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Capítulo 2 – Doenças Mentais Crónicas

2.2. Perturbação Bipolar

2.2.3 Tipos/Formas Clínicas

Se consultarmos o Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais (DSM- 5) constatamos que existem inúmeras formas de Perturbação Bipolar como a Perturbação Bipolar induzida por substância/medicamento e perturbações relacionadas, Perturbação Bipolar e Perturbações relacionados devidas a outra condição médica, Perturbação Bipolar e perturbações relacionadas com outra especificação e ainda a Perturbação Bipolar e perturbações relacionadas não especificadas que, nada mais são que uma perturbação do humor que não cumpre todos os critérios necessários para ser considerada qualquer uma das anteriormente expostas (APA, 2014). Contudo, seguidamente iremos apenas abordar as 3 principais, a Perturbação Bipolar do tipo I e tipo II e a Perturbação Ciclotímica.

A Perturbação Bipolar tipo I é conhecida por apresentar ataques completos e profundos de mania e por depressões profundas e paralisantes. É muito variável de paciente para paciente e o ritmo é impessoal, sendo que os principais sintomas começam, geralmente, no final da adolescência, pelos 18 anos (APA, 2014; Kaplan et al., 2003). É difícil de diagnosticar pois tão depressa estão presentes os sintomas como a seguir desaparecem, “hibernam” por vezes durante anos, dificultando também o seu tratamento e a compreensão dos doentes e familiares da importância da manutenção do mesmo, mesmo em fase de aparente “inexistência” de sintomas. A existência de um único episódio de mania, com duração igual ou superior de uma semana de elevação anormal e persistente do humor, é suficiente para o diagnóstico (Mondimore, 2003; Roque et al., 2014).

A Perturbação Bipolar tipo I caracteriza-se também por ter presente as alucinações e ideias delirantes com frequência, episódios trifásicos e recidivas assíduas com o aumento da idade. O número de episódios é muito variável mas geralmente os pacientes não têm menos que 1 ou 2 ataques e a sua duração também, sendo que poderá ir de meses a anos (Mondimore, 2003; Kaplan et al., 2003).

Por fim, sabe-se que cerca de 60% dos episódios maníacos ocorrem imediatamente antes de um episódio depressivo major. Indivíduos que têm múltiplos (4 ou mais) episódios de humor no período de 1 ano recebem o especificador “com ciclos rápidos”. Este tipo é mais frequente em mulheres (APA, 2014; Mondimore, 2003; Borja, Guerra & Calil, 2005; Dias, Kerr- Corrêa, Torresan & Santos, 2006; Kaplan et al., 2003; Madeira & Saraiva, 2014).

A Perturbação Bipolar tipo II caracteriza-se por episódios completos de depressão e por episódios de hipomania, ou seja, estes doentes não chegam a atingir um episódio de mania. A hipomania é mais breve, durando cerca de uma semana, não inclui sintomas psicóticos nem exige hospitalização, sendo em tudo o resto semelhante à mania (Moreno et al., 2005; Kaplan et al., 2003). O episódio depressivo major deve durar pelo menos 2 semanas

e o episódio hipomaníaco deve durar pelo menos 4 dias, de modo a que preencham os critérios (APA, 2014; Roque et al., 2014). Este tipo de perturbação tem como principais caraterísticas o facto de os doentes apresentarem mais sono e apetite, mesmo durante a fase depressiva as depressões são mais crónicas, geralmente há historial familiar, a idade de hospitalização costuma ser mais elevada (na maioria dos casos os pacientes passam anos com o diagnóstico de depressão major) sendo que por isso, há também menos hospitalizações mas existe um maior risco de alcoolismo e de impulsividade (Mondimore, 2003).

Por tudo isto, a Perturbação Bipolar II considera-se como uma forma menos grave mais também mais comum que a Perturbação Bipolar I, sendo mais comum que a tipo I (Mondimore, 2003). Contudo, esta noção sabe-se agora estar errada uma vez que, quando comparados com sujeitos do tipo I, os indivíduos com Perturbação Bipolar tipo II têm maior cronicidade da doença e consomem, em média, mais tempo na fase depressiva da doença, que pode ser grave/incapacitante. Além disto, este tipo costuma ter um início mais tardio (30 anos) e demora ainda mais tempo a ser diagnosticada, sendo que 12% dos sujeitos é diagnosticado com perturbação depressiva major antes do episódio hipomaníaco (APA, 2014).

Por último, a Perturbação Ciclotímica é caracterizada por períodos frequentes e curtos (desde dias a semanas) de sintomas depressivos e de hipomania, separados por períodos de humor bastante normal. Por norma, estes doentes não têm episódios completos nem de mania nem de depressão, mas antes oscilações rápidas, momentâneas e irregulares entre hipomania e depressão ligeira. Estas oscilações podem durar anos e devem estar presentes mais de metade do tempo, num total de dois anos, sem períodos livres superiores a dois meses (Mondimore, 2003; APA, 2014; Roque et al., 2014). Na ciclotimia os doentes acordam muitas vezes com alterações do humor. Tem um início insidioso e um curso crónico, sendo que o padrão se inicia no fim da adolescência ou no princípio da idade adulta, sendo por isso muitas vezes ainda confundida com problemas personalísticos. Existe 15% a 50% de probabilidade deste diagnóstico evoluir para uma Perturbação Bipolar I ou II e é mais frequente em mulheres (Mondimore, 2003; APA, 2014; Pereira et al., 2010; Kaplan et al., 2003).

2.2.4 Curso e Prognóstico

Dados de investigação indicam que a primeira manifestação dos sintomas bipolares ocorre antes dos 20 anos, mais precisamente aos 18 anos, embora a maioria (cerca de 69%) dos pacientes não sejam corretamente diagnosticados (Philips & Kupfer, 2013; Roura, 2009). Estes pacientes acabam por consultar, em média, 4 médicos antes de receber o diagnóstico correto (Philips & Kupfer, 2013; Roura, 2009; APA, 2014; Madeira & Saraiva, 2014). Na maioria dos adultos aparece sob a forma de episódios descontínuos de depressão ou de mania e os sintomas entram em remissão que podem durar meses ou anos. Raramente tem o seu início após os 50 anos (Mondimore, 2003; Moreno et al., 2015). Quando se inicia com manifestações maníacas ou com características psicóticas (menos comuns no início, 13% e 8%,

respetivamente) predizem maior morbilidade a longo prazo, com períodos de descompensação e sequências de mania e depressão mais usuais (Baldessarini et al., 2013).

A Perturbação Bipolar tem um curso que se caracteriza por sintomas crónicos e por elevados índice de recaídas e internamentos (Knapp & Isolan, 2005). A taxa de recorrência dos episódios é superior a 90% e estes causam grave deterioração do funcionamento global do indivíduo (Goodwin & Jamison, 1990, cit in Costa, 2008; Moreno et al., 2015). A evolução da doença caracteriza-se por recidivas mas também recuperações, onde geralmente o doente consegue relatar o modo como as coisas aconteceram para si na fase maníaca ou na depressiva (Mondimore, 2003).

Além de tudo isto, mesmo com a remissão dos episódios, costumam persistir sintomas subsindrómicos substanciais, principalmente sintomas depressivos (Knapp & Isolan, 2005). A remissão incompleta é frequente e a recuperação funcional é ainda mais lenta do que a sintomática (Solomon et al., 2010). Cerca de 40% a 50% dos pacientes com Bipolar do tipo I (que têm pior prognóstico) podem vir a ter um segundo episódio maníaco após 2 anos (Kaplan et al., 2003). Os primeiros episódios da Perturbação Bipolar estão muitas vezes relacionados com stressores psicológicos. Contudo, após vários episódios, a doença torna-se mais espontânea e os episódios surgem de forma natural. Apesar disso, é consensual que sob stress há maior probabilidade de reincidência (Mondimore, 2003; Kessing & Andersen, 2004).

Além destes fatores, o facto de esta perturbação ter taxas de adesão ao tratamento muito baixas promove ainda mais as recaídas, o que associado ao atraso no diagnóstico eficaz e demora no acerto da medicação, prejudica gravemente o curso e prognóstico da mesma (Costa, 2008).

A Perturbação Bipolar é uma doença recorrente, crónica e grave, que muitas das vezes apresenta também comorbilidades psiquiátricas e físicas, que agravam o seu prognóstico, aumentam o risco de suicídio, levam a uma maior utilização dos serviços de saúde, provocam um maior dano na esfera social e profissional, aumentado drasticamente a carga afetiva e os custos relacionados com a doença (Costa, 2008). Além disso, o diagnóstico de Perturbação Bipolar nem sempre é fácil, sobretudo quando apresenta apenas manifestações que podem ser confundidas com outros diagnósticos, que são mimetizados pelo primeiro (Costa, 2008; Sanches, Assunção & Hetem, 2005).

Além disto, a Perturbação Bipolar é uma doença com alta probabilidade de apresentar comorbilidades, inclusivamente com perturbações de ansiedade (piora o curso e a resposta ao tratamento destes), perturbação de hiperatividade e défice de atenção, perturbações do controlo dos impulsos e de uso de substâncias, com maior presença de fatores de risco para doenças cardiovasculares, obesidade, bem como maior probabilidade de apresentar elevadas taxas de condições médicas comórbidas, como a síndrome metabólica e a enxaqueca, aumentando por isso os custos e a carga associados à mesma (APA, 2014; Souza, 2005; Manning, 2015; Roque et al., 2014). Ao nível das funções neurocognitivas as mais afetadas acreditam-se que sejam as relativas à memória e à função executiva (Costa, 2008).

Os doentes bipolares apresentam um maior risco de morte precoce. Nestes pacientes a mortalidade é duas vezes maior, sendo que a esperança média de vida é encurtada em aproximadamente 10 anos, comparando à população geral (Crump et al., 2013). Em relação às taxas de suicídio, aproximadamente 25% dos pacientes tentam pelo menos uma vez, sendo mais grave nos pacientes onde há mais episódios de mania e mais graves (Costa, 2008; Moreno et al., 2005). Mais de metade dos pacientes bipolares experimentam ideação suicida ao longo da vida e um terço, pelo menos, comportamentos autolesivos (Valtonen, et al., 2005; Novick et al., 2010). Estima-se que pacientes com esta doença apresentem um risco de suicídio 15 vezes superior quando comparado com a população geral (APA, 2014).

2.2.5 Impacto da Doença

A Perturbação Bipolar causa um impacto significativo na Qualidade de Vida dos pacientes e dos seus familiares, afetando ainda a sociedade em geral, pelos graves custos provocados pela doença (Costa, 2008; Sajatovic et al., 2008). Na população em geral estima- se que tenha uma incidência de 1% (Goodwin, 2012). Em Portugal estima-se que a sua prevalência ronda os 1,1% (Carvalho, Mateus & Xavier, 2014). A Perturbação Bipolar é igualmente prevalente em homens e mulheres (mas com um início mais tardio nestas), sendo mais frequente em solteiros ou separados, quando comparados com casados (Lima et al., 2005; Borja et al., 2005; Dias et al., 2006).

É uma doença que causa grande impacto na vida do paciente, nomeadamente, ao nível do funcionamento social e expressivo, com muita afetação da parte comunicativa e ao nível do autocuidado (Miasso, Monteschi & Giacchero, 2009). De referir, por vezes, défice ao nível do controlo de impulsos que geram comportamentos desadequados, problemas de relacionamento interpessoal, de baixa autoestima, tendo também grande prejuízo na área laboral, muitas das vezes experienciado sentimentos de estigma ou exclusão social (Miasso et al., 2009; Sajatovic et al., 2008).

Mesmo embora muitas pessoas com Perturbação Bipolar retomem a um estado funcional pleno entre os episódios, cerca de 30% mostram uma deficiência grave no trabalho, sendo que a recuperação funcional fica muito aquém da recuperação sintomática (APA, 2014). Isto, juntamente com os défices cognitivos, os baixos rendimentos socioeconómicos e baixa recuperação ocupacional contribui para agravar o seu prognóstico (APA, 2014). Para alguns dos pacientes, o diagnóstico de Perturbação Bipolar é percebido como um entrave para concretizar alguns projetos de vida, afirmando mesmo que se torna impossível separar a sua identidade pessoal da doença e dos seus sintomas (Sajatovic et al., 2008).

Os desafios de conviver com a Perturbação Bipolar não se limitam exclusivamente ao doente, mas também à família e amigos que o acompanha. As mudanças e a imprevisibilidade dos estados de humor de um doente bipolar prejudicam bastante a vida doméstica e podem constituir uma fonte de stress para as relações (Mondimore, 2003). A família tem assim um importante papel, em questões de apoio, compreensão e encorajamento mas também com a

noção de que, por vezes, é a própria família que também precisa de apoio e aconselhamento ou terapia, para conseguir lidar melhor com o stress e com o doente (Mondimore, 2003).

A desinstitucionalização de doentes crónicos não é uma tarefa fácil, mas esta deve ser tida sempre como objetivo último e ideal, entendendo o hospital apenas como um centro especializado de diagnóstico e terapêutica (Matos et al., 2003). Os internamentos deverão ser de curta duração, de modo a reduzir os custos e facilitar assim a reintegração sociofamiliar e laboral dos doentes. Contudo nem sempre isto é possível, e os internamentos passam a ser de longa duração, passando a institucionalização, acabando alguns doentes por sofrer uma grande deterioração intelectual e consequente dependência de terceiros (Matos et al., 2003).

Quando não tratada adequadamente a doença bipolar pode comprometer de forma significativa a Qualidade de Vida do sujeito e a sua eficiência laboral, causando também um mau funcionamento ocupacional que poderá ser crónico e ser extensível por longos períodos (Costa & Campos, 2015). Além dos efeitos que esta condição crónica e recorrente provocam no funcionamento psicológico, social e físico, a Perturbação Bipolar apresenta custos indiretos altos, que englobam despesas relacionadas com as maiores taxas de desemprego e reformas precoces. Posto isto, o tratamento nesta perturbação deve sempre ter em vista não só a componente farmacológica mas também a psicossocial, tendo em vista a recuperação funcional, ou seja, o desaparecimento completo dos sintomas e o retorno ao padrão funcional do sujeito (Kleine-Budde et al., 2014; Costa & Campos, 2015).

2.3 Reabilitação Psicossocial e Intervenção Terapêutica