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Sumário 1 Introdução 2 O Modelo Brasileiro de Jurisdição Administrativa 3 O Protagonismo do Judiciário 4 O procedimento administrativo para o cumprimento de decisões judiciais 5 O

3.1 O regime de proteção do vínculo laboral

Tal como se referiu supra os atuais vínculos de emprego público21entraram em vigor em janeiro de 2009 e emergiram do regime jurídico que lhes antecedeu durante anos - funcionários e agentes (DL nº 427/89) e contratos individuais de trabalho (Lei nº 23/2004) passam a ser os “novos” nomeados (para o exercício de funções de soberania ou autoridade taxativamente previstas na lei) e os contratos de trabalho em funções públicas (que passam a ser o regime regra).

A transição dos antigos funcionários para o regime do contrato de trabalho em fun- ções públicas não se operou sem controvérsia — já que não estava em causa uma mera alteração do léxico. Foi objeto de ampla discussão pública, nomeadamente, no âmbito da concertação social; tem sido objeto de entendimentos diversos pela doutrina:22por exemplo, no entendimento de Veiga e Moura, “produz-se uma alteração unilateral do regime jurídico dos trabalhadores que transitam para a modalidade de contrato de trabalho em funções públicas e até aqui estavam nomeados, os quais perdem o estatuto de funcionário para passarem a seter a qualidade de trabalhador por tempo indeterminado. (...)...esta al- teração unilateral de regime de vínculação não é compatível com o texto constitucional, violando frontalmente o princípio constitucional da proteção da confiança e o direito fundamental de acesso à função pública, podendo-se dizer sumariamente que se “expro- pria”o trablhador de uma qualidade, de um regime e de uma identidade que constituciona- mente lhe é assegurada — a de funcionário público - e que fazia parte integrante do núcleo dos seus direitos adquiridos”.

Já para Miguel Lucas Pires,23em sintonia com alguns constitucionalistas, “(...) dire- mos que nos merece as maiores reservas a retirada daqueles preceitos constitucionais (47º nº 2, 165º nº 1 al t) e 269º da CRP) da obrigatoriedade de um regime autónomo, diverso do que rege as relações laborais privadas, para os tabalhadores da Administração Pública (...). Como escrevem VITAL MOREIRA E GOMES CANOTILHO, (...) ao confiar à Assembleia da República a definição das bases do regime e âmbito da função pública (...) a constituição deixa claramente para a lei a delimitação do seu âmbito objetivo e subjetivo, podendo excluí- -lo, com maior ou menor amplitude, em relação a certas entidades ou serviço ou em relação a determinadas categorias de agentes ou trabalhadores”.

21 Nomeados e contratos de trabalho em funções públicas, conforme artigo 7º e 8º da Lei Ge-

ral do Trabalho em Funções Públicas, doravante apenas LGTFP (Lei nº 35/2014, de 20 de junho).

22 MOURA, Paulo Veiga; ARRIMAR, Cátia. Os novos regimes de vínculação, de carreiras e de re- munerações dos trabalhadores da Administração Pública. 2.ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2010. p. 244 23 PIRES, Miguel Lucas. Os regimes de vinculação e a extinção das relações jurídicas dos traba- lhadores da administração Pública. Portugal: Almedina, 2013. p. 27 e 28.

Por seu turno, e em sede de fiscalização abstrata sucessiva pelo Tribunal Constitu- cional24o entendimento foi no sentido que a transição de vínculo (operada ope legis) não violou qualquer preceito constitucional nem fragilizou a segurança do vínculo daqueles trabalhadores (funcionários ou com vínculo de nomeaçao) face à salvaguarda prevista no nº 4 do artigo 88º da Lei nº 12-A/2008 (estes trabalhadores continuam a ver-lhe aplicado o regime de reorganização de serviços, de colocação em situação de mobilidade especial,25 e de cessação da relação jurídica de emprego público aplicável aos trabalhadores nomeados).

Feito o enquadramento que se impunha para adequada compreensão a matéria em estudo importa, então, esclarecer que aos contratos de trabalho em funções públicas são aplicáveis dois regimes quanto à proteção do vínculo laboral: (1) aos trabalha- dores com contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado que vin- cularam (até 31.12.2008) na Administração Pública pelo regime de nomeação (artigos 4º a 6º do DL nº 427/89) aplica-se, tal como se referiu, a salvaguarda prevista no nº 4 do artigo 88º da Lei nº 12-A/2008 e alíneas b) a f) do artigo 32º da mesma Lei — ou seja, as causas de cessação do vínculo são idênticas aos trabalhadores nomeados: exone- ração, mútuo acordo, pena disciplinar expulsiva, morte ou aposentação. E, em caso de reorganização dos órgãos ou serviços por extinção, fusão, reestruturação e racionalização de efetivos26 estes trabalhadores que não forem integrados num serviço público passam para a segunda fase do processo de requalificação (antiga mobilidade especial) por tempo indefinido ou sem termo, conforme artigos 258º nº 1 alínea b) e 259º nº 1 da LTFP.

(2) Já os trabalhadores com contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, que vincularam na Administração Pública pelo contrato individual de trabalho por tempo indeterminado (então ao abrigo do artigo 11º-A do DL nº 184/89 e da Lei nº 23/2004) até dezembro de 2008, bem como todos os que vinculam ao abrigo deste contrato (que passa a ser o regime regra) a partir de janeiro de 2009, podem ver a sua relação de trabalho extinta por causas comuns (caducidade, acordo, motivos dis- ciplinares, pelo trabalhador com aviso prévio e pelo trabalhador com justa causa27) mas também nos termos do Código do Trabalho, como será o despedimento, extinção do posto de trabalho ou a impossibilidade superveniente da entidade empregadora. Já em caso de reorganização dos órgãos ou serviços por extinção, fusão, reestruturação e racio- nalização de efetivos28 estes trabalhadores só beneficam da primeira fase do processo de requalificação (1 ano) após o que o seu contrato terminará com direito a compensação nos termos do Código do Trabalho, conforme artigos 259º, nº 2, 311º e 312º da LTFP.

Dois pontos agora em que as garantias são comuns a todos os contratos de trabalho 24 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL. Processo nº 177/2009 — Acórdão nº 154/2010. Lis-

boa, 20 de abril de 2010. Disponível em: <http:/ http://www.tribunalconstitucional.pt/>. Acesso em: 28 de ago. 2017.

25 O regime de mobilidade dá lugar ao regime de requalificação pela Lei nº 80/2013 e passa a es-

tar também previsto na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (Lei nº 35/2014, de 20 de junho).

26 Artigos 245º a 275º da LTFP (Lei nº 35/2014, de 20 de junho). 27 Artigo 288º e seguintes da LTFP (Lei nº 35/2014, de 20 de junho). 28 Artigos 245º a 275º da LTFP (Lei nº 35/2014, de 20 de junho).

em funções públicas: a continuidade do exercício de funções públicas29 e a proteção dos trabalhadores no âmbito do período experimental.

Quer a Lei nº 12-A/2008 (artigo 84º) quer a atual LTFP (artigo 11º) preveêm a con- tinuidade do exercício de funções públicas: o exercício de funções ao abrigo de qualquer modalidade de constituição da relação jurídica de emprego público em qualquer dos órgãos ou serviços a que a presente lei é aplicável, releva como exercício de funções públicas na car- reira, na categoria ou na posição remuneratória, conforme os casos, quando os trabalhadores, mantendo aquele exercício de funções, mudem definitivamente de órgão ou serviço.

Esta norma contempla uma proteção ou garantia muito ampla para todos os nomea- dos e contratos de trabalho em funções públicas, na medida em que apesar das muitas e diversificadas “entidades empregadoras públicas” que existem (como se referiu no início deste artigo), há um empregador público — o Estado (confronte-se artigos 25º a 27º da LTFP). Assim, ainda que o trabalhador altere a modalidade de vínculo; ainda que mude de carreira ou categoria; e ainda que mude de entidade empregadora pública vai bene- ficiar de um percurso profissional com continuidade e com impacto a vários níveis: por exemplo, relevância do tempo na carreira (e ou na categoria) para efeitos de concurso; antiguidade para efeitos de aquisição de férias; tempo de serviço e inerente avaliação para efeitos de alteração de posicionamento remuneratório, continuidade dos descontos para efeitos de invalidez e aposentação, etc...

Uma outra vertente das garantias ao nível do vínculo prende-se com a novidade in- troduzida pela LTFP ao nível do período experimental.30

Até dezembro de 2008 o regime então vigente previa, muito genericamente, a exis- tência de um período probatório que antecedia a nomeação definitiva (em regra de 1 ano nos termos do artigo 6º do DL nº 427/89).

Porém, a partir da entrada em vigor (em janeiro de 2009) do regime do contrato de trabalho em funções públicas (Lei nº 59/2008 em articulação com a Lei nº 12-A/2008) passamos a encontrar (tal como no acontece no âmbito do direito laboral) o conceito de período experimental: “corresponde ao tempo inicial de execução do contrato e destina- -se a comprovar se o trabalhador possui as competências exigidas pelo posto de trabalho que vai ocupar”.

Tem a duração de 1 ano quando está em causa a nomeação definitiva31(artigo 49º, nº 3 da LTFP); tem duração por períodos distintos quando está em causa o contrato de trabalho em funções públicas32(artigo 49º nº 1 e 2 da LTFP e redução prevista pelo

29 Artigo 84º da Lei nº 12-A, de 27 de fevereiro de 2008 e artigo 11º da LGTFP (Lei nº

35/2014, de 20 de junho).

30 Sobre o objetivo, modalidades, avaliação, contagem, duração e denúncia do período expe-

rimental consulte-se NUNES, Cláudia Sofia Henriques. O contrato de trabalho em funções públicas

face à Lei Geral do Trabalho. 1.ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2014. p. 53-63.

31 O período experimental da nomeação definitiva estava previsto no artigo 12º da Lei nº 12-

A/2008.

32 O período experimental do contrato de trabalho em funções públicas estava previsto nos

Acordo Coletivo de Carreiras nº 1/2009), pois varia consoante o grau de complexidade da carreira bem como a duração do contrato.

A novidade introduzida pela LTFP está, então, no aparecimento de duas modalida- des de período experimental: o período experimental de vínculo (que corresponde ao tempo inicial de execução do vínculo de emprego público) e o período experimental de função (que corresponde ao tempo inicial de desempenho de nova função em diferente posto de trabalho, por trabalhador que já seja titular de um vínculo de emprego público por tempo indeterminado). Ao consagrar-se a possibilidade do trabalhador regressar à situação jurídico-funcional que detinha anteriormente, quando o período experimental de função concluíu-se sem sucesso, confere-se uma segurança fortíssima ao vínculo pú- blico (quase sem equiparação possível ao regime laboral privado).

Também esta opção do legislador espelha a vertente de estabilidade com que se pre- tende configurar o vínculo dos trabalhadores públicos bem como o princípio da conti- nuidade acima referido.