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A Qualidade de Vida na Esquizofrenia

Capítulo 3 – Qualidade de Vida

3.2. A Qualidade de Vida na Esquizofrenia

O interesse pela Qualidade de Vida na Esquizofrenia surgiu com a preocupação gerada com o retorno dos pacientes institucionalizados à comunidade e ao processo de desinstitucionalização ocorrido nos anos 60 e 70 nos países industrializados. Nesta altura surgiram então questões e preocupações como a segurança pessoal, a pobreza e o isolamento social que levaram a um aumento do interesse sobre o tema (Awad, Voruganti & Heslegrave, 1997, cit in Souza & Coutinho, 2006; Violante, 2012).

Na Esquizofrenia, a Qualidade de Vida está inevitavelmente comprometida, quer pelo recurso a terapêuticas crónicas não desprovidas de efeitos colaterais quer pelas manifestações da própria doença que levam a um isolamento social, reformas precoces, insuficiência de contactos e de trocas afetivas provocando, muitas da vezes, internamentos em instituições designadas para o efeito (Matos et al., 2003). Segundo Katsching (2000) os doentes esquizofrénicos, comparativamente aos indivíduos saudáveis, têm necessidades adicionais, devido aos sintomas que muitas das vezes os levam à manutenção de tratamentos especializados. Além disto, muitas das vezes estes doentes estão e são submetidos a formas de preconceito e estigma, o que, invariavelmente, se repercute na sua Qualidade de Vida (Souza & Coutinho, 2006).

Além do estigma gerado por terceiros existe ainda uma outra forma de preconceito, conhecida como autoestigma, que surge dos próprios doentes sobre si próprios e sobre a sua doença, internalizando preconceitos negativos. A propósito disto, em 2012, Tang e Wu realizaram um estudo com 100 pacientes de centros de reabilitação e concluíram que o autoestigma prevê e influencia a Qualidade de Vida, sendo que quanto maior o autoestigma, mais baixa será a Qualidade de Vida (Tang & Wu, 2012; Chronister et al., 2013; Sajatovic et al., 2008).

A Esquizofrenia é uma doença incapacitante e, desta forma, diminui e afeta gravemente os recursos pessoais e ambientais dos sujeitos, tornando-os limitados ou até inexistentes, o que dificulta a obtenção de uma boa Qualidade de Vida (Souza & Coutinho, 2006). Além disso, estudos comprovam que níveis mais elevados de Qualidade de Vida predizem taxas menores de recaídas em 24 meses, o que reforça uma vez mais a importância de se estudar esta variável (Boyer et al., 2013).

Em seguida, apresentaremos uma breve revisão bibliográfica, que contempla vários estudos acerca da Qualidade de Vida em doentes esquizofrénicos e que permite verificar quais as principais variáveis habitualmente associadas à mesma, nestes doentes, bem como os principais preditores relacionados com uma melhor Qualidade de Vida.

Um estudo realizado em 2005 comparou um grupo de 38 doentes esquizofrénicos com um grupo controlo com 31 indivíduos saudáveis e conclui que os pacientes esquizofrénicos obtiveram valores mais baixos de Qualidade de Vida em todos os domínios da escala WHOQOL- BREF, mas com diferenças mais significativas nos domínios físico, psicológico e social, comparativamente com o grupo de pessoas sãs (Alptekin et al., 2005).

Num estudo realizado por Vaz Serra, Pereira & Leitão em 2010, para avaliar a Qualidade de Vida em doentes esquizofrénicos, estes utilizaram a WHOQOL-Bref e avaliaram um conjunto de pessoas sendo que criaram 3 grupos. O primeiro grupo era composto por pacientes internados há longos anos num hospital psiquiátrico (n=37), outro grupo de pacientes internados transitoriamente num serviço de psiquiatria (n=71) e um outro onde os doentes eram observados em regime de ambulatório (n=25). Além destes 3 grupos, constituíram um quarto, onde se englobavam pessoas que nunca tinham tido nenhum distúrbio psicológico. Verificaram que em todos os domínios da escala os pacientes esquizofrénicos apresentaram valores mais baixos quando comparados ao grupo de controlo, com diferenças estatisticamente significativas (Vaz Serra et al., 2010).

Encontraram também diferenças nos domínios das relações sociais e ambiente nos pacientes esquizofrénicos residentes há longos anos no hospital quando comparados com os restantes dois grupos, sendo que os valores mais altos nestes domínios foram obtidos nos pacientes em regime de ambulatório (não se considerando nesta análise o grupo de controlo, pois estes mantém sempre os valores mais altos de Qualidade de Vida, mesmo quando comparados aos doentes em regime de ambulatório) (Vaz Serra et al.,, 2010).

Vários estudos (e.g.: Kasckowa et al., 2001; Wiersma & Busschbach, 2001; Castro- Henriques et al., 2006) têm evidenciado que os doentes residentes na comunidade apresentam uma Qualidade de Vida mais elevada que os institucionalizados, reforçando novamente a importância da desinstitucionalização e da providência de recursos essenciais à boa reintegração destes pacientes na comunidade. Por todas estas razões, o interesse em se estudar a Qualidade de Vida nos doentes esquizofrénicos é crescente, assim como a necessidade de se avaliar o impacto desta doença e do tratamento a que estes doentes são submetidos (Pitta, 1999, cit in Carneiro, 2012) e a forma como o contexto e o meio influenciam a sua adaptação.

Contudo, é necessário perceber-se quais são os principais fatores que afetam a Qualidade de Vida nos doentes esquizofrénicos de forma a implementar medidas que a melhorem. Nesse sentido Kao, Liu, Chou e Cheng (2011) realizaram um estudo para averiguar as relações existentes entre a variável Qualidade de Vida e características psicossociais e clínicas. Eles avaliaram 104 pacientes institucionalizados e concluíram que a idade, o início da doença, medidas de insight, severidade dos sintomas, psicopatologia geral e efeitos secundários da medicação antipsicótica estavam significativamente relacionados com as pontuações da Qualidade de Vida (Kao et al., 2011).

Em relação aos fatores preditivos, estes autores concluíram que os sintomas depressivos, os sintomas secundários, principalmente os extra piramidais, o desespero e a idade no início da doença são os 4 fatores preditivos mais fortes da Qualidade de Vida em pacientes esquizofrénicos (Kao et al., 2011). Também Margariti e colaboradores (2015) e Ueoka e colaboradores (2011) referem que os sintomas negativos e depressivos seriam os preditores negativos mais fortes a contribuir para a Qualidade de Vida. Concluíram também

que não existiam correlações significativas entre a Qualidade de Vida e a duração da doença, o número de internamentos e a dose de medicação antipsicótica (Ueoka et al., 2011).

Lanfredi e colaboradores (2014) avaliaram um grupo de 139 doentes esquizofrénicos que habitavam em residências protegidas, durante um ano e pretendiam perceber quais os fatores que influenciavam a sua Qualidade de Vida. Concluíram que o nível de atividade, o suporte social, a idade, a satisfação com os serviços, o bem-estar espiritual e a severidade dos sintomas são preditores da Qualidade de Vida. Mais especificamente encontraram que um maior número de contatos sociais e relacionamentos mais próximos estavam positivamente associados com o domínio social da escala WHOQOL-Bref; que um maior número de tempo passado a fazer nada estava negativamente associado com os domínios físico, psicológico e social da WHOQOL-Bref; que o número de atividades diárias estava associado com valores baixos no domínio físico da WHOQOL-Bref; que o início mais precoce do internamento estava inversamente associado com os domínios psicológico e social da WHOQOL-Bref; que a baixa severidade de psicopatologia e o baixo funcionamento psicossocial estariam associados com valores mais altos nos domínios psicológico e ambiental da WHOQOL-Bref; que uma satisfação moderada-alta com a sua espiritualidade e bem-estar religioso estava positivamente associado com 3 domínios diferentes e por fim; que uma alta satisfação com os serviços prestados estava positivamente associado com todos os 4 domínios da escala (Lanfredi et al., 2014).

Em 2012, Chou e colaboradores estudaram 190 pacientes esquizofrénicos em centros comunitários de reabilitação. Identificaram que o empowerment medeia a Qualidade de Vida destes pacientes e que as atividades psicossociais de reabilitação proporcionadas aumentam o nível de empowerment dos mesmos, podendo assim contribuir para o aumento da sua Qualidade de Vida. Verificaram também que os sintomas psicóticos contribuem para uma Qualidade de Vida mais pobre. Relativamente ao empowerment, num estudo realizado com 172 pacientes, verificou-se que uma rede social fraca contribui para um fraco empowerment e maior estigma, o que leva a um aumento dos sintomas depressivos e que, por sua vez, leva a uma Qualidade de Vida mais pobre (Sibitz et al., 2011).

Numa metanálise efetuada, Priebe e colaboradores (2010), examinaram 16 estudos e constataram que, numa amostra de 3936 sujeitos, os doentes mais mais velhos, empregados e com níveis baixos de sintomatologia apresentavam valores mais altos na Qualidade de Vida. Relativamente aos preditores de Qualidade de Vida, num estudo de 2013 realizado com 297 pacientes com distúrbios mentais, identificou-se que ter valores baixos de necessidades, ter diagnóstico de esquizofrenia, possuir boa integração social, obter reasseguramentos positivos de valor, ter um menor abuso de drogas e estar a viver em casa supervisionada são preditores de melhor Qualidade de Vida (Fleury et al., 2013). Além disto, a severidade das necessidades, as atividades diárias, a exclusão social, a segurança pessoal e os benefícios pessoais estão também relacionados com a Qualidade de Vida, sendo que quanto menores forem as necessidades sentidas e as comorbilidades presentes, melhor será a Qualidade de Vida (Fleury et al., 2013).

Num outro estudo, realizado em 2010 com 104 pacientes residentes em comunidade, concluiu-se também que os pacientes consideravam que a sua Qualidade de Vida era razoável e identificou-se que a severidade dos sintomas psiquiátricos exerce uma influência negativa na Qualidade de Vida. Constataram também que um bom funcionamento pessoal e social estava positivamente relacionado com a Qualidade de Vida (Galuppi et al., 2010).

Helder (2010) realizou um estudo que pretendeu caracterizar os diferentes domínios da Qualidade de Vida dos doentes esquizofrénicos e determinar quais as variáveis sociodemográficas, clínicas, estilos de vida e comportamentos têm influência sobre as mesmas. Na sua amostra de 50 pessoas concluiu que esta apresentava uma média de Qualidade de Vida baixa. Não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas relativamente aos 4 domínios da escala WHOQOL-Bref em relação às variáveis sexo, idade, estado civil, escolaridade e situação profissional. Verificou-se também que pacientes que residiam sozinhos apresentavam melhor Qualidade de Vida do que aqueles que moravam com familiares (em todos os domínios, exceto o geral). Relativamente às variáveis clínicas, concluiu que pacientes que tiveram um início de doença com idades mais jovens apresentaram melhor Qualidade de Vida no domínio psicológico que aqueles que tiveram um início mais tardio. Em relação à duração da doença, ao número de consultas psiquiátricas nos últimos 12 meses e ao número de internamentos desde o início do diagnóstico não se encontrou nenhuma relação estatisticamente significativa (Helder, 2010).

Sobre as condições comórbidas, a existência de outras doenças (como excesso de peso, hipertensão arterial, entre outras) não influi na Qualidade de Vida (Helder, 2010). No entanto, o consumo de álcool frequente exerce influência, sendo que os participantes com um consumo excessivo e regular apresentaram uma Qualidade de Vida mais baixa em todos os seus domínios, em comparação com quem não consumia álcool ou consumia cm moderação. O consumo de drogas e a presença de hábitos tabágicos também não exerceram influência significativa. Helder (2010) avaliou ainda a presença de pensamentos suicidas e tentativas de suicídio, concluindo que a primeira apresenta um impacto negativo na Qualidade de Vida do doente (principalmente no domínio psicológico). Já relativamente às tentativas de suicídio, não se encontraram diferenças estatisticamente significativas (apresentavam valores mais elevados no domínio físico) (Helder, 2010).

Cardoso e colaboradores em 2005, concluíram, numa análise de 123 pacientes desinstitucionalizados e com o diagnóstico de Esquizofrenia, que valores baixos de Qualidade de Vida estão associados com o sexo masculino, com o ser solteiro, baixos rendimentos e baixo nível educacional, uso de 3 ou mais drogas psicoativas, agitação psicomotora durante a avaliação e ainda nos pacientes seguidos em regime de ambulatório (Cardoso et al., 2005).

Um estudo realizado em 2012 avaliou o nível de Qualidade de Vida de 148 doentes esquizofrénicos residentes na comunidade e testou a associação entre esta e variáveis sociodemográficas, clínicas e características psicossociais (Hsiao et al., 2012). Concluíram que a Qualidade de Vida estava positivamente correlacionada com a idade de início da doença mental, com o apoio mútuo (sentimento de reciprocidade), com a situação laboral e com a

renda familiar mensal. Como preditores identificaram que o estado de saúde, a mutualidade, a severidade dos sintomas, o rendimento mensal e a situação laboral como os preditores mais significativos de Qualidade de Vida.

Em relação aos pacientes institucionalizados, um estudo de Fujimaki e colaboradores (2012), pretendeu perceber a relação entre Qualidade de Vida e fatores chave em pacientes em internamento de longo prazo. Para isso avaliaram 217 doentes esquizofrénicos e concluíram que os sintomas negativos, o desconforto psicológico e a resistência se correlacionavam com todos os itens da escala utilizada para avaliar a Qualidade de Vida, concluindo assim que estas três variáveis são preditores de uma pioria nas atividades psicossociais e na motivação pessoal, prejudicando por sua vez a Qualidade de Vida (Fujimaki et al., 2012).

Ojeda e colaboradores (2012) concluíram no seu estudo, com 165 pacientes hospitalizados com diagnóstico de Esquizofrenia, que variáveis como a idade, o tempo de duração da doença, a maior gravidade dos sintomas negativos e a maioria de sintomas cognitivos se correlacionam significativamente com os indicadores de pior Qualidade de Vida, sendo a velocidade de processamento um dos mais importantes preditores de boa Qualidade de Vida. Em síntese, os sintomas negativos e a velocidade de processamento predizem a Qualidade de Vida (Ojeda et al., 2012).

Hofstetter, Lysaker e Mayeda (2005) realizaram um estudo com 29 doentes esquizofrénicos e analisaram se as perturbações do sono tinham ou não influência sob a Qualidade de Vida dos mesmos. Concluíram então que uma qualidade de sono pobre predizia uma Qualidade de Vida mais baixa, reduzindo também as hipóteses de os pacientes encontrarem um emprego estável bem como a sua capacidade de gerir o stress (afeta o seu

coping).

Em suma, a bibliografia parece ser consonante em que a Qualidade de Vida em doentes esquizofrénicos é caracterizada por ser pior quando comparada à de indivíduos da população em geral; por ser melhor em mulheres, casadas e com baixo nível de educação; que piora à medida que a duração da doença aumenta; que os sintomas negativos e os depressivos se correlacionam negativamente com a mesma; que menos efeitos colaterais e combinação de tratamentos farmacológicos com psicoterapêuticos produzem melhorias na mesma; e por fim, que pacientes inseridos em programas de suporte na comunidade demonstram uma melhor Qualidade de Vida do que pacientes institucionalizados (Bobes & Garcia-Portilha, 2005, cit in Bobes, Garcia-Portilha, Bascaran, Saiz & Bousoño, 2007; Karow et al., 2014; Vaz Serra et al., 2010).