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Desigualdades territoriais da retenção

Capítulo VI. Contexto Educativo Português

VI.4 Desigualdades territoriais da retenção

Justino et al. (2014) identificaram os contextos do território nacional onde o abandono e insucesso escolares são mais expressivos. Portugal é marcado por fortes desigualdades sociais devido sobretudo a uma desigual distribuição do capital humano proveniente da escolarização, notoriamente marcante quando são analisadas as zonas urbanas e rurais, norte e sul ou o interior e litoral. O abandono e o insucesso escolares refletem a ineficácia social da escola e do sistema de ensino que se devem a fenómenos multifatoriais nomeadamente as desigualdades sociais e os elevados níveis de pobreza de base familiar onde, de acordo com os autores pode dever-se ainda ao:

… efeito da atração do mercado de trabalho sobre os baixos níveis de qualificação, o papel da escola na capacitação dos alunos, a criação de expectativas mais ou menos favoráveis a uma transição favorável para a vida ativa, o papel das comunidades locais na produção de oportunidades, entre tantos outros que poderão ser aduzidos. (Justino et al., 2014, p. 6).

Pereira e Reis (2012) constataram igualmente que as regiões com níveis de desempenho intermédio ou baixo apresentam uma composição sócio económica

119 desfavorável, uma maior proporção de repetentes e uma prevalência de alunos no 9º ano de escolaridade ou em graus inferiores (em detrimento do 10º ano).

Ao longo do tempo, o contexto socioeconómico das escolas praticamente não sofreu alterações dado que em 2003, 16% das escolas se inseriam em meios socioeconómicos favoráveis, em 2012 esta percentagem subiu para 20% (Ferreira et al., 2017) e em 2015 manteve-se (CNE, 2017). Do total de escolas que se situam em meios mais favorecidos, apenas 3% tiveram resultados abaixo dos 500, não obstante, muito próximos do referido valor. Em 2012, 80% da amostra das escolas básicas e secundárias estavam inseridas em contextos socioeconómicos desfavoráveis. Ainda assim, algumas destas escolas conseguiram melhorar os seus resultados, dado que se observou uma evolução da taxa de resultados abaixo dos 500 pontos entre 2003 e 2012, de 65% para 46% respetivamente (Ferreira et al., 2017). Em 2015 verificou-se um ligeiro aumento de escolas que se encontravam inseridas em contextos mais favorecidos, de 20% em 2012 para 22% e destas, apenas 1% ficou abaixo dos 500 pontos. As escolas com classificações “acima do esperado” representam 32% sendo que as escolas inseridas em meios desfavorecidos e com baixos resultados situam-se nos 44%, uma ligeira diminuição comparando com os resultados de 2012 (Ferreira et al., 2017). Pelos resultados apresentados torna-se evidente que existem escolas inseridas em contextos menos favorecidos que realizam um trabalho acima do que seria expectável (CNE, 2017; Ferreira et al., 2017; Flores et al., 2015). O CNE (2017) salienta que apesar de o ESCS ser um indicador com elevada correlação ao desempenho académico, existem escolas capazes de contrariar este facto.

Pereira e Reis (2012) afirmam que as escolas desempenham um papel fundamental na explicação das diferenças territoriais no sucesso escolar. Justino et al. (2014) evidenciam que o cerne da questão é perceber como se combinam estes diferentes fatores que, mesmo gerando resultados semelhantes, não se manifestam de forma igual em todos os contextos sociais e espaciais. Justino et al. (2017) acrescenta que a escola pode marcar a diferença dado que contextos socialmente desfavoráveis obtêm bons resultados escolares. Evidenciam ainda que há escolas que conseguem superar os constrangimentos sociais e acrescentar valor na aprendizagem dos alunos,

120 situam-se estas escolas fundamentalmente nas periferias das grandes cidades e no norte litoral apesar de existirem outras dispersas por todo o país.

Quando se comparam variáveis entre escolas com resultados “acima do esperado” e escolas com resultados “esperados negativos”, verifica-se que o sucesso está associado à motivação dos professores, à valorização dos professores pela direção, à existência de atividades extracurriculares, à qualidade das instalações e recursos e à capacidade de gerir o orçamento da própria escola. A prática da retenção bem como a constituição de turmas de nível são as medidas mais praticadas por escolas com resultados abaixo dos 500 pontos (Flores et al., 2015). A grande diferença de desempenho entre escolas inseridas em meios socioeconómicos desfavorecidos reside na atitude dos professores, dos diretores e dos alunos. As escolas com melhor desempenho, “acima do esperado”, são as que têm diretores mais preocupados com a definição e comunicação de objetivos e cuja principal preocupação se centra na intervenção em problemas imediatos dos dia-a-dia. Os professores destas escolas tendem a manifestar menor resistência à mudança. Quanto aos alunos, destaca-se a motivação, a maior facilidade de adaptação aos diversos tipos de professor e à maior autonomia e competência na utilização de novas tecnologias (Ferreira et al., 2017). No ponto de vista dos diretores, os professores de escolas com resultados baixos encontram-se muito desmotivados, contrariamente aos das escolas com resultados elevados o que pode significar, na opinião dos mesmos que os resultados dos alunos se relaciona com a motivação dos professores (Flores et al., 2015). Ferreira et al. (2017) referem que o comportamento dos alunos tende a ser pior nas escolas com baixos resultados devendo ser alvo de reflexão acerca de como o melhorar dado que conduz a indisciplina, faltas de respeito, agressividade e consumos de álcool e drogas. Este comportamento influi nos resultados e em toda a comunidade escolar, no entanto, esta culpa não pode recair apenas sobre o meio socioeconómico e cultural de onde são originários os alunos uma vez que existem escolas em meio similares onde não se verifica tais comportamentos e resultados.

Pereira e Reis (2012) que estudaram as diferenças regionais no nível e desigualdade do desempenho escolar em Portugal, constataram a existência de uma acentuada variação regional no que respeita à retenção em Portugal concluindo por isso

121 que, dada a heterogeneidade, não se pode presumir que a retenção aconteça apenas devido às disparidades nas capacidades inatas dos alunos considerando que poderão estar associados outros fatores tais como a família, a escola e até mesmo a região. A análise dos autores permitiu-lhes afirmar que as regiões com mais baixos níveis de sucesso estão, regra geral, mal posicionadas em termos de indicadores familiares existindo exceções em que o desempenho nem sempre acompanha as variáveis socioeconómicas. Exemplo disso é o facto de neste estudo ser evidenciada a presença de alguma influência de disparidades regionais relativamente à forma como a educação é valorizada e sublinham que a análise da desigualdade no desempenho intra-região e entre-regiões evidencia alguma heterogeneidade territorial, a qual parece ter principalmente origem nos alunos e nas famílias. Também no Atlas da Educação (Justino et al., 2014, 2015) é destacada a influência positiva do capital escolar das famílias dos alunos. Na atualização deste documento é constatado o mesmo, mas à escala dos agrupamentos de escola dos diferentes concelhos de Portugal. A análise realizada pelos autores destaca, pela negativa, a carência de capital económico na variação das classificações em exame à escala concelhia, ou seja, o facto de o indicador de escolaridade das mães ter maior efeito preditivo comparativamente à carência económica indica um efeito mais seletivo do elevado capital escolar familiar do que o do baixo capital económico da família de origem (Justino et al., 2016).

Justino et al. (2017) avançam com duas hipóteses explicativas para bons resultados escolares verificados em contextos socialmente desfavoráveis. A primeira hipótese refere-se à disponibilidade de recursos bem como à forma como são mobilizados e organizados nas escolas para a promoção da qualidade das aprendizagens. No entanto, a análise realizada pelos autores permitiu-lhes concluir que o peso das variáveis organizacionais é menor comparativamente às variáveis sociais. Estas variáveis organizacionais são concretamente a dimensão dos agrupamentos, especialização no ensino regular a dimensão das turmas e a estabilidade do corpo docente. Relativamente à dimensão das turmas não é possível concluir aos autores que o aumento ou redução do número de alunos por turma possa melhorar ou aumentar os resultados. Quanto à estabilidade do corpo docente, a análise por ciclos permitiu aferir que, quanto maior é o nível de ensino, maior é a concentração dos docentes do quadro

122 nas áreas metropolitanas e na faixa litoral a norte do Tejo. No 1.º CEB, os docentes do quadro mais jovens concentram-se em áreas mais urbanizadas enquanto que nas zonas rurais predominam os docentes com mais idade e tempo de serviço, enraizados em contextos locais que não propiciam a renovação. Os autores acrescentam ainda que:

“nos ciclos de escolaridade mais elevados, a lógica de distribuição dos docentes se orienta pela procura de zonas mais urbanizadas, mais próximas do litoral e onde se localizam as escolas com melhores desempenhos. Há, assim, um duplo efeito de discriminação das escolas, devido, por um lado, à procura das famílias, e por outro à preferência dos docentes, que tendem a concentrar as suas escolhas nas áreas urbanas e, dentro destas, nas escolas mais reputadas, em detrimento das que se inserem em contextos sociais periféricos e mais desfavorecidos.” (Justino et al., 2017, p. 9)

A segunda hipótese explicativa é designada pelos autores por cultura organizacional escolar que engloba conceitos como a organização e a particular forma de afirmação e distinção dos valores, dos princípios, normas e símbolos que caracterizam a escola. A diferença entre escolas poderia residir nos processos e nas práticas mais ou menos explícitas que conduziriam a uma diferente apropriação dos recursos e a potenciar aprendizagens de qualidade. No entanto, os autores não identificaram diferenças significativas na cultura escolar apontando para uma certa homogeneidade de culturas independentemente do contexto escolar onde se inserem os estabelecimentos de ensino, dos indicadores organizacionais e dos resultados obtidos pelos seus alunos.

Pereira e Reis (2012) verificaram a existência de diferenças regionais no desempenho educativo medido pelas pontuações do PISA, diferenças essas que vão ao encontro das discrepâncias nas características sócio económicas e indicadores de escolaridade entre as regiões portuguesas. Também no estudo de Justino et al. (2014) é referido que as desigualdades educativas constituírem uma razoável aproximação às desigualdades sociais constatando que as classes médias escolarizadas se concentram em concelhos mais urbanizados e que os concelhos do interior esta distribuição é mais desigual devido ao facto de existirem estratos populacionais mais envelhecidos e com níveis de escolarização muito reduzidos.

123 Em termos de distribuição geográfica em Portugal verifica-se que as taxas de atraso no 1.º ciclo em 2011 apresentam maior predominância no Vale do Douro, na Beira interior, na Lezíria do Tejo, na Área Metropolitana de Lisboa, no Alentejo e no Algarve. No 2.º e 3.º ciclo, a predominância mantém-se nas mesmas zonas geográficas, mas de forma mais acentuada. O nível secundário segue o mesmo padrão, mas destaca- se que as zonas do Alentejo e da Região Autónoma dos Açores apresentam taxas de atraso escolar em 2001 superiores às observadas 20 anos antes (Justino et al., 2014, 2017). As taxas de atraso dos alunos que frequentam cada ciclo de escolaridade, indicador da acumulação do insucesso escolar entre a população que frequenta esse ciclo, não apresentam o mesmo dinamismo. Apesar de decrescentes, a sua diminuição foi ténue, tendo sido constatada uma forte persistência da retenção logo desde os ciclos iniciais de escolaridade. Em 2011, 13% dos alunos que frequentavam o 1.º CEB tinham idade superior à considerada dentro dos parâmetros para a sua conclusão sendo que esta taxa ascendeu para 39% no ensino secundário concluindo os autores que se deve fundamentalmente ao aumento da resiliência dos alunos face ao abandono escolar (Justino et al., 2017). Os mesmos autores evidenciam ainda a marcada diferença de género, com menores taxas de atraso no género feminino que, apesar de ter diminuído em 2011 nos três ciclos do ensino básico, aumentou de forma acentuada no ensino secundário.

Justino et al. (2014) caracterizaram os contextos geográficos locais a nível concelhio de Portugal Continental. Num contexto de escolarização desigual, os autores identificaram três pilares: o atraso educativo (enquanto variável de aproximação à retenção escolar), o abandono e os resultados escolares expressos pelas classificações dos exames do 9º ano de escolaridade e do ensino secundário o que lhes permitiu a referida caracterização. Neste sentido, os autores sistematizaram os resultados de cada um destes pilares, combinando-os de forma a identificar conjuntos de concelhos com características similares recorrendo para isso à análise de clusters como método mais adequado à constituição de grupos de concelhos.

Em 2015, o Atlas da Educação sofre uma atualização concluindo que não houve uma alteração significativa na configuração dos clusters uma vez que se manteve uma distribuição semelhante à identificada na edição de 2014 dado que a única variável

124 alterada para a definição dos referidos clusters foi a dos resultados escolares, substituindo-se a média observada no período 2008-2012 pela média dos índices de classificações para o período 2009-2014 (Justino et al., 2015). Assim sendo, importa descrever a atualização dos autores relativa ao Atlas 2015 para melhor entendimento dos clusters onde se inserem os concelhos de Portugal.

O primeiro indicador reporta-se à média do período compreendido entre 2009 e 2014. Cada intervalo de valores da média é classificado em scores segundo a seguinte escala:

“score “bom”, os casos em que a média do concelho nos anos considerados é

igual ou superior à média nacional da prova (valor 100);

score “sofrível”, os casos em que a média do concelho nos anos em análise é

inferior à média nacional da prova, com um desvio negativo até 5%, inclusive;

score “em risco”, os casos em que a média do concelho nos anos em análise é

inferior à média nacional da prova, com um desvio negativo superior a 5% e inferior a 15%;

score “mau”, os casos em que a média do concelho nos anos em análise é inferior

à média nacional da prova, com um desvio negativo igual ou superior a 15%.” (Justino et al., 2015, p. 29)

O segundo indicador reporta-se ao declive, que resume a progressão desses mesmos resultados. À semelhança da média, os intervalos de valores do declive correspondem a diferentes scores:

“score “bom”, os casos em que o declive do concelho foi igual ou superior a 2,

ou seja, uma progressão tendencial positiva de 2% ou mais por ano;

score “sofrível”, os casos em que o declive do concelho foi inferior a 2 e superior

a 0, ou seja, uma progressão tendencial positiva, mas fraca;

score “em risco”, os casos em que o declive do concelho foi nulo ou negativo

mas superior a –2, ou seja, uma progressão tendencial estagnada ou fracamente negativa;

125 Figura 1: Scores atribuídos à tendência, segundo as combinações dos scores da média e do declive

score “mau”, os casos em que o declive do concelho foi negativo e igual ou

inferior a –2, ou seja, uma progressão francamente negativa, com decréscimo tendencial de 2% ou mais por ano.” (Justino et al., 2015, p. 31)

O terceiro indicador, evidenciado na Figura 1, refere a tipologia que os autores denominaram por tendência, que considera em simultâneo a posição no aproveitamento escolar, relativa aos valores nacionais (a média dos índices), e o sentido da sua progressão ao longo dos anos considerados (o declive).

Fonte: Justino et al. (2015)

Desta forma os concelhos os clusters caracterizam-se da seguinte forma:

“Cluster 1 – vermelho: Totaliza 68 concelhos de Portugal Continental com

classificações do 9º ano situadas abaixo do estimado segundo o indicador socioeconómico (média de –2,39) e taxas de atraso superiores à média, sobretudo no 3º ciclo (média de 33,52, para um valor nacional de 29,66). As características principais deste grupo são então o insucesso relativo e o elevado atraso escolar.

Cluster 2 – Verde: Este conjunto, com 64 concelhos, tem claramente como elemento

identificador o sucesso relativo, na medida em que as classificações do 9º ano se situam acima do estimado (média de 4,03), as taxas de atraso são bastante próximas das nacionais e o abandono está abaixo do estimado (média de -0,28).

Cluster 3 – Laranja: Este conjunto integra 35 concelhos e distingue-se sobretudo

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de 1,29), caracterizando-se assim por um abandono acima do estimado. As taxas de atraso situam-se ligeiramente acima da média nacional, enquanto as classificações de exame são próximas do estimado pelo indicador socioeconómico.

Cluster 4 – Roxo: Reúne apenas 9 concelhos que combinam um atraso bastante

acima da média nacional e particularmente acentuado no 1º ciclo (média de 20,66, enquanto a média nacional é de 13,49) e abandono claramente inferior ao estimado (média de –0,74). As classificações de exame são ligeiramente acima do estimado tendo em conta as características socioeconómicas. Os seus traços distintivos são o atraso elevado e o abandono abaixo do estimado.

Cluster 5 – amarelo: Este cluster integra 102 concelhos que conciliam taxas de atraso

abaixo da média com classificações de exame e abandono próximos do estimado. Têm um atraso reduzido, com abandono e resultados perto do estimado.” (Justino et al., 2015, p. 38, 39, 40)

De acordo com estes resultados, os autores supracitados evidenciam que no cluster Vermelho (insucesso relativo e elevado atraso escolar), a tendência de evolução dos resultados deste conjunto de concelhos foi maioritariamente “em risco” (41%) ou mesmo “má” (41%). Contrariamente a este cluster, a maioria dos concelhos do cluster Verde (Sucesso relativo) teve uma tendência de evolução positiva e 36% deles estão classificados no score “bom”. No cluster Laranja (Abandono acima do estimado), aproximadamente 43% dos concelhos deste grupo tiveram uma tendência de evolução de resultados classificada no score “mau”. Também se verifica uma percentagem considerável com uma tendência de evolução “em risco” (26%) e, em igual expressão, com uma tendência positiva de baixa intensidade (“sofrível”, 26%). No cluster de menor dimensão, o Roxo (Atraso elevado e abandono abaixo do estimado), a maior parte dos concelhos revela uma tendência de evolução negativa (5 em 9 no score “mau” e 2 no score “em risco”). Por fim, no cluster Amarelo (Atraso reduzido, abandono e resultados próximos do estimado), os concelhos distribuem- se principalmente entre os scores “sofrível” (32%) e “em risco” (30%) na tendência de evolução de resultados, referindo- se que cerca de 24% dos concelhos deste cluster estão classificados no score “bom” da tendência.

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