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Capítulo 3 – Qualidade de Vida

IV. Discussão

Muitos dos resultados que passamos a apresentar devem ser lidos levando em consideração o enquadramento institucional do local onde a amostra foi obtida. O Instituto das Irmãs Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus é uma Instituição privada sem fins lucrativos onde se destaca uma cultura institucional assente nos valores hospitaleiros. Esta instituição assenta a sua prática assistencial em determinados princípios e valores, bem como na utilização de estratégias de reabilitação que, de alguma forma, podem ter influenciado os resultados obtidos.

Concluímos neste estudo que, ao contrário de outras investigações, não se identificaram quaisquer correlações entre a variável Qualidade de Vida e as variáveis sociodemográficas (idade, estado civil, estatuto socioeconómico e escolaridade). O estudo de variáveis psicossociais é relevante uma vez que algumas afetam populações diferentes e de distintas maneiras, sendo por isso potentes indicadores da Qualidade de Vida, diferindo de domínio para domínio (Gameiro et al., 2010; Caron et al., 2005).

Neste estudo, o facto de não se identificar uma correlação estatisticamente significativa com a idade poderá estar relacionado com o facto da média de idade das participantes ser de cerca de 50 anos, ou seja, se encontrar muito condensada na meia-idade e poderem existir outros fatores mais preponderantes (e.g: a mudança de expectativas, a aceitação da doença, entre outros) que aqui exerçam influência devido precisamente à faixa etária predominante nesta investigação. Além disso, o facto de não termos avaliado a perceção da Qualidade de Vida em idosos não nos permitiu averiguar a presença de diferenças estatisticamente significativas entre os dois grupos etários presentes nesta amostra (adultez e velhice). Em relação à variável estado civil, seria de esperar, pela revisão bibliográfica efetuada, que se encontrassem correlações relevantes, uma vez que a maioria dos estudos aponta o estado civil como uma importante variável para a Qualidade de Vida dos sujeitos, especificamente a presença de uma melhor Qualidade de Vida em sujeitos casados ou em união de facto (e.g.: Bobes & Garcia-Portilha, 2005, cit in Bobes, Garcia-Portilha, Bascaran, Saiz & Bousoño, 2007; Karow et al., 2014; Vaz Serra et al., 2010) e pior em sujeitos solteiros ou divorciados (e.g. Cardoso et al., 2005). Contudo, no nosso estudo tal não se verificou, o que poderá ser explicado pelo facto de nesta amostra existir um elevado número de doentes solteiras (65%) e divorciadas (21.7%). A literatura tem vindo a salientar dificuldades associadas ao estabelecimento e manutenção de relacionamentos, características destas doenças e que, de alguma maneira, poderão influenciar a perceção da sua Qualidade de Vida, tal como foi demonstrado no estudo de Chou e colaboradores (2012), que verificaram que ter uma rede social fraca contribui para um fraco empowerment, maior estigma e para uma Qualidade de Vida mais pobre.

Quanto ao estatuto socioeconómico seria também expectável que se tivessem obtido correlações significativas com a variável em estudo, no entanto, provavelmente devido ao facto da maioria das mulheres desta amostra pertencerem ao estatuto socioeconómico baixo

(40%) e de, por vezes, provirem de contextos socioculturais mais desfavorecidos e, em alguns casos, destruturados, com ausência de suporte social, tal não se verificou.

Em relação às variáveis clínicas (tempo de diagnóstico, tempo de institucionalização, realização da higiene pessoal sozinha, perceção da felicidade e perceção do estado de saúde geral) identificaram-se 3 correlações positivas e estatisticamente significativas, nomeadamente com o tempo de institucionalização, com a perceção da felicidade e com a perceção do estado de saúde geral. Acerca do tempo de institucionalização, é importante referir que as participantes desta investigação se encontram institucionalizadas num regime de médio e longo internamento, onde a média se situa nos 8 anos e meio, pelo que há doentes que estão na instituição por elevados períodos de tempo. Apesar disso, e contrariamente ao que nos é dito pela literatura, que refere que a Qualidade de Vida em doentes mentais crónicos é mais elevada em sujeitos desinstitucionalizados do que em institucionalizados (e.g.: Kasckowa et al., 2001; Wiersma & Busschbach, 2001; Castro- Henriques et al., 2006), no nosso estudo a Qualidade de Vida apresentou-se superior à da média obtida no Whoquol-Bref, no estudo de validação oficial. Os nossos resultados indicam que a Qualidade de Vida tende a aumentar com o aumento do tempo de institucionalização, o que pode estar associado com as condições oferecidas pela instituição, ao nível das práticas assistenciais, do suporte social, do acompanhamento médico frequente, do sentimento de integração na comunidade que tentam proporcionar e dos vários projetos de reabilitação.

Além disto, alguns autores defendem que o facto da Qualidade de Vida em pacientes institucionalizados há longos anos ser relativamente boa pode dever-se ao facto de estes doentes apresentarem expectativas muito baixas, ou seja, acharem que não podem ser melhores em função daquilo que têm ou que recebem, daí que a sua Qualidade de Vida seja, aparentemente boa (Orley et al., 1998, cit in Vaz Serra, 2010) e, como sabemos, as expetativas são, segundo a definição da Organização Mundial de Saúde, consideradas influentes na perceção de Qualidade de Vida do sujeito. Em acréscimo, muitos destes doentes crónicos mesmo internados há vários anos, consideram a sua Qualidade de Vida como satisfatória ou alta pois estes nunca tiveram outras experiências em outros ambientes sem ser os hospitais e as casas de Saúde, bem como nunca tiveram a possibilidade de realizar diferenças e alterações nestes mesmos ambientes onde sempre viveram, nem nas suas vidas (Cernusca-Mitariu et al., 2013).

Identificaram-se também correlações positivas e estatisticamente significativas com as duas variáveis que dizem respeito às perceções individuais dos sujeitos: a perceção da felicidade e a perceção do estado de saúde geral. Relativamente à Perceção da Felicidade, podemos inferir que nesta amostra, as participantes ficaram quase que equitativamente distribuídas. Aproximadamente metade das participantes (29 mulheres, 48,3%) se sente feliz e a outra metade (31 mulheres, 51,7%) se sente infeliz, sendo uma diferença mínima entre as duas opções. Este facto pode também ajudar a justificar a existência de diferenças significativas entre as médias destes dois grupos em relação à sua Qualidade de Vida, que se

apresenta melhor nos sujeitos que se consideram felizes, validando a perceção da felicidade como um fator importante a ser considerado na avaliação da Qualidade de Vida.

Apesar de estas casas de saúde fornecerem suporte social, segurança, apoio, entre outros serviços, muitas mulheres referiram que não se sentem felizes. Entre os motivos referidos para esta infelicidade surgiu a consciência da gravidade da sua doença e do motivo do seu internamento, sentirem-se sozinhas ou isoladas ou as que referem terem perdido contacto com familiares, amigos, ou por não terem possibilidade de manter um relacionamento amoroso, situação que algumas atribuem ao facto de estarem internadas. A maioria dos motivos apresentados pelas doentes que aceitaram responder à questão “Porque

se sente infeliz?” são motivos de cariz pessoal e relacional, relacionados com a doença e com

o facto de esta as ter privado de viverem nas suas casas, junto dos seus familiares e amigos. Por outro lado, ao perguntarmos às pacientes que responderam que se sentiam felizes o porquê, os motivos encontram-se mais relacionados com as condições do local onde estão institucionalizadas, nomeadamente o sentimento de segurança proporcionado, o sentimento de utilidade e de competência que lhes é conferido nas tarefas que executam nas instituições, mas também o sentimento de acolhimento e de pertença à comunidade.

Como podemos observar, a felicidade é hoje considerada uma importante variável para a Psicologia, sendo vista como complementar para a Saúde Mental (Pais-Ribeiro, 2012). Apesar de felicidade não ser sinónimo de Qualidade de Vida nem de Saúde, é um constructo importante para a Qualidade de Vida mas também para a saúde em geral, influenciado e sendo influenciada por estas (Quartilho, 2010a; Pais-Ribeiro, 2012). Pessoas felizes são mais sociais, altruístas, ativas, gostam mais de si e dos outros, têm sistemas imunitários mais eficazes e mostram melhores aptidões de resolução de conflitos (Eid & Larsen, 2008, cit in Quartilho, 2010a; Diener & Seligman, 2002). Geralmente apresentam também relações afetivas mais duradouras, são mais extrovertidas e afáveis (Quartilho, 2010a; Diener & Seligman, 2002).

Na nossa amostra, a Perceção de Felicidade evidenciou-se como um preditor da Qualidade de Vida, sendo por isso digno de realce e de pesquisa mais precisa em investigações futuras. As pesquisas em Psicologia que evidenciem a possibilidade do aumento da felicidade e o modo como fazê-lo são ainda muito escassas, no entanto, começam já a existir alguns autores que testam algumas hipóteses, tais como o aumento na possibilidade de escolha e de controlo da sua vida (algo que é tido como relevante também nesta amostra, como se evidenciou por algumas respostas dadas pelas doentes). Ou seja, quando os doentes mentais crónicos conseguem atingir um maior nível de autonomia, tendem a aumentar o seu bem-estar, a sua satisfação com a vida e a sua felicidade (e.g.: Peterson & Park, 2009; Rodrigues & Pereira, 2007). Além disto, está também provado que a obtenção de ganhos é entendida para estes doentes como algo muito valioso, sendo bastante importante a perceção destes acontecimentos para a sua felicidade e Saúde Mental (Rodrigues & Pereira, 2007).

Um outro preditor de Qualidade de Vida também encontrado foi a Perceção do

social correlacionam-se entre si e com as emoções positivas, como a Felicidade (Cloninger & Zohar, 2011). Muitos autores, principalmente no início das investigações da Qualidade de Vida, definiam esta como sinónimo de saúde. Com o passar do tempo e os desenvolvimentos em diversas áreas, estes dois conceitos não são mais vistos como sinónimos mas sim como contribuidores mútuos, ou seja, a saúde é um domínio da Qualidade de Vida. No entanto, ter Qualidade de Vida é também necessário para se ter uma boa saúde (Pedroso & Pilatti, 2010). Este indicador de Qualidade de Vida deverá também ser estudado de forma mais aprofundada pois, como sabemos, a avaliação deste constructo é algo intrínseco, ou seja, depende sempre da perceção individual de cada um, sendo o próprio o único que pode dar a sua avaliação. No nosso estudo identificou-se que existem diferenças estatisticamente significativas entre os diferentes grupos relativos à Perceção do Estado de Saúde Geral, sendo que as doentes que pontuaram mais foram aqueles que percecionam o seu estado de saúde geral como “bom” e “ótimo”. A Qualidade de Vida depende das reações subjetivas do sujeito às suas vivências, à sua doença, dependendo sempre da sua experiência direta e da sua perceção das mesmas, bem como da felicidade e satisfação entre outros aspetos por si avaliados (Pereira, Teixeira & Santos, 2012).

Estes dois preditores têm também uma relação estreita entre si, uma vez que a perceção de Felicidade afeta e é afetada pela Perceção do Estado de Saúde Geral. De acordo com Taylor e colaboradores (2000), pessoas mais otimistas (característica das pessoas felizes) têm crenças mais positivas acerca do futuro, funcionando como fator protetor contra o agravamento de determinadas doenças. Isto é explicado de acordo com mecanismos cognitivos, uma vez que, pacientes mais otimistas têm maior probabilidade de aderir a hábitos que promovam mais saúde, além de se apresentarem mais motivados e mais interessados no seu tratamento, o que, invariavelmente, contribui para a melhor Perceção do Estado de Saúde Geral. Além disto, atitudes otimistas costumam estimular mais a rede de contactos sociais estando mais satisfeitos com esta (Taylor et al., 2000), algo que no nosso estudo foi também encontrado como uma variável importante para a Qualidade de Vida, sendo inclusivamente a Satisfação com a Comunidade correlacionada positivamente e com significância estatística com todos os 4 domínios da Qualidade de Vida.

Em relação às restantes variáveis clínicas, não foram encontradas correlações estatisticamente significativas com a Qualidade de Vida, nem com a variável relacionada com a realização da sua higiene pessoal nem com a variável controlo de impulsos, como seria expectável, uma vez que a perda de autonomia para a realização das tarefas mais básicas e a sensação de falta de controlo sobre os seus atos, é tido como um fator que influencia negativamente a perceção da Qualidade de Vida (e.g.: Miasso et al., 2009; Sajatovic et al., 2008; Victor et al., 2011).

Sobre as variáveis sociorrelacionais (frequência de visitas, participação em atividades de convívio, tempo que passa sozinha, satisfação com a comunidade e dificuldade de controlo de impulsos), também não foram encontradas quaisquer correlações estatisticamente significativas, o que não era esperado, uma vez que o estabelecimento de relacionamentos

sociais e a sua manutenção é uma parte importante para a perceção positiva da Qualidade de Vida, como já foi referido.

Particularmente em relação à variável frequência de visitas não ter apresentado nenhuma correlação, pode estar relacionado com o facto da maioria destas doentes receberem poucas visitas e da ocorrência das mesmas ser muito espaçada temporalmente, sendo que a maioria apenas recebe visitas mensalmente (35%) e apenas de familiares (86.7%), evidenciando-se aqui a perca de contacto social. Desta forma, verifica-se que a rede social destes doentes passa, essencialmente, pelas pessoas presentes na instituição, nomeadamente os outros doentes, as auxiliares, os médicos, os psicólogos e outros profissionais de saúde.

Acrescente-se que nestas casas de saúde as atividades de reabilitação são estruturadas, com horários definidos para a sua concretização e são realizadas com acompanhamento de profissionais, percebendo-se também assim que a maioria das participantes afirma não passar muito tempo sozinha (63.3%).

Não se identificou correlação significativa com a variável participação em atividades

de convívio, mesmo tendo a maioria afirmado que participa nestas atividades (88.3%), nem

com a satisfação com a comunidade (em relação à faceta geral da Qualidade de Vida), embora a maioria se sinta satisfeita (88.3%), percebendo-se por aqui que o número de pessoas que participa é o mesmo número que se diz satisfeita com a comunidade, podendo estas duas variáveis estar relacionadas ente si. O facto de estas doentes se sentirem satisfeitas com a comunidade onde estão inseridas revela que estas não se sentem estigmatizadas, nem excluídas socialmente devido à sua doença mental fator que, de acordo com a bibliografia analisada, pode causar impacto na perceção da Qualidade de Vida. No estudo de Tang e Wu (2010), identificaram que o estigma prevê e influencia a Qualidade de Vida e no mesmo sentido outros autores concluíram que à medida que o estigma aumenta a Qualidade de Vida diminui (Tang & Wu, 2012; Chronister et al., 2013; Sajatovic et al., 2008).

Em relação à variável satisfação com a comunidade, apesar de esta não se ter correlacionado com significância estatística com a Qualidade de Vida (faceta geral), correlacionou-se positivamente e significativamente com todos os 4 domínios (físico, psicológico, relações sociais e ambiente) que compõem a Qualidade de Vida, o que evidencia a sua importância. Estes resultados vão ao encontro das respostas referidas anteriormente sobre os motivos da felicidade das participantes, que salientaram a importância de se sentirem suportadas pela comunidade, com apoio social, com relacionamentos íntimos e, acima de tudo, com apoio familiar. Este sentimento permite que o sujeito se sinta parte integrante e significativa da coletividade na qual está inserido, como é o caso das participantes da nossa amostra, institucionalizados há pelo menos 3 meses. Saliente-se, ainda, o envolvimento e interação estabelecida entre estas instituições e as comunidades envolventes (e.g. projetos recreativos; saídas ao exterior; participação da comunidade nos serviços religiosos e festivos). Este sentimento de comunidade, e consequente satisfação com a mesma, previne os sentimentos de isolamento, de solidão, de estigmatização, bem como de

alienação dos sujeitos das suas comunidades (Ornelas, 2008), facto que pode justificar a sua importância para a Qualidade de Vida, sendo significativa em todos os seus 4 domínios.

Existe uma relação entre a Qualidade de Vida dos indivíduos e a comunidade onde se inserem e por isso, pertencer a um grupo, comunidade ou organização onde a pessoa possa dar e receber apoio e se sinta satisfeita, é importante, sendo uma maneira de dar mais controlo pessoal à mesma (Rappaport, 1994, cit in Ornelas, 2008), ou seja, aumentando as suas convicções e confiança pessoal nas suas capacidades e, logo contribuindo para um possível aumento na sua Qualidade de Vida (Ornelas, 2008). Desta forma, o tipo de intervenções assistenciais desenvolvidas nestas instituições parecem ser mais gratificantes e adaptadas às competências dos doentes do que as atividades que realizam quando se encontram com os familiares fora da instituição.

Por fim, passamos à análise da última regressão apresentada nesta investigação, onde se procurou perceber quais os domínios que maior influência exercem na Qualidade de Vida (faceta geral). Ao contrário do que foi encontrado no estudo de Canavarro e colaboradores (2010), onde se verificou que todos os 4 domínios surgiram no modelo de regressão linear múltipla, no nosso estudo, identificaram-se como mais influentes apenas 2, os domínios do Ambiente e o Psicológico.

Em relação ao domínio do Ambiente, este resultado vem de acordo com o esperado, uma vez que, como já fomos mencionando, o ambiente nestas casas é considerado, pelas participantes como seguro, propiciador de cuidados assistenciais e de reabilitação de elevada qualidade e com os quais as doentes se mostram satisfeitas. Além disso, devido à escassez de recursos económicos (questão também referida neste mesmo domínio) que carateriza a maioria destas pacientes e o facto de poderem nestas instituições usufruir de acesso a cuidados de saúde, manter contactos sociais, adquirir competências e participar em atividades de lazer, parece contribuir para a sua Perceção do Estado de Saúde e de Qualidade e Vida. Acerca do domínio Psicológico, apesar da sua menor contribuição para a Qualidade de Vida, este foi também identificado como preditor da mesma. O motivo pode estar relacionado com o facto de estas pacientes não demonstrarem a presença de sentimentos negativos, expressarem que se sentem satisfeitas com a sua vida e satisfeitas com a comunidade onde estão inseridas.

V. Limitações e Contributos para a Investigação e