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Reabilitação Psicossocial e Intervenção Terapêutica

Capítulo 2 – Doenças Mentais Crónicas

2.3 Reabilitação Psicossocial e Intervenção Terapêutica

A reabilitação psicossocial é definida “como um processo que permite aos indivíduos

debilitados, incapacitados ou deficientes, devido à perturbação mental, a oportunidade de atingir o seu nível potencial de funcionamento independente na comunidade” (WHO, 2002,

p.116). É um processo abrangente que envolve o aumento das competências individuais, a nível de autonomia, socialização, desenvolvimento de potencialidades e a introdução de mudanças ambientais. Idealmente pretende-se a reinserção na comunidade, contudo esta nem sempre é fácil, uma vez que não existem estruturas preparadas para tal, a família vai desaparecendo ao longo dos anos, a não-existência de um emprego e de uma rede social de apoio (WHO, 2002).

O processo de desinstitucionalização dos doentes mentais crónicos tem ampliado o conceito do tratamento psiquiátrico. Com este alargamento evidencia-se uma crescente valorização das conquistas dos pacientes ao nível do seu desempenho pessoal, social e, em alguns casos, até na área laboral, proporcionando acompanhamento (comunitário) mas fomentando muito mais a autonomia (Bandeira, Gelinas & Lesage, 1998, cit in Junior & Souza, 2007). Esta perspetiva implica a introdução de novos paradigmas envolvendo a comunidade mais alargada e não apenas o sujeito e a sua família (Ornelas, 2008). O objetivo desta nova política de Saúde Mental é ajudar a pessoa a recuperar plenamente a sua vida em

comunidade, com apoio especializado assegurado e garantia de acesso aos cuidados de saúde mental, fora das grandes instituições, promovendo a reabilitação e integração na sociedade (CNRSSM, 2007). Contudo, a desinstitucionalização de doentes mentais crónicos de instituições psiquiátricas para a comunidade, embora tenha sua génese de formulação teórica desde o início do séc. XX, continua ainda hoje a constituir-se como um desafio, devido à complexidade e multidimensionalidade de integração comunitária (Moniz, Bruges-Costa & Ornelas, 2013).

Atualmente é consensual que a Doença Mental necessita de programas de intervenção terapêutica adequados de forma a proporcionar uma boa reabilitação psicossocial e de forma a reinserir o indivíduo na sociedade (Spadini & Souza, 2006). A manutenção da Saúde Mental é uma parte essencial da saúde em geral devendo por isso possibilitar-se ao doente o aproveitamento das suas capacidades cognitivas, relacionais e afetivas, melhorando a sua produção laboral e o seu contributo na sociedade (Souza, Baptista & Alves, 2008), sendo por isso necessário um sistema de atuação para a Saúde Mental eficaz (Roura, 2009).

O tratamento farmacológico por si só não é suficiente para a melhoria do funcionamento social dos doentes. Deve ser combinado com uma abordagem mais alargada, sendo que a reabilitação psicossocial pressupõe a existência de equipas multidisciplinares integradas na comunidade, com intervenções de longo prazo. Estas intervenções devem considerar programas específicos e individualizados mas também outros mais gerais, onde seja facultada informação e orientação (Matos et al., 2003).

O processo de reabilitação psicossocial deve aumentar as habilidades pessoais, diminuir os défices e os danos da Doença Mental, restituindo ao individuo a capacidade de reestruturação pessoal, o alcance da autonomia e a inserção na comunidade. Assim, esta deverá englobar quatro áreas base, que são a reabilitação na área recreativa/social, na residencial/habitacional, na vocacional/profissional e na educacional, devendo estar sempre também presente o treino de aptidões sociais (Afonso, 2010; Bajouco & Cerejeira, 2014; Ornelas, 2008). Assim, pretende-se diminuir o número de recaídas e de internamentos, diminuir as incapacidades provocadas pela doença, proporcionar autonomia socioeconómica, melhorar o desempenho em papéis sociais e melhorar a Qualidade de Vida (Afonso, 2010; Bajouco & Cerejeira, 2014; Cases & Gonzalez, 2010; Ornelas, 2008). Pretende-se alcançar uma recuperação funcional que, em conjunto com uma boa resposta ao tratamento, providencie uma boa reabilitação psicossocial e remissão sintomática (Valencia et al., 2014; Bajouco & Cerejeira, 2014), encorajando a perspetiva do empowerment, ou seja, estimulando os doentes a manter o controlo sobre as suas vidas, com os seus próprios objetivos, enquanto membros ativos na comunidade onde se inserem (Ornelas, 2008).

Os serviços de apoio na área social/recreativa são estruturados com o objetivo de fortalecer e fomentar as relações interpessoais dos seus membros, permitindo o acesso e o envolvimento em atividades que aumentem o seu sentido de participação e satisfação social (Ornelas, 2008).

As redes de habitação constituem aspetos da reabilitação psicossocial, cujos objetivos são a emancipação do doente, a redução do estigma, a melhoria das competências sociais e individuais e a criação de um sistema de suporte sólido e de longa duração (CNRSSM, 2007). Possuir casa própria representa uma melhoria em termos de Qualidade de Vida, bem-estar e

empowerment, possibilitando maior nível de privacidade e liberdade individual, a vários

níveis, como sejam o controlo de rotinas, de gestão diária, de relações íntimas, familiares e sociais (Ridgway, 2007 cit in Ornelas, 2008). Existe uma série de estruturas terapêuticas de reabilitação e de apoio para auxiliar os doentes a reintegrar-se na comunidade. Pretende-se assim reforçar a intervenção ambulatória, a prevenção, os reinternamentos e a manutenção da integração do doente na sociedade, consolidando a desinstitucionalização (Afonso, 2010; Ornelas, 2008).

Os hospitais de dia são um dos exemplos e consistem numa estrutura terapêutica de internamento a tempo parcial, com equipas multidisciplinares, destinada a fornecer aos doentes um programa terapêutico específico. Funcionam como uma estrutura de transição entre o internamento completo e o regime de ambulatório (Afonso, 2010; Ornelas, 2008). Além destes, existem também as unidades de vida apoiada/treino residencial, destinadas essencialmente a doentes com doença psiquiátrica de evolução prolongada, que já não necessitam de cuidados tão imediatos e frequentes como os de regime de internamento mas que ainda não são suficientemente autónomos para voltar à comunidade. Nestas unidades não está nenhuma equipa residente, apenas há supervisão pela equipa de reabilitação que os ajuda no treino de autonomia (Afonso, 2010; Ornelas, 2008). Na generalidade estas residências estão inseridas dentro das próprias instituições psiquiátricas, possibilitando um regime de autonomia intermédio, e podendo posteriormente dar-se acesso às residências protegidas. Estas residências também são estruturas de reabilitação mas os doentes já vivem na comunidade, em regime de semiautonomia, com supervisão de um técnico de saúde mental (Afonso, 2010; Ornelas, 2008).

As residências protegidas, localizadas na comunidade, permitem ao doente estimular as suas capacidades de autonomia uma vez que os obriga a satisfazer necessidades básicas e a lidar com regras sociais, estimulando a sua independência, inclusive, sobre a toma da medicação (que deverá ser autónoma) (Matos et al., 2003; Afonso, 2010; Ornelas, 2008). Estas residências visam contrariar o ambiente de internamento e auxiliar no processo de desinstitucionalização. Geralmente possuem capacidade para 5 a 7 utentes e destinam-se a pacientes com doença de longa duração mas com boa capacidade autonómica. São supervisionadas por terapeutas ocupacionais, sendo que se pretende promover a integração destes doentes em empregos, em regime protegido ou normal. Existem também os apartamentos, que poderão ser de carácter transitório ou permanente, que dispõem de uma esquipa profissional na proximidade (Matos et al., 2003; Afonso, 2010; Ornelas, 2008).

O domínio vocacional/profissional permite a mobilização e integração dos doentes no mercado de trabalho. Pretende-se a sua transformação em agentes produtivos, facilitando a criação de novas relações e a manutenção de um emprego (Ornelas, 2008). Para a maioria das

pessoas, ter um emprego é um benefício a nível psicológico e económico, funcionando como fonte de rendimentos, independência económica e também como fonte de contatos sociais e de realização pessoal, proporcionando por isso, inclusão. Os empregos protegidos devem incluir a avaliação vocacional, oportunidades de apoio na seleção de um trabalho e o desenvolvimento de competências de ajustamento ao posto de trabalho, pois os doentes sentem, frequentemente, dificuldades em retornar ao mercado de trabalho, em virtude das dificuldades geradas pela doença (Ornelas, 2008). Assim, é importante que haja um período de adaptação, muitas das vezes um ensino acompanhado, para que o doente consiga adquirir competências laborais. Além disso, a remuneração é algo fundamental na reabilitação destes doentes, uma vez que lhes reforça a sua autoestima e os motiva para mais autonomia e responsabilidade (Ornelas, 2008; Afonso, 2010). A inserção destes pacientes no mercado de trabalho pode também passar pela criação de fóruns sóciocupacionais, empresas de reinserção e trabalho integrado, tentando minorar a inatividade destes pacientes (Matos et al., 2003).

Os serviços de apoio educacional deverão ser também parte integrante do modelo de reabilitação psicossocial uma vez que permitem também a melhoria das capacidades individuais para o funcionamento de papéis sociais na comunidade, como seja, o treino de habilidades sociais ou de resolução de problemas (Ornelas, 2008). Nesta perspetiva, deve ser fornecida formação ao nível da gestão monetária, da toma de medicação, dos hábitos alimentares, desde o processo de compra de alimentos até à sua confeção, utilização de meios de transporte entre outras aprendizagens. Estes programas podem, e devem em alguns casos, ser estendidos às famílias, englobando outras matérias, como seja o curso e prognóstico da doença, a importância do suporte social, entre outros temas (Ornelas, 2008). Os programas de educação apoiada visam também facilitar o reingresso ou entrada na escola ou universidade, apoiando o seu percurso escolar de uma forma natural e em contextos escolares formais. A participação num ambiente educacional traz consequências positivas, pois possibilita o desenvolvimento de novas relações, o aumento da confiança, do fortalecimento pessoal, aumento das suas oportunidades e habilidades, melhorando por sua vez a sua Qualidade de Vida (Ornelas, 2008).

2.3.2. Intervenção Terapêutica

Todas as intervenções psicossociais de equipas multidisciplinares orientadas para a comunidade procuram melhorar o prognóstico dos doentes, utilizando-se numa perspetiva complementar a outras intervenções terapêuticas, como a farmacologia (Matos et al., 2003). As técnicas de intervenção terapêutica mais utlizadas são a Terapia Cognitivo- Comportamental, o Treino de Competências Sociais, as Terapias Familiares, Técnicas de Manutenção da ansiedade, de Reabilitação Cognitiva, a Psicoeducação, individual ou grupal, Programas de Autocuidado, participação em atividades de lazer, laborais e de integração comunitária (Cases & Gonzalez, 2010; Giraldez et al., 2010).

Estima-se que, em média, a não adesão à terapêutica para as perturbações psiquiátricas seja cerca de 50% (Rosa & Elkis, 2007). Muitas vezes, o tratamento estritamente farmacológico da Esquizofrenia e da Perturbação Bipolar é insuficiente, pois para além da adesão à terapêutica é necessária o cumprimento correto da prescrição. A adesão a tratamentos farmacológicos é um processo complexo que envolve múltiplos fatores, nomeadamente, alguns ligados diretamente ao paciente. A não adesão à medicação na Esquizofrenia está associada a pior prognóstico, maior probabilidade de recaídas, de novas hospitalizações e aumento do uso dos recursos de saúde (Nicolino et al., 2011). Apesar do benefício evidente dos novos antipsicóticos, cera de 30% a 40% dos casos apresentam resistência à medicação (Gonçalves-Pereira et al., 2006). Na Perturbação Bipolar, apesar de a terapêutica medicamentosa ser a base do tratamento, apenas 40% dos pacientes que aderem permanecem assintomáticos durante o período de seguimento, por cerca de dois a três anos (Mondimore, 2003). Cerca de 50% dos pacientes bipolares interrompem o tratamento pelo menos uma vez e 30% duas vezes, no mínimo (Lingam & Scott, 2002; Gonçalves, Santin & Kapczinski, 2008). Isto aumenta o risco de internamento em quatro vezes e aumenta o risco de suicídio, possibilitando mais facilmente uma nova crise (Pellegrinelli & Antonio, 2015).

As estratégias psicossociais, quando combinadas com a terapia farmacológica, cooperam para uma redução do número de hospitalizações, para um melhoramento das interações pessoais e do funcionamento social do paciente, contribuindo assim para um aumento da sua Qualidade de Vida (Figueiredo et al., 2009; Gonçalves et al., 2008; Afonso, 2010). O processo de reabilitação destes doentes requer um conjunto de ações que complementem os seguintes objetivos: promoção do funcionamento pessoal e interpessoal, com instituição de autonomia e independência na comunidade, atenuação da gravidade sintomática e comorbilidades associadas e melhorias na função cognitiva (Renca & Cerejeira, 2014). Por este motivo desenvolveram-se intervenções terapêuticas, como a Psicoeducação, a Psicoterapia, individual ou grupal (Mondimore, 2003; Knapp & Isolan, 2005; David & Bio, 2015; Roso & Pellegrinelli, 2015; Gonçalves et al., 2008; Shirakawa, 2000; Zanini, 2000; Colom & Vieta, 2004; Figueiredo et al., 2009; Justo & Calil, 2004; Madeira & Saraiva, 2014), a Terapia Familiar (Gonçalves-Pereira et al., 2006; Gama, Zimmer & Abreu, 2008; Matos et al., 2003; Mondimore, 2003; Gomes & Lafer, 2007; Knapp & Isolan, 2005; Roso & Pellegrinelli, 2015; Madeira & Saraiva, 2014; Scazufa, 2000), a Psicoterapia Cognitivo-Comportamental, englobando diversos treinos e estratégias, como por exemplo o Treino de Habilidades Sociais ou o recurso a registos de Automonitorização (Knapp & Isolan, 2005; Madeira & Saraiva, 2014; Neto, 2004; Costa & Calais, 2010; Loureiro, 2013; Loureiro, 2011; Afonso, 2010; Gama et al., 2008; Shirakawa, 2000), a Terapia Interpessoal e do Ritmo Social (Roso & Pellegrinelli, 2015; Gonçalves et al., 2008; Madeira & Saraiva, 2014; Mondimore, 2003; Neto, 2004; David & Bio, 2015) entre outros.

Todas elas têm como objetivo a adesão ao tratamento, controlar fatores de risco associados à recorrência de novos episódios e diminuir os prejuízos psicossociais e ocupacionais, reduzindo hospitalizações (Mondimore, 2003; Pereira et al., 2010; Madeira &

Saraiva, 2014). A intervenção psicológica apresenta uma boa relação custo-efetividade, permitindo aliviar o sofrimento das pessoas, mas também reduzir os custos com a saúde, diretos (na procura de serviços, no número de consultas, de dias de internamento, idas às urgências) e indiretos (aumento da produtividade, redução do absentismo), minorando o impacto num conjunto de variáveis (Ordem dos Psicólogos Portugueses, 2011).