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Neste tópico, tratar-se-á da ratio decidendi, ainda nomeada de holding198, razão de

decidir, motivos determinantes199 ou “núcleo do precedente”200, pois é a parte do precedente

que realmente será utilizado em casos futuros pelos julgadores.

De início, apresenta-se uma noção básica do que seria a razão de decidir. Esta corresponderia aos fundamentos ou teses jurídicas que conduziram o magistrado, ao analisar o caso concreto, à luz do direito, a tomar uma dada decisão e que, futuramente, poderão ser

utilizados em outro caso201. Dessa forma, trata-se da parte do precedente que o juiz aplicará

196 SCHAUER, Frederick. Thinking like a lawyer: a new introduction to legal reasoning. Cambridge: Harvard

University Press, 2009, p. 73.

197No original: “The earlier case is a binding precedent, but here, unlike in the situation involving vertical

precedent, where we understand binding to mean nonoverridable by any other consideration, the binding force of stare decisis is real but decidedly nonabsolute”. SCHAUER, Frederick. Thinking like a lawyer: a new

introduction to legal reasoning. Cambridge: Harvard University Press, 2009, p. 76.

198 A diferença entre os termos ratio decidendi e holding é somente relativa à países, pois “são expressões

sinônimas, sendo que a primeira (ratio decidendi) é mais utilizada entre os ingleses; a segunda (holding), entre os norte-americano. DIDIER JR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. op. cit. p. 443.

199Macêdo explica que o STF e o STJ utilizam mais o vocábulo “motivos determinantes”. MACÊDO, Lucas

Buril de. Precedentes judiciais e o direito processual civil. Salvador: JusPODIVM, 2015, p. 309.

200 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. op. cit. p. 5.

no caso posterior ao avaliar o precedente formado anteriormente. Essa definição, que goza de precisão, será lapidada durante o capítulo.

Conceito entrelaçado ao de ratio decidendi é o obiter dicta (esta expressão

corresponde ao plural de obiter dictum202) que, a grosso modo, seriam entendimentos

dispensáveis. Essa diferenciação será melhor evidenciada posteriormente. Antes deve-se dar um pouco mais de realce sobre algumas questões peculiares envolvendo a ratio.

Primeiramente, destaca-se a variedade enorme de compreensões sobre o que seria a ratio decidendi, transcrevendo-se algumas concepções existentes:

1. A(s) regra(s) de Direito explicitamente declaradas pelo juiz como base de sua decisão, isto é, a resposta explícita para a(s) questão(ões) de Direito do caso; 2. A(s) razão(ões) explicitamente dada(s) pelo juiz para a decisão, ou seja, a

explícita justificação para a(s) resposta(s) dada(s) à questão no caso;

3. A(s) regra(s) de Direito implícita(s) no arrazoado do juiz para justificar a decisão, ou seja, a(s) resposta(s) implícita(s) à(s) questão(ões) de Direito do caso;

4. A(s) razão(ões) implicitamente dada(s) pelo juiz para a decisão, ou seja, a justificação implícita para a(s) resposta(s) dada(s) à questão do caso;

5. A(s) regra(s) de Direito na(s) qual(is) se fundamenta o caso ou é(são) citada(s) pelo intérprete como vinculantes, ou seja, a(s) resposta(s) atribuída(s) à questão de Direito do caso.203

Com isso, percebe-se que a tarefa a ser tratada aqui é bastante complexa e não se tem intuito de chegar a uma resposta cabal, pois, na realidade, não é tão necessária. Explica- se.

Raimo Siltala indica que existem vários modelos teóricos ou ideológicos de

precedentes. Essa variedade depende da forma como cada sistema jurídico – e também pode

ser utilizado pelos estudiosos – responde a 12 pontos propostos pelo autor que, ao serem

definidos, resultaram em modelos diversos. É algo similar a análise combinatória na matemática, ou seja, um sistema pelo qual, a partir de cada combinação, encontra-se um modelo específico.

Os 12 pontos são divididos em 4 áreas e são os seguintes: 1) Aspectos de definição

a) Critério de distinção de ratio decidendi e obiter dictum. b) Ponto de referência na decisão.

c) Modo de vinculação do precedente.

d) Grau de abstratividade da norma jurisprudencial. 2) Aspectos semânticos

a) Estática sistêmica do precedente. b) Dinâmica sistêmica do precedente. c) Abertura/Fechamento argumentativo.

202 ROMÃO, Pablo Freire; PINTO, Eduardo Régis Girão de Castro. op. cit. p. 52.

203 TWINING, William; MIERS, David. How to do Things with rules. Fifth edition. New York: Cambridge

University Press, 2010, p. 305 apud LOPES FILHO, Juraci Mourão. Os precedentes judiciais no constitucionalismo brasileiro contemporâneo. 2. ed. Salvador: JusPODIVM, 2016, p. 178.

3) Aspectos pragmáticos

a) Fonte/efeito da ratio de um precedente. b) Método de argumentação.

c) Critérios para não se utilizar um precedente. 4) Aspecto de justificação

a) Critério de justiça.

b) Embasamento teórico/ideológico.204

Apesar da apresentação, como já deve-se ter notado, não se optou por utilizar de

forma direta a ideia de Siltala – indiretamente, discute-se diversos aspectos neste estudo, isto

é, há uma abordagem não organizada desses pontos. O que se quis ressaltar com a explanação é que existem mais de uma abordagem teórica para os precedentes e, se decidiu apresentar isto somente aqui, porque a definição do que é ratio decidendi tem um grande papel na forma como os precedentes são vistos em um sistema jurídico, até porque, como mencionado, a razão de decidir é o que efetivamente se utiliza quando se aplica precedentes.

Dito isso, analisa-se uma dupla faceta que constitui a razão de decidir. São duas perguntas correlatas e que quase se misturam: (1) o que será considerado para a futura decisão e (2) de onde será retirado na decisão paradigma. Por que se diz que “quase se misturam”? Simples: porque podem ser englobados em saber no que consiste o núcleo do precedente. Opta-se por um primeiro momento de exposição sobre as principais correntes e um segundo, no qual dedica-se a uma avaliação crítica destas.

Quanto ao local onde deve ser encontrada a ratio decidendi, foram estabelecidos

diversos métodos no direito de origem do common law205. Essa grandiosidade de métodos –

204 Esse trecho, na realidade, é da obra de Juraci Mourão Lopes Filho, autor que se utiliza de Siltala para

formular sua teoria sobre precedente. Para ver detalhadamente como cada ponto é visto na visão do autor: LOPES FILHO, Juraci Mourão. Os precedentes judiciais no constitucionalismo brasileiro contemporâneo. 2. ed. Salvador: JusPODIVM, 2016, p. 154-250. O trecho original de Siltala é o seguinte: “A. Definitional features:

(1) operative precedent-norm conception (2) point of reference (3) deontic mode (4) precedent-norm individuation B. Systemic features: (5) argumentative closure (6) static systemic structure: degree of systematicity in a set of precedents (7) dynamic systemic structure: binding force of the ratio of a case C. Pragmatic features: (8) source/effect of a the ratio of a case (9) method of argumentation (10) techniques of departure from a precedent D. Justificatory features: (11) criteria of justice (12) theoretical background rationale”. Somente a título de ilustração, são essas as 6 ideologias dos precedentes definidas por Siltala: “(1) judicial reference: (a) reference model (2) judicial legislation: (b) quasi-legislative model (c) binding reasons model (3) judicial exegesis: (d) reconstructed rule model (e) material facts model (f) material reasons model (4) judicial analogy: (g) model rule approach (h) paradigm case model (i) model reasons approach (5) systemic construction of underlying reasons from a prior case (or a line of cases): (j) underlying reasons model (6) judicial revaluation: (k) reinterpreted rule model (l) requalified facts model (m) revalued reasons model”.

SILTALA, Raimo. A theory of precedent: from analytical positivism to a post-analytical philosophy of law. Hart Publishing: Oxford, 2000, p. 75-76.

205 Para ver detalhadamente sobre os métodos de identificação da ratio decidendi: MACÊDO, Lucas Buril de.

Precedentes judiciais e o direito processual civil. Salvador: JusPODIVM, 2015, p. 311-317. DIDIER JR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. op. cit. p. 446-450. LOPES FILHO, Juraci Mourão. Os precedentes judiciais no constitucionalismo brasileiro contemporâneo. 2. ed. Salvador: JusPODIVM, 2016, p. 167-177.

Karl Llewellyn, em estudo dedicado ao tema, identificou 64 formas de encontrar a ratio206 advém da dificuldade prática de delimitar diferenças entre a ratio decidendi e a obiter

dictum207.

A exposição sobre esses métodos é de menor importância no trabalho – apesar de

ser interessante – por dois motivos. O primeiro é que são muitos métodos propostos, sem que

exista um que se sobressaia. O outro é que a apresentação e a discussão relacionada a saber o que é utilizado no precedente na futura decisão é muito mais produtiva. São quatro formas de

observar a ratio: regra; princípio; fatos substanciais e respostas; e razões208. Cada uma dessas

concepções identifica modelos sobre o que é o precedente e, assim, permite apresentar acertos e erros, principalmente, para a prática brasileira. Mesmo assim, a exposição não objetiva alcançar um esgotamento de argumentos a favor ou contra uma determinada identificação.

O primeiro modelo tratado é o mais comum entre os estudiosos brasileiros209, qual

seja, a ratio decidendi como uma regra extraída do texto da decisão anterior.

Antes, apresenta-se algumas considerações elaboradas por Schauer sobre regras, porquanto são importantes para diferenciar o entendimento do que seja considerar a ratio

decidendi como regra ou como razão. Schauer trabalha, principalmente, sobre regras que ele

chama de imperativas prescritivas210. São elas as famosas regras nas quais há uma hipótese

descritiva e uma consequência prescritiva. Na hipótese são encontradas um número grande de

206 DUXBURY, Neil. The nature and authority of precedent. Cambridge: Cambridge University Press, 2008,

p. 69.

207 Duxbury, por exemplo, elenca seis motivos pelo qual é tão difícil identificar a ratio decidendi de um

precedente. Pode-se resumir da seguinte forma: 1) muitas vezes o conceito de ratio e dictum são muito próximos e somente se encontram diferenças após vários casos, pois muitos juízes vão “lapidando” o que foi importante para definir algo em um sentido; 2) haveria casos sem ratio decidendi, ilustrando uma situação que o raciocínio vencedor foi composto por argumentos distintos e não seria possível dizer ao certo qual desses; 3) de modo oposto, percebe-se casos com mais de uma ratio, o que dificulta saber, ao certo, qual serão vinculantes, principalmente se algum esses se mostram mutuamente contrários entre si, pois “Where a majority of judges

agree as to the decision but disagree as to the correct grounds for the decision, extracting a ratio decidendi from the case may be an arbitrary exercise” (se decidiu-se com base em A, B e C, mas B e C são contrário, como

compatibilizar?); 4) a quem cabe identificar a ratio: o tribunal emissor do precedente ou julgador que irá aplicá- lo? 5) qual a definição de ratio decidendi? 6) onde procurar a ratio decidendi? Ibidem. p. 68-76.

208 Essa diferenciação é proposta por Raimo Siltala, ao tratar do ponto de referência do precedente. SILTALA,

Raimo. A theory of precedent: from analytical positivism to a post-analytical philosophy of law. Hart Publishing: Oxford, 2000, p. 68-69. Para a elaboração dessas diferenças, também essenciais os seguintes estudos: ALEXANDER, Larry A.; SHERWIN, Emily. Precedent. U San Diego Legal Studies Research Paper, n. 05-14. Disponível em: https://ssrn.com/abstract=591666. Acesso em: 12 out. 2017. MAUÉS, Antonio Moreira. Jogando com os precedentes: regras, analogias, princípios. Revista Direito GV, v. 8, n. 2, p. 587-623, 2012.

209 Por muitos, cita-se: ROMÃO, Pablo Freire; PINTO, Eduardo Régis Girão de Castro. op. cit. p. 51.

MACÊDO, Lucas Buril de. Precedentes judiciais e o direito processual civil. Salvador: JusPODIVM, 2015, p. 318. PEIXOTO, Ravi. op. cit. p. 155. BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Teoria do precedente judicial: a justificação e a aplicação de regras jurisprudenciais. São Paulo: Noeses, 2012, p. 352. Apesar disso, muitos destacam a importância de se observar os fundamentos da decisão para saber como o juiz chegou a este pensamento.

210 MAUÉS, Antonio Moreira. Jogando com os precedentes: regras, analogias, princípios. Revista Direito GV,

situações – uma generalização – que são escolhidas por uma certa justificativa (razão)211. O mesmo pode ser dito do seguinte modo: “a norma define, dentre as múltiplas possibilidades que se oferecem ao homem, os tipos de conduta desejáveis, ao considerar sua relevância para

a manutenção e progresso da vida social”212.

A partir disso, o autor destaca que a generalização se dá por meio de uma probabilidade, ou seja, a regra tenta alcançar o máximo de casos possíveis que estejam sob o

motivo que lhe dá sustentação e que suportaram as consequências previstas213. Por ser uma

probabilidade, entretanto, a regra acaba por englobar situações que não deveriam estar contidas, pois não seriam justificadas pelo motivo geral, bem como deixa de fora outras que mereceriam o mesmo tratamento. Essas são características das regras que o autor nomeia

como, respectivamente, over e under-inclusive (são as experiências recalcitrantes214).

Tomando como exemplo a regra de “proibidos cachorros no restaurante”, a qual tem como justificativa o fato desses aborrecem os clientes, ela é over quando engloba cachorros que não

causam perturbação e é under quando não proíbe outros animais que possam perturbar215.

Dessa forma, Schauer diz que é possível lidar com essas experiências recalcitrantes de dois modos. O primeiro modelo, o da conversação, observa as razões de uma forma mais clara, de forma que a hipótese será moldada a partir de situações particulares para evitar a consequência sobre elas ou então está será estendida para situações não previstas. No segundo, tais situações, normais para qualquer regra, são aceitas sem se procurar a razão,

modelo adotado por Schauer e nomeado de “modelo de entrincheiramento”216.

Qual a importância disso para os precedentes? É que se faz uma escolha entre uma maior garantia de segurança e praticidade, considerando que a ratio é uma regra no segundo modelo, então haverá situações overs e unders na sua aplicação, ou, então, considera-se como razões e, por consequência, quando for aplicá-la haverá uma maior atenção aos motivos ou justificativas que levaram àquela decisão, o que pode acarretar muitas não aplicações do precedente, pois os casos têm particularidades que podem acabar por justificar a não utilização.

211 Ibidem. p. 592-593.

212 VASCONCELOS, Arnaldo. Teoria da Norma Jurídica. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 20.

213 SCHAUER, Frederick. Las reglas en juego: un examen filosófico de la toma de decisiones basada en reglas

en el derecho y en la vida cotidiana. Traducción de Claudina Orunesu; Jorge L. Rodríguez. Madrid: Marcial Pons, 2004, p. 87-88.

214 MAUÉS, Antonio Moreira. op. cit. p. 593-594.

215 SCHAUER, Frederick. Las reglas en juego: un examen filosófico de la toma de decisiones basada en reglas

en el derecho y en la vida cotidiana. Traducción Claudina Orunesu; Jorge L. Rodríguez. Madrid: Marcial Pons, 2004, p. 90-92.

Assim, considerar que a ratio é uma regra retirada do julgado anterior significa que haverá um processo de ampliação da regra contida na decisão para que se possa aplicar posteriormente, havendo uma espécie de reconstrução da decisão anterior quando formada a decisão posterior. Não é preciso, todavia, que a regra geral e abstrata esteja prevista expressamente no julgado anterior, mas que seja possível alcançá-la pelos fatos, pelos

fundamentos e/ou pelo comando contido no dispositivo da decisão217. Dessa forma, a norma

prevista no julgado anterior será encontrada para que seja aplicada nos casos futuros em que fatos de grande similaridade estejam presentes.

Nesse modelo, a autoridade do precedente será baseada em questões formais, como a posição hierárquica do tribunal que enunciou o precedente, a segurança jurídica (estabilidade), a proteção da confiança dos jurisdicionados e o tratamento igualitário dos julgados (justiça formal), além disso, Alexander e Sherwin destacam que pode incentivar os acordos privados e aumentar a crença de imparcialidade dos julgadores, pois as partes saberão

o que lhes espera com maior certeza218. Depreende-se uma restrição mais severa aos juízes,

pois observaram os precedentes de forma mais restrita.

Vale ressaltar, por fim, que mesmo Frederick Schauer, um dos maiores defensores dessa concepção mais “presa” dos precedentes, explica que a obrigação de seguir o precedente poderá ser excepcionada quando a razão que justificou a formação da regra for tão forte que permita isto. Para tanto, o autor se utiliza de exemplos afora das decisões judiciais para explicar sua posição. O primeiro caso é quando alguém marca um almoço com outra

pessoa e, assim, assume a obrigação – moral, no caso – de comparecer ao encontro no local e

hora marcados, mesmo que, por exemplo, alguém que interessa à pessoa a convide para sair naquele mesmo horário. Se um parente próximo fica doente, todavia, a situação se modifica em virtude de uma situação de excepcionalidade surgida, pois a obrigação do auxílio ao parente é mais forte. Em seguida, apresenta o caso de um policial que não dá um bilhete de multa por alta velocidade a um certo homem que está dirigindo daquele modo porque sua

esposa, que está grávida, precisa chegar urgentemente no hospital219.

Já quando se entende a ratio como composta pelas razões que justificam o julgado, têm-se em mente uma concepção de autoridade substancial dos precedentes, pois o que importa e vincularia é o acerto no julgado quanto à interpretação do ordenamento jurídico e sua aplicação para solucionar um problema.

217 ALEXANDER, Larry A.; SHERWIN, Emily. op. cit. p. 20. 218 ALEXANDER, Larry A.; SHERWIN, Emily. op. cit. p. 8.

219 SCHAUER, Frederick. Thinking like a lawyer: a new introduction to legal reasoning. Cambridge: Harvard

O que se analisa é o “porquê” que os julgadores chegaram àquela resposta ao analisarem o direito à luz dos fatos. Há um foco maior no raciocínio judicial elaborado e nas argumentações apresentadas para saber se é possível aplicar o mesmo entendimento no futuro. Alexander e Sherwin dizem que esta concepção de ratio seria de um raciocínio moral sobre os

precedentes, no qual os juízes posteriores realizaram um “all-things-considered”220, ou seja,

vão acabar por adentrar nos meandros do julgado e considerá-lo como certo a partir da análise de suas justificações.

A visão de ratio como princípio é apresentada com base em Dworkin, pois quando

se fala em precedente como princípio quase sempre se remete a ele221. Adverte-se que, de

certo modo, uma visão de princípios assemelha-se, e pode até ser igual, ao que se escreveu quanto ao modelo de razões. Isto, porque, como dito pelo próprio Dworkin:

Denomino “princípio” um padrão que deve ser observado, não porque vá promover ou assegurar uma situação econômica, política ou social considerada desejável, mas porque é uma exigência de justiça ou eqüidade ou alguma outra dimensão da moralidade.222

Há, na definição de princípio de Dworkin, um nítido entrelaçamento entre norma e moral. Também se percebe está aproximação na passagem de Siltala, tomada com base em Dworkin:

No caso dos princípios legais, por sua vez, o operador deôntico S significa não mais do que uma relação de imputação deficiente ou fraca: “se p, então deve ser esse q, a menos que existam razões compensatórias suficientemente fortes com relação a que q que possam ser sopesadas no caso em questão”, ou “se p, então deve ser que mais ou menos q, dependendo do impacto relativo de outras razões contrárias no caso em questão”. Agora, o operador deôntico S não estabelece mais do que uma força normativa fraca, deficiente ou aberta na relação entre um conjunto de fatos legais e consequências legais: se certos fatos estiverem presentes, as consequências legais prescritas devem ser aplicadas pelo juiz, embora sujeito a ser modificado por uma alusão aberta a razões de fundo axiológico e/ou teleológico do direito [...]223

220 ALEXANDER, Larry A.; SHERWIN, Emily. op. cit. p. 5.

221 Exemplos disso são as seguintes obras: SILTALA, Raimo. op. cit. p. 58-60. DUXBURY, Neil. op. cit. p. 58-

62. ALEXANDER, Larry A.; SHERWIN, Emily. op. cit. p. 15-19. MAUÉS, Antonio Moreira. op. cit. p. 604- 610. RAMIRES, Maurício. Crítica à aplicação de precedentes no Direito Brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 73-79.

222 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes,

2002, p. 36.

223 No original: “In the case of legal principles, in turn, the deontic operator S signifies no more than a deficient

or weak relation of imputation: “if p, then it ought to be that q, unless there are strong enough countervailing reasons present with reference to which q may be outweighed in the case at hand”, or “if p, then it ought to be that more-or-less q, depending on the relative impact of other countervailing reasons in the case at hand”. Now, the deontic operator S lays down no more than a weak, deficient or open-ended normative ought in the relation between a set of legal facts and legal consequences: if certain facts are present, then the prescribed legal consequences ought to be enforced by the judge, although subject to being modified by an open-ended allusion to such axiological and/or teleological background reasons of law [...]”. SILTALA, Raimo. A theory of precedent:

Mesmo assim, opta-se por apresentar a visão de Dworkin devido algumas considerações que este faz e que são importantes para a aplicação de precedentes da forma entendida neste trabalho. No Brasil é conhecida a distinção que Dworkin elaborou entre princípios e regras:

A diferença entre princípios jurídicos e regras jurídicas é de natureza lógica. Os dois conjuntos de padrões apontam para decisões particulares acerca da obrigação jurídica em circunstâncias específicas, mas distinguem-se quanto à natureza da orientação que oferecem. As regras são aplicáveis à maneira do tudo-ou-nada. Dados os fatos que uma regra estipula, então ou a regra é válida, e neste caso a resposta que ela fornece deve ser aceita, ou não é válida, e neste caso em nada contribui para a decisão. [...] Mas não é assim que funcionam os princípios [...] Mesmo aqueles que mais se assemelham a regras não apresentam consequências jurídicas que se seguem automaticamente quando as condições são dadas. [...] Um princípio como “Nenhum