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Sumário 1 Concretização do objecto de estudo 2 Da relação de proximidade entre a prova do cumental e as garantias dos contribuintes 3 A prova documental 3.1 A prova documental no

2 Da relação de proximidade entre a prova documental e as garantias dos contri buintes

3.2. Da prova documental no contencioso tributário moderno

3.2.1 Enquadramento legal

É parco o disposto no RJAT a respeito do momento da produção da prova documental. Com efeito, estabelece a alínea d) do nº 2 do artigo 10º deste diploma que, do pedido de pronúncia arbitral, devem constar os elementos de prova dos factos invocados e a indi- cação dos meios de prova a produzir. O nº 1 do artigo 17º, por seu turno, refere-se à possi- bilidade de a Fazenda Pública solicitar, em sede de resposta, a produção de prova adicional.

A acrescer a este restrito conjunto de normas legais, estão, por um lado, os princípios de autonomia na condução do processo arbitral e de livre determinação das diligências de produção de prova necessárias, consagrados nas alíneas c) e e) do artigo 16º do RJAT e, por outro, a aplicação subsidiária das normas de natureza procedimental ou processual dos códigos e demais normas tributárias, das normas sobre organização e processo nos tribunais administrativos e tributários, do Código do Procedimento Administrativo e do

nº 032/03, no qual se considerou que “deveria o Mmº Juiz “a quo”, ao abrigo dos poderes que lhe eram conferidos pelo artº 40º do CPT (actual 13º do CPPT), ter aceite a junção dos aludidos documentos, desde que obviamente fizesse respeitar o contraditório, dando à outra parte a possibi- lidade de se pronunciar sobre essa prova”.

34 No mesmo sentido, Cf. SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO. Acórdão, de 2 de

Código de Processo Civil, de acordo com o artigo 29º do RJAT.

Poder-se-ia assumir, tendo por base este quadro legal e o sentido da jurisprudência produzida pelos tribunais estaduais pertencentes à jurisdição administrativa e fiscal (aci- ma mencionada), que a mesma fosse, sem mais, acolhida no âmbito da arbitragem tribu- tária (caracterizada por ser de mais simples e flexível tramitação35), colocada que fosse a questão de saber até que momento se admite a junção de documentos no processo. Não se tem revelado unânime, contudo, a posição do Tribunal Arbitral a este respeito.

3.2.2. Enquadramento doutrinal e jurisprudencial

Afigura-se-nos não ter ainda a doutrina tomado posição sobre a delimitação temporal da produção da prova documental no campo da arbitragem tributária. Não obstante, sempre será útil, a fim de fundamentar uma posição quanto aos limites temporais da produção de prova documental neste âmbito, a doutrina existente a respeito dos prin- cípios elementares em que assenta a mecânica da arbitragem em matéria tributária. Di- ríamos ser dois os princípios que poderão assistir na definição de uma solução: por um lado, a autonomia na condução do processo concedida ao tribunal arbitral; por outro, a livre apreciação dos factos e a livre determinação das diligências de produção de prova necessárias, de acordo com as regras da experiência e a livre convicção dos árbitros (cf. alíneas c) e e) do artigo 16º do RJAT, respectivamente). O contributo da doutrina para o enquadramento destes princípios — e da sua eventual relação com a temática da prova documental — reside na fixação dos seus limites no exacto ponto em que a sua aplicação perturba a concretização de três características específicas do processo arbitral: a celeri- dade, a simplicidade e a informalidade36.

Com efeito, a questão de saber em que momento processual se traça a linha temporal de admissibilidade da prova documental tem igualmente vindo a ser suscitada no âmbito da arbitragem tributária. A posição adoptada pelo Tribunal Arbitral tem sido, a este pro- pósito, díspar, o que nos parece merecedor de destaque, não apenas por em causa estar uma faculdade processual que poderá contribuir de forma decisiva para o apuramento da verdade da tributação em sede judicial, como igualmente por serem identificáveis decisões arbitrais em sentido distinto num tipo de processo de que não admite o recurso por oposição entre decisões arbitrais37.

35 No que concerne a este aspecto do regime da arbitragem tributária, salienta Fernando Lan-

ça Martins que “O Tribunal Arbitral tem assim o poder de determinação da tramitação do processo que será adoptada após a apresentação da resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira e, simul- taneamente, o dever de optimização dessa tramitação ao longo de todo o processo, em função das características concretas e específicas do litígio” — Cf. MARTINS, Fernando Lança. A autonomia do tribunal na condução do processo de arbitragem tributária. Cadernos de Justiça Tributária nº 12, Abr./Jun. 2016, Centro de Estudos Jurídicos do Minho, p. 14.

36 A respeito da articulação entre a autonomia na condução do processo arbitral e estes três

aspectos processuais, cf. TRINDADE, Carla Castelo. Regime Jurídico da Arbitragem Tributária

Anotado. Coimbra: Almedina, 2016. p. 394.

Elucidativas desta divergência no entendimento do Tribunal Arbitral são as duas de- cisões arbitrais que abaixo se analisam e cujo sentido de decisão se afigura oposto.

A mais recente destas decisões configura, na verdade, um Acórdão Arbitral proferido no âmbito do processo nº 258/2015-T, em 2016.02.25.38 De acordo com o teor do mesmo, entre a primeira e a segunda sessões da reunião do artigo 18º do RJAT, a Reque- rente solicitou a junção ao processo de novos documentos relacionados com a prova de factos invocados no pedido de pronúncia arbitral. Por despacho arbitral, foi indeferido o pedido de junção de documentos apresentado pela Requerente, “com fundamento em inexistência de superveniência objectiva ou subjectiva, bem como pelo facto de, tendo a junção ocorrido depois de iniciada a audiência de julgamento, aquela não se ter verifica- do menos de 20 dias antes da mesma audiência”. Deste modo, foi ordenado o desentra- nhamento dos referidos documentos.39

Em sentido inverso, tinha o Tribunal Arbitral, por decisão de 12.02.215, no processo nº 343/2014-T, julgado admissível a junção de documentos em sede de segunda reunião do Tribunal Arbitral. Na sequência deste pedido de junção, a Requerida pronunciou-se sobre a oportunidade e o conteúdo dos documentos juntos aos autos, concluindo pela falta de oportunidade e de relevância dos documentos e solicitando o seu desentranha- mento. Esta argumentação foi considerada improcedente pelo Tribunal Arbitral, por diversas ordens de motivos. Em primeiro lugar, invocou o Tribunal Arbitral o disposto no relatório do RJAT, de acordo com o qual “(...) tendo em vista conferir à arbitragem tributária a necessária celeridade processual, é adoptado um processo sem formalidades especiais, de acordo com o princípio da autonomia dos árbitros na condução do processo (...)”. Por outro lado, importa atender ao preceituado na alínea c) do artigo 18º do RJAT, de acordo com o qual um dos princípios que rege a arbitragem em matéria tributária é o da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo e na determinação das

para o STA, quando a mesma esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido pelo TCA ou pelo STA, mas já não quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral. Defendendo a possibilidade de encontrar, no quadro legal vigente, base para o recurso de revista excepcional de decisões arbitrais contraditórias sobre a mesma questão fundamental de direito, cf. MORAIS, Rui Duarte. Recursos uniformizadores das decisões arbitrais (CAAD). Cadernos de Justiça Tributária, nº 11, p. 29-32, Jan./Mar. 2016.

38 Disponível em: <https://caad.org.pt>. Tal como todas as decisões arbitrais a que se tiver

alusão ao longo do presente texto.

39 No mesmo sentido, veja-se a decisão arbitral proferida no processo nº 607/2016-T, na qual

se pode ler que, no âmbito da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, a Requerente solicitou a junção aos autos de seis documentos para prova dos factos alegados no pedido de pronúncia arbi- tral. A Requerida, exercendo o contraditório em relação aos documentos juntos, solicitou o desen- tranhamento dos mesmos, em face da ausência de motivos de superveniência ou à invocação dos motivos inerentes à impossibilidade de apresentação daquela prova juntamente com o pedido de pronúncia arbitral ou em qualquer momento anterior à reunião do artigo 18º do RJAT. O Tribunal viria a ordenar o desentranhamento dos documentos juntos aos autos, por falta de verificação dos pressupostos de superveniência objectiva e subjectiva, previstos no artigo 423º, nº 1 do CPC e no artigo 10º, nº 2, alíneas c) e d) do RJAT.

regras a observar com vista à obtenção, em prazo razoável, de uma pronúncia de mérito sobre as pretensões formuladas. Acresce que o Tribunal Arbitral, em conformidade com a alínea e) da mesma disposição legal, é livre na apreciação dos factos e na determinação das diligências de produção de prova necessárias, de acordo com as regras de experiência e a livre convicção dos árbitros. Ora, todos estes traços característicos da arbitragem tri- butária estão de acordo com os princípios da oficialidade e do inquisitório, que regem o processo tributário. Refere ainda o Tribunal Arbitral, nesta decisão, que o princípio do inquisitório é válido para todos os tribunais fiscais que apreciem matéria de facto, tendo, com base neste conjunto de argumentos, admitido aos autos os documentos cuja junção foi requerida apenas na segunda reunião do Tribunal Arbitral.

Parece-nos, salvo o devido respeito, que é a perspectiva assumida nesta segunda deci- são arbitral, no que se refere ao momento da produção da prova documental, que deverá prevalecer no âmbito do contencioso tributário, quer pensemos na sua vertente mais clássica, quer nos reportemos ao seu apontamento moderno, representado pela arbitragem tributária. Com efeito, é esta leitura ampla das normas definidoras do limite temporal de produção de prova documental que permite cumprir os mais elementares princípios do processo judicial tributário, estando, por isso, mais ao serviço do interesse público na descoberta da verdade material. Doutro modo, estaria estabelecida a base para, mesmo em face da oportunidade de carrear para o processo elementos capazes de contribuir para a verdade da tributação, serem os mesmo rejeitados em prol de um rigor formalista por- ventura excessivo e conflituante com a própria legalidade que vincula a AT e, no que em concreto respeita à arbitragem tributária, com o cerne simplista e célere que a distingue.

4 Notas conclusivas

O regime da arbitragem em matéria tributária nasceu de uma visão não formalista do processo, que pretendeu tornar real um desígnio a que o contencioso tributário clássico ainda não foi capaz de acorrer: assegurar uma justiça tributária em tempo efectivamente razoável e por isso útil, libertando-a, para esse efeito, do excesso de formalismo que pou- co mais faz do que contribuir para a sua morosidade. As origens da arbitragem tributária resultam, de resto, plasmadas no Preâmbulo do diploma que a instituiu, de acordo com o qual “(…) em primeiro lugar, tendo em vista conferir à arbitragem tributária a neces- sária celeridade processual, é adoptado um processo sem formalidades especiais (…)”.

Cumpre notar, volvidos mais de seis anos sobre a entrada em vigor do regime da arbitragem tributária, que o seu anunciado sucesso não afasta o facto, de mais vezes do que seriam desejáveis, o entendimento do Tribunal Arbitral acompanhar uma postura processual mais atenta a um falso rigor processualista — que não caracteriza a justiça tributária, quer se pense em tribunais estaduais ou arbitrais — do que à verdade fiscal cuja busca deve nortear qualquer processo judicial tributário.

Tal constatação redunda, aliás, num estranho paradoxo: o rigor processual que tipi- camente se associa ao contencioso tributário clássico, não tem sido, no quadro deste, e especificamente no que concerne aos limites temporais da produção de prova documen- tal, preferido em detrimento da descoberta da verdade material. É, de facto, no acervo

decisório dos tribunais estaduais que pertencem à jurisdição administrativa e fiscal, que se encontram Acórdãos defensores, de um modo geral, da produção de prova testemu- nhal até à prolação de sentença em primeira instância, em homenagem aos princípios da legalidade, da verdade material e do inquisitório. Já no contexto do contencioso tribu- tário moderno, surgem decisões arbitrais que, contrariando o entendimento maioritário dos tribunais estaduais e invertendo a informalidade distintiva da arbitragem tributária, concedem destaque decisivo ao formalismo processual, dele se servindo para rejeitar, em alguns casos, que seja produzida prova documental, por exemplo, em simultâneo com as alegações finais. Estas decisões fazem, a nosso ver, tábua rasa dos poderes de investigação do Tribunal Arbitral, permitindo que resvale para segundo plano o interesse público no apuramento da verdade da tributação que subjaz ao processo tributário.

A característica do processo judicial tributário que, em nossa opinião, permite reco- nhecer a possibilidade de a prova documental ser produzida até à prolação da sentença ou da decisão arbitral é nuclear e decorre do facto de estarmos perante um processo no seio do qual se discute o interesse público em tributar de acordo com a lei (e apenas de acordo com a lei). Ademais, não podemos esquecer, parece-nos, que em causa se en- contra um processo que é adjectivo de um ramo do Direito no qual vigora o princípio da substância sobre a forma, o qual deverá reflectir-se também no contexto processual, nomeadamente através do princípio pro actione. Uma das formas de garantir essa conti- nuidade é precisamente a admissão da junção de documentos até ao momento da pro- lação da sentença ou da decisão arbitral, admissão essa que sempre poderá ter lugar pela mão dos amplos poderes inquisitórios concedidos ao juiz e aos árbitros. Urge, agora, em face da divergência que a este respeito se regista entre decisões arbitrais, assegurar que a substância prevalece sobre a forma também no contexto da arbitragem tributária, relativamente à qual o intuito do legislador foi justamente o de flexibilizar a tramitação processual em prol da celeridade e da utilidade da decisão arbitral.