em casa, na escola e no mundo em geral, incluindo as do desempenho académico, os desejos dos pais e as condições de vida diária são tecidas de acordo com o estatuto socioeconómico da família.

Klapproth e Schaltz (2014) destacam que os alunos retidos são os que mais provêm de contextos socioeconómicos mais desfavorecidos e os que mais optam por frequentar cursos vocacionais ou profissionais. Flores et al. (2013) referem igualmente que os cursos profissionalizantes são especialmente mais atrativos para os alunos com um percurso já pautado pelo insucesso escolar tendo em conta as suas expectativas (neste estudo mais de 70% dos alunos do grupo de não repetentes ambiciona ir para a universidade contrapondo com 30% dos alunos que já foram retidos).

Em 2015, em todos os países e economias, os estudantes com baixo índice socioeconómico tinham menor probabilidade de concluir o ensino universitário comparativamente aos alunos com o referido índice mais elevado. A falta de recursos económicos e a escassez de meios que lhes permita ingressar no ensino universitário podem prejudicar as aspirações dos estudantes com baixo índice socioeconómico que consequentemente acarreta consequências negativas no investimento no seu percurso escolar. A Costa Rica e a República Dominicana são os únicos países em que a diferença relativamente à expectativa de concluir o ensino universitário entre estudantes com baixo ou com elevado índice socioeconómico é inferior a 10 pontos percentuais. Na China, na República Checa, na Hungria, na Lituânia, na Polónia, em Portugal e em Espanha, essa diferença é superior a 50 pontos percentuais (OECD, 2017).

35 A propósito dos contextos social e profissional da família do aluno, Lahaye et al. (2001) evidenciam que os mesmos influenciam as representações que os têm alunos relativamente às relações entre a escola e a família. Os autores concluem que quando um aluno deseja ter um emprego de prestígio e quando sua família próxima tem empregos de prestígio, os jovens tendem a defender uma política dinâmica de relações escolares e familiares, centrada na melhoria da comunicação entre ambas. Por outro lado, os alunos que não referem empregos de prestígio e quando não existe uma profissão de prestigiada na família, questionam qual o tipo de vantagem que podem ter com uma relação de proximidade entre a escola e a família.

Andrew (2014) observou um efeito causal entre a retenção nos primeiros anos de escolaridade e a conclusão do ensino secundário. Esses efeitos operam, em grande parte, através do desempenho e das expectativas académicas dos alunos nos ciclos seguintes, sugerindo que os alunos superam esses efeitos mais cedo ou mais tarde ao longo da sua carreira académica. A superação deste facto marcante foi considerada um passo importante na carreira académica dos alunos devido aos seus efeitos negativos ao longo da escolaridade. O autor demonstrou que os alunos retidos que alcançaram um desempenho semelhante aos seus pares no final do 3.º CEB, sofreram menos consequências negativas no seu percurso educacional posterior. Também evidenciou que os alunos que apresentavam desempenhos semelhantes aos seus pares e boas expectativas, apresentavam menores efeitos negativos fruto da retenção de que foram alvo nos primeiros anos de escolaridade.

No estudo de Cham, Hughes, West e Im (2015) não foram encontradas evidências de que a retenção no 1.º CEB tivesse efeitos negativos na motivação geral dos alunos para a obtenção do 9.º ano de escolaridade. Os mesmos autores acrescentam ainda que, concretamente no ponto crítico da transição para o ensino secundário, não foram encontrados efeitos negativos da retenção no 1.º CEB sobre a motivação geral dos alunos para completar o ensino secundário e prosseguir o ensino pós-secundário. No entanto, é evidenciado que este facto deve ser interpretado à luz da limitação da medida de motivação usada por dois motivos. Primeiro porque, apesar de os alunos serem os melhores relatores daquilo que acreditam ser a sua própria competência e valorização da educação, as suas representações acerca do contexto social (ou seja, as

36 aspirações educacionais dos colegas e as convicções de competência dos professores e dos pais e as expectativas educacionais) podem ser tendenciosas em relação à perspetiva dos outros. Segundo, pelo facto de a medida de motivação usada, ser constituída por poucos itens de apoio dos pais e como tal não pode ter sido totalmente representado, no entanto os autores consideram que apesar de não identificarem efeitos negativos da retenção na motivação dos alunos para alcançarem o 9.º ano de escolaridade, não pode ser excluída a possibilidade de os alunos retidos terem menor probabilidade de completar o ensino secundário. Apesar das evidências do estudo anterior, o relatório PISA 2015 afirma que os alunos que demonstram maiores níveis de motivação (por exemplo: "Eu quero notas altas na maioria ou em todas as minhas disciplinas", "Eu vejo-me como uma pessoa ambiciosa" ou "Eu quero ser um dos melhores alunos da minha turma") apresentam menor probabilidade de retenção comparativamente aos alunos que demonstram níveis mais baixos de motivação relativamente ao estudo (OECD, 2016b). O mesmo relatório fornece indicadores acerca da motivação dos alunos para alcançar tanto objetivos escolares como pessoais. Os alunos do género feminino atribuem maior motivação para alcançar objetivos escolares enquanto que os alunos do género masculino relatam maior ambição e competitividade. Em média, nos países da OECD, 68% dos alunos do género masculino e 62% dos alunos do género feminino relatam que aspiram ser os melhores independentemente do que já fizeram anteriormente (OECD, 2017). É igualmente descrito que o estatuto socioeconómico dos alunos também se relaciona à ambição pessoal e à motivação para alcançar objetivos. Verificou-se que alunos com menor estatuto socioeconómico apresentavam menor motivação comparativamente aos alunos com estatuto mais elevado. No entanto, apesar de os alunos imigrantes poderem ser oriundos de estatutos socioeconómicos desfavorecidos constatou-se que demonstravam ambição em ter sucesso e que na maioria dos casos igualava ou superava os alunos que são nativos do país anfitrião.

Hughes, Kwok e Im (2013), que analisaram o efeito da retenção no 1.º ano de escolaridade sobre as expectativas dos pais concluíram que a mesma tem um efeito negativo sobre as expectativas dos mesmos no ano subsequente (2.º ano) e que se mantém no ano seguinte (3.ºano). Foi descrito pelos autores que os pais dos alunos

37 retidos são confrontados com a realidade objetiva do fracasso quando os seus filhos não transitam de ano e como resposta criam expectativas descendentes acerca dos mesmos. Por sua vez, este aspeto tem um efeito negativo sobre a realização dos seus filhos ao nível da leitura e matemática bem como na competência cognitiva percecionada pelos alunos.

Jacomini (2010) conclui que, em certo sentido, os pais e os alunos depositam na retenção a expectativa de realizar um ensino de qualidade. Pode supor-se que esta forma de interpretar o processo ensino-aprendizagem, é muitas vezes reforçado por discursos e práticas de uma escola que ainda pratica o ensino segmentado e mantém a prática de retenção. Permanecer na escola, apesar do insucesso sucessivo, é um indica- dor da expectativa de que poderão aprender e da ideia do seu direito à educação aliado à obrigatoriedade do ensino.