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A prova documental no contencioso tributário clássico

Sumário 1 Concretização do objecto de estudo 2 Da relação de proximidade entre a prova do cumental e as garantias dos contribuintes 3 A prova documental 3.1 A prova documental no

2 Da relação de proximidade entre a prova documental e as garantias dos contri buintes

3.1 A prova documental no contencioso tributário clássico

3.1.1. Enquadramento legal

Previamente à análise da questão que nos propomos abordar, um esclarecimento pa- rece justificar-se: para os efeitos a que nesta sede se faz referência, o contencioso tribu- tário clássico tem por referência o processo de impugnação judicial, regulamentada pelo CPPT, cujo objecto é a contestação, entre outros, do acto tributário de liquidação.21

No que concerne ao momento da produção da prova documental, o CPPT fixa, no nº 2 do seu artigo 108º que, com a petição, o Impugnante requererá as demais provas que não dependam de ocorrências supervenientes. O mesmo diploma estabelece, ainda, no nº 1 do seu artigo 115º, que são admitidos os meios gerais de prova, reportando-se depois mais em detalhe ao valor das informações oficiais, as quais, ao abrigo do artigo 115º, nº 2 do do CPPT, apenas têm força probatória quando devidamente fundamen- tadas, de acordo com critérios objectivos, sendo sempre notificadas ao Impugnante logo que juntas, em conformidade com o disposto no nº 3 do mesmo dispositivo legal.

Subsidiariamente, é aplicável ao contencioso tributário o disposto no Código de Pro- cesso nos Tribunais Administrativos,22 tal como determina a alínea c) do artigo 2º, do CPPT (o qual sempre será o diploma directamente aplicável se em causa estiver uma ac- ção administrativa que vise contestar um acto administrativo em matéria tributária que não importe a apreciação da legalidade da liquidação). Nos termos do artigo 79º, nº 3 do CPTA, a prova documental terá de ser junta com a petição inicial, sendo que, no caso de ser alegado motivo justificativo, permite o nº 4 do mesmo preceito que seja fixado prazo ao autor para a junção de documentos que não tenha podido obter em tempo.23

01803/13, no qual se pode ler que “(…) este Supremo Tribunal Administrativo tem usado um critério de grande flexibilidade na interpretação do pedido quando, em face das concretas causas de pedir invocadas, se possa intuir — ainda que com recurso à figura do pedido implícito — qual a verdadeira pretensão de tutela jurídica”.

21 Cf. alínea a) do nº 1 do artigo 97.º do CPPT. No que se refere aos actos que não compor-

tam apreciação da legalidade do acto de liquidação, a acção administrativa é o meio processual do qual se deve lançar mão para discutir a respectiva legalidade — cf. alínea p) do nº 1 do artigo 97º do CPPT.

22 Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).

23 Esta norma refere-se à extensão do prazo para apresentação dos documentos que devem

obrigatoriamente acompanhar a petição inicial, nos termos dos restantes nºs do mesmo artigo (por exemplo, quando seja deduzida pretensão impugnatória, o documento comprovativo da emissão da norma ou do ato impugnados), excepto no que se refere ao documento comprovativo de pagamen-

De aplicação subsidiária ao contencioso tributário é também o Código de Processo Civil,24 tanto no que respeita à impugnação judicial (por via da remissão contida na alí- nea e) do artigo 2º do CPPT), como no que concerne à acção administrativa (por força do disposto no artigo 1º, do CPTA), encontrando-se a matéria da prova documental regulada pelos artigos 423º e seguintes do CPC.

De acordo com o disposto no nº 1 daquele dispositivo, os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes. Estabelece o nº 2 do artigo 423º que, se não forem juntos com o articulado respectivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, sendo a parte condenada em multa, excepto se provar que os não pôde oferecer com o articulado. O nº 3 do mesmo preceito determina, ainda, que após o limite temporal previsto no nº 2, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.

Acresce que, nos termos do artigo 425º, do CPC, depois do encerramento da discus- são só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha

sido possível até àquele momento.

O artigo 427º do CPC preceitua, ainda, que sempre que o documento seja oferecido com o último articulado ou depois dele, a sua apresentação é notificada à parte contrária, salvo se esta estiver presente ou o documento for oferecido com alegações que admitam resposta. Deste modo, a lei prevê que seja dada oportunidade à parte contrária para se pronunciar sobre os documentos juntos, assegurando-se o exercício do contraditório.

Diríamos, em suma, cuidando unicamente do regime do CPC e sem proceder às necessárias adaptações na sua aplicação ao processo judicial tributário, que a apresenta- ção de documentos, em primeira instância, é possível em três ocasiões distintas: com a apresentação do articulado respectivo (como regra); até 20 dias antes da audiência final, caso em que será a parte25 condenada em multa, a não ser que demonstre que não pôde oferecer os documentos com o articulado; após a audiência final, nos casos em que a apresentação não tenha sido possível até àquele momento ou em que se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.

to da taxa de justiça, cuja falta de junção tem como consequências as previstas na alínea d) do nº 1 do artigo 80º do CPTA. De todo o modo, “[n]ada parece obstar, por outro lado, a que a concessão de prazo para a junção de documentos de torne extensiva a documentos de apresentação facultativa (…) que se destinam a fazer prova dos fundamentos do pedido. Tratando-se de documentos não obrigatórios, a sua não apresentação com a petição inicial não preclude a possibilidade de serem juntos num momento posterior, mormente na fase de produção de prova” — cf. ALMEIDA, Má- rio Aroso de; CADILHA, Carlos Alberto Fernandes. Comentário ao Código de Processo nos Tribunais

Administrativos. 3.ed. Coimbra: Almedina, 2010. p. 521. 24 Código de Processo Civil (CPC).

25 Termo que poderá utilizar-se nesta sede, muito embora seja duvidoso que seja o mais acer-

tado quando em causa esteja o contencioso tributário. A este propósito, rejeitando o conceito de parte no contencioso tributário, cf. SANCHES, J. L. Saldanha, op. cit. , 1987, p. 30 e 31.

Vejamos em que termos têm a doutrina e os tribunais entendido que deverá operar a transposição deste conjunto de regras, mutatis mutandis, para o contencioso tributário.

3.1.2. Enquadramento doutrinal e jurisprudencial

Estabelecido o quadro legal vigente quanto ao momento para apresentação dos do- cumentos nos vários diplomas aplicáveis no âmbito do contencioso tributário, importa apurar de que forma tem sido esta questão solucionada no âmbito do contencioso tribu- tário dito clássico.

A propósito do disposto no artigo 108º, do CPPT, acima mencionado, refere Jorge Lopes de Sousa que “[p]ode ser feita, posteriormente, a junção de documentos, até ao encerramento da discussão da causa na 1ª instância, que ocorrerá com o termo do prazo para as alegações previstas no art. 120º do CPPT. Porém, esta junção tardia, se o impug- nante não provar que não os pôde apresentar com a petição, implicará o pagamento de uma multa (art. 523º, nº 2, do CPC). No entanto, os documentos destinados a provar factos posteriores à apresentação da petição ou cuja apresentação se tenha tornado ne- cessária por virtude de ocorrência posterior, podem ser oferecidos em qualquer estado do processo (art. 524º, nº 2 do CPC)”.26 O mesmo Autor reporta-se ainda, em anotação ao artigo 120º do CPPT, a um dos Acórdãos do STA a que adiante faremos menção,27 no qual se entendeu aconselhar o princípio do inquisitório que se admita a junção aos autos de novos elementos probatórios até ao momento da prolação da sentença.28

Também a este respeito, em comentário ao artigo 99º da LGT, que consagra o prin- cípio do inquisitório, se pronunciaram Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, salientando que “[o] princípio do inquisitório vale para todos os tribunais fiscais que conheçam da matéria de facto, justificando a rejeição da aplicação daquelas normas de processo civil que estabelecem certos momentos para a apresentação dos documentos (cf. arts. 523º, 524º e 706º do CPC), sem prejuízo do sancionamento com multa pela sua apresentação intempestiva”.29

Parece assim reunir-se algum consenso, entre algumas das vozes mais autorizadas da doutrina, quanto à admissibilidade de junção de documentos, em primeira instância, até que seja proferida a sentença.

Igualmente generoso tem sido o entendimento da jurisprudência produzida pelos tribunais superiores, no âmbito do contencioso tributário, a este respeito. Com efeito, é possível identificar no panorama jurisprudencial nacional, Arestos de diferentes datas, situadas num hiato temporal significativamente amplo, que genericamente admitem a 26 Cf. SOUSA, Jorge Lopes de, Código de Procedimento e Processo Tributário anotado e comen- tado. vol. II, 6. ed., Lisboa: Áreas Editora, 2011. p. 214.

27 SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO. Processo nº 01207/02, em 20 de No-

vermbro de 2002.

28 Cf. SOUSA, op. cit., p. 296.

29 Cf. CAMPOS, Diogo Leite et al. Lei Geral Tributária Anotada e comentada. 4.ed. Lisboa:

junção de documentos no âmbito do processo judicial tributário até que seja proferida a sentença. Atente-se, a título de exemplo, na posição vertida em dois Arestos que distam cerca de dez anos entre si.

O primeiro desses Arestos foi proferido pelo STA, no processo nº 01207/02, e data de 20 de Novembro de 2002. No recurso que lhe deu origem, foi posta em causa pelo recorrente a alteração da matéria de facto pelo Tribunal Central Administrativo com base em documentos juntos pela Fazenda Pública nas alegações finais apresentadas em primeira instância, i.e., após o encerramento da fase instrutória do processo. Salientou o STA que compreendia que, à primeira vista, atendendo ao regime decorrente do Có- digo de Processo Tributário30 que era aplicável ao caso e que determinava que provas adicionais fossem oferecidas juntamente com a resposta da Fazenda Pública, bem como às disposições do CPC (concretamente, aos artigos 523º e 524º), se entendesse não ser esta prova admissível sem a alegação e demonstração da impossibilidade de apresentação anterior ou da sua decorrência de ocorrência posterior. Não obstante, realçou este Tri- bunal que, no processo judicial tributário, diferentemente do que sucede no âmbito do processo civil, as fases processuais não são tão vincadamente marcadas, resultando afas- tada a possibilidade de rigorosamente estancar as fases da produção de prova, do debate sobre a matéria de facto e do debate jurídico da causa. Nas palavras do STA, “[n]ão são tão estanques assim os compartimentos no processo tributário. Aqui, o julgamento dos factos e o do direito são efectuados conjuntamente, no mesmo momento e na mesma peça — a sentença (artigo 142º do CPT) –, e às partes é dada uma única oportunidade para se pronunciarem sobre a matéria de facto e a de direito (artigo 139º do CPT)”.31 Mais: de acordo com o entendimento vertido neste Aresto, “os amplos poderes inqui- sitórios atribuídos ao juiz, reflexo do princípio da verdade material, fazem com que, por iniciativa deste, possam ser trazidos ao processo novos elementos de prova, a todo o momento, até à sentença (artigo 40º do CPT). E aquele princípio desaconselha a que se rejeitem novos elementos probatórios, porventura capazes de contribuir para atingir essa verdade, por razões de mera disciplina processual”.32 Em suma, entendeu o STA que em sede de processo judicial tributário se admite a junção de documentos até à prolação da sentença em primeira instância, desde que assegurado o direito do contraditório, consagrado no artigo 415º do CPC, que determina que, salvo disposição em contrário, não são admitidas nem produzidas provas sem audiência contraditória da parte a quem hajam de ser opostas.33

30 Aprovado pelo Decreto-Lei nº 154, de 23 de Abril de 1991 (adiante, “CPT”) e revogado

pelo CPPT, o qual foi aprovado pelo Decreto-Lei nº 433, de 26 de Outubro de 1999.

31 Estabelecendo o paralelo para o CPPT actualmente em vigor, o conteúdo dos artigos 120º

e 123º reproduz justamente o teor dos artigos 139º e 142º do CPT, respectivamente.

32 Os mesmos poderes são conferidos ao juiz nos termos do artigo 13º do CPPT.

33 No mesmo sentido da admissão de documentos até à prolação da sentença, porquanto in-

serida nos amplos poderes inquisitórios assegurados ao juiz no processo judicial tributário e defen- dendo que o princípio do inquisitório desaconselha a que se rejeitem novos elementos probatórios, porventura capazes de contribuir para atingir essa verdade, por razões de mera disciplina processual, veja-se o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), de 1 de Abril de 2003, processo

Mais recentemente, em Acórdão datado de 21 de Fevereiro de 2012, proferido no processo nº 05329/12, entendeu o TCAS de forma idêntica num caso em que o recor- rente sustentou a não admissibilidade de documentos juntos pela Fazenda Pública em sede de alegações finais. Como se pode ler neste Aresto, “A apresentação de alegações estabelece o encerramento da discussão da causa na 1ª instância, mais constituindo o termo final do prazo para apresentação de documentos. Com efeito, de harmonia com o preceituado no art. 523º, nº 2, do C.P.Civil, os documentos podem ser apresentados até ao encerramento da discussão em 1ª instância e este só ocorre após as alegações re- lativas à matéria de facto, como decorre do preceituado nos arts. 652º, nº 5, e 653º, nº 1, do mesmo diploma (aplicável ao processo judicial tributário “ex vi” do art. 2º, al.e), do C.P.P.T.). Por isso, poderão com as alegações ser apresentados documentos, embora o apresentante deva ser condenado em multa, (…) se não provar que não os pôde apre- sentar com o respectivo articulado, tudo nos termos do art. 523, nº 2, do C.P.Civil”34.

Parece-nos ajustada a linha de raciocínio que tem perpassado os diferentes Acórdãos proferidos pelos tribunais superiores no tocante ao momento de apresentação de docu- mentos no contencioso tributário clássico. De facto, a admissão da produção de prova documental até que seja proferida a sentença pelo tribunal de primeira instância surge como um desdobramento lógico da descoberta da verdade material que preside ao pro- cesso judicial tributário e que não deve, por princípio, ser preterida em detrimento do rigor processualista. Cabe-nos, agora, apurar se os mesmos critérios têm guiado a juris- prudência arbitral tributária no que respeita à produção da prova documental.