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Definir um conceito de precedente judicial não é tarefa fácil. Para tanto, apresentam-se diversos conceitos que facilitam o entendimento do leitor, para então colocar uma definição que preze pela simplicidade e completude. Adverte-se que a escolha de juristas brasileiros se dá em face de uma intenção deste trabalho de demonstrar a forma que os precedentes são utilizados no Brasil para, assim, analisar como a nova legislação poderá auxiliar na melhoria (ou não) da utilização deles. Apesar disso, serão feitas comparações com estudos estrangeiros em busca da compreensão mais eficaz da matéria.

Comecemos com Didier, Braga e Oliveira, os quais definem precedente como “a decisão judicial tomada à luz de um caso concreto, cujo elemento normativo pode servir como

diretriz para o julgamento posterior de casos análogos”150.

Já Ravi Peixoto define:

É a decisão de um caso singular apta a, pelo menos, influenciar o julgamento de um caso posterior. Do precedente, isto é, a partir da cuidadosa leitura do inteiro teor da decisão (relatório, fundamentação e dispositivo) pode haver a extração da ratio

decidendi e do obiter dictum para que se possa extrair seu significado e a amplitude

do que foi efetivamente decidido.151

Para Ataíde Júnior:

150 DIDIER JR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual

Civil: teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela. Salvador: JusPODIVM, 2015, v. 2, p. 441.

o precedente constitui-se numa decisão judicial, considerada em relação de anterioridade a outras, cujo núcleo essencial, extraível por indução, tende a servir como premissa para julgamentos posteriores de casos análogos”152.

Luiz Guilherme Marinoni destaca os precedentes judiciais da seguinte forma: Os precedentes judiciais, como entendemos neste trabalho, consistem no resultado da densificação de normas estabelecidas a partir da compreensão de um caso e suas circunstâncias fáticas e jurídicas. No momento da aplicação, deste caso-precedente, analisado no caso-atual, se extrai a ratio decidendi ou holding como o core do

precedente. Trata-se, portanto, da solução jurídica explicitada argumentativamente

pelo intérprete a partir da unidade fático-jurídica do caso-precedente (material facts e a solução jurídica dada para o caso) com o caso-atual.153

De grande importância também é a conceituação proposta por Juraci Mourão Lopes Filho:

Precedente, portanto, é uma resposta institucional a um caso (justamente por ser uma decisão), dada por meio de uma applicatio, que tenha causado um ganho de sentido para as prescrições jurídicas envolvidas (legais ou constitucionais), seja mediante a obtenção de novos sentidos, seja pela escolha de um sentido específico em detrimento de outros ou ainda avançando sobre questões não aprioristicamente tratadas em textos legislativos ou constitucionais. Essa resposta é identificada em função não só dos elementos de fato (abstratos ou concretos) e de direito (em suas mútuas influências) considerados no julgamento e obtidos da análise da motivação apresentada, mas também dos elementos amplos que atuaram no jogo de-e-para do círculo hermenêutico e que integram as razões subjacentes do julgamento. Essa resposta comporá a tradição institucional do Judiciário merecendo consideração no futuro, inclusive por tribunais superiores, pois mesmo escalões mais elevados não podem ignorar os outros elos do sistema em rede que formam. Sua utilidade na ordem jurídica é, adicionalmente, funcional, pois elide o desenvolvimento de outras decisões a partir de um grau zero, evitando subjetivismos, economizando tempo e garantindo uma igualdade de tratamento entre casos substancialmente iguais154.

Georges Abboud e Lenio Luiz Streck tem uma das propostas mais importante por aclarar a dupla faceta inerente no conceito de precedentes:

O precedente, assim, terá dois níveis de análise: em um primeiro momento, o precedente é uma decisão de um Tribunal com aptidão a ser reproduzida-seguida pelos tribunais inferiores, entretanto, sua condição de precedente dependerá de ele ser efetivamente seguido na resolução de casos análogos-similares. Ou seja, não há uma distinção estrutural entre uma decisão isolada e as demais decisões que lhe devem “obediência hermenêutica”.155

152 DIDIER JR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. op. cit. p. 442.

153 MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes (Treat Like Cases Alike) e o novo Código de Processo Civil:

Universalização e vinculação horizontal como critérios de racionalidade e a negação da "jurisprudência persuasiva" como base para uma teoria e dogmática dos precedentes no brasil. Revista de processo. v. 235, p.

239-349, 2014, p. 5 da versão digital. Disponível em:

<https://www.academia.edu/16753510/Precedentes_Treat_Like_Cases_Alike_e_o_novo_C%C3%B3digo_de_Pr ocesso_Civil._Universaliza%C3%A7%C3%A3o_e_vincula%C3%A7%C3%A3o_horizontal_como_crit%C3%A 9rios_de_racionalidade_e_a_nega%C3%A7%C3%A3o_da_jurisprud%C3%AAncia_persuasiva_como_base_par a_uma_teoria_e_dogm%C3%A1tica_dos_precedentes_no_Brasil>. Acesso em: 25 jul. 2017.

154 LOPES FILHO, Juraci Mourão. Os precedentes judiciais no constitucionalismo brasileiro

contemporâneo. 2. ed. Salvador: JusPODIVM, 2016, p. 275.

155 STRECK, Lenio Luiz; ABBOUD, Georges. O que é isto - o precedente judicial e as súmulas vinculantes?

A partir disso, não há ainda como apresentar um conceito de precedentes, pois é preciso explicar que esta definição se dá sobre o conceito mais abrangente de precedente, tomando-se como parâmetro a própria decisão judicial.

Essa afirmativa somente faz sentido quando se compreende que parte da doutrina estabelece o conceito a partir da essência do precedente, isto é, a parte que realmente é aplicada no caso futuro, que é a ratio decidendi (como será visto no tópico 2.3). Esse seria o

sentido estrito de precedente judicial, no qual há identificação entre ele e a ratio decidendi156.

Ravi Peixoto sintetiza muito bem essa questão:

Um primeiro sentido faz referência a todo o ato decisório [...]. Nesse aspecto, o precedente é texto, é fonte do direito. A partir dele e das decisões posteriores é que será formada a norma geral. Nesse aspecto denominado de próprio, ele atuará como referência para as decisões posteriores, servindo de ponto de partida para a resolução de casos concretos semelhantes. [...]. Um segundo aspecto, denominado de

impróprio157, refere-se à ratio decidendi, ou seja, a norma jurídica a ser extraída da

decisão158.

Após isto, apresenta-se pontos chaves para formar um conceito de precedente judicial (lato sensu). O primeiro, e que deve estar sempre em evidência, é que o precedente

judicial é uma decisão judicial159. Isso significa que o precedente nasce a partir de situações

concretas, nas quais os fatos ganham um maior relevo – por mais que (se) possa visualizar

precedentes formados em demandas eminentemente sobre questões de direito, como as ações de controle de constitucionalidade.

Somado a isto, relevante se mostra a proposição apresentada por Streck e Abboud,

156 DIDIER JR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. op. cit. p. 442.

157 Importante mencionar que a escolha de ser considerado como próprio o sentido mais amplo e impróprio

aquele no qual a ideia de precedente é identificada como a razão de decidir é algo que não é padronizado. Observe que, por exemplo, Michele Taruffo ao tratar do tema diz “é considerado como precedente em sentido próprio, isto é, aquela parte da sentença à qual se faz referência por dela derivar a regra de julgamento para o caso sucessivo” ou, no original, “determinazione di ciò che si considera come precedente in senso proprio, ossia

quella parte della sentenza alla quale si fa riferimento per derivarne la regola di giudizio per il caso successivo”. TARUFFO, Michele. Precedente e jurisprudência. 2014, p. 5. Disponível em:

<http://civilistica.com/wp-content/uploads/2015/02/Taruffo-trad.-civilistica.com-a.3.n.2.2014.pdf>. Acesso em: 23 jul. 2017. TARUFFO, Michele. Precedente e giurisprudenza. 2007, p. 4. Disponível em: <http://civilistica.com/wp-content/uploads/2015/03/Taruffo-civilistica.com-a.3.n.2.2014.pdf>. Acesso em: 23 jul. 2017.

158 PEIXOTO, Ravi. op. cit. p. 128.

159“A precedent is a past event – in law the event is nearly always a decision – which serves as a guide for

present action” ou, em tradução livre, “Um precedente é um evento passado – no direito o evento é quase sempre

uma decisão – que serve como um guia para a ação atual” . DUXBURY, Neil. The nature and authority of precedent. Cambridge: Cambridge University Press, 2008, p. 1. “Precedents are prior decisions that function as

models for later decisions”. Tradução livre: “Os precedentes são decisões anteriores que funcionam como

modelos para decisões posteriores”. MACCORMICK, D. Neil; SUMMERS, Robert S. Introduction. In: MACCORMICK, D. Neil; SUMMERS, Robert S.; GOODHART, Arthur L. Interpreting precedents: a comparative study. Great Britain: Aushgate Publishing Limited, 1997, p. 1.

pois denota algo de fundamental importância: o precedente só passa a ser considerado como de fato um “precedente” – isto é, aquilo que precede – quando utilizado no futuro. Dessa forma, o precedente tem um duplo estágio: o primeiro é aquele no qual ele emerge dentro de uma decisão prévia, ganhando “corpo”, ou seja, é criado como uma decisão judicial com potencialidade para resolução de outros casos; o segundo refere-se à utilização num futuro caso, no qual será observado aquilo que foi determinante como fator(es) para alcançar a resposta anterior.

Essa ideia (duplo momento na percepção do precedente, a qual será detalhada em tópicos futuros) é fundamental para compreensão dos precedentes na forma utilizada neste estudo, pois ressalta uma dinamicidade inerente aos precedentes. Como será exposto durante o restante do estudo, apesar de o precedente ser uma decisão, ele não é utilizado de uma forma estanque. Quando o julgador (um juiz ou um tribunal) firma uma decisão, sua principal preocupação é tentar dar uma regulação jurídica para um caso que lhe foi apresentado. Os outros julgadores quando deparados com situações que guardam uma similitude com aquela anterior, devem observar a decisão anterior, pois já foi construído um raciocínio jurídico sobre o caso. Apesar disso, cabe, precipuamente, aos julgadores futuros estabelecerem os pontos de relevância na decisão anterior, numa relação hermenêutica com o texto desta decisão, ou seja,

haverá um “diálogo”160 entre o que foi produzido anteriormente e aquilo que o juiz se depara

nos casos futuros – novos fatos e novos argumentos.

Ao elaborar seu conceito, Ravi Peixoto evidencia algo importante, que é a

necessidade de o precedente ser, ao menos, influente para casos futuros161. Apesar do autor

160 No mesmo sentido: LOPES FILHO, Juraci Mourão. Os precedentes judiciais no constitucionalismo

brasileiro contemporâneo. 2. ed. Salvador: JusPODIVM, 2016, p. 273-274. Raimo Siltala explica que a força vinculante do precedente somente pode ser vista se analisada a partir de, pelo menos, dois casos diferentes: “The

resulting binding force of a precedent is brought into effect by the mutual coeffort of the two or more courts involved, i.e. the prior court or courts and the subsequent court. There will be at least two cases involved, the previous case, or a set of such cases, and the subsequent case with its new facts to be ruled upon”. No trecho

também é destacado que seria preciso duas cortes distintas, pois o autor está visualizando a situação tradicional e mais comum de vinculação dos precedentes, que é aquela que se dá entre uma corte de superior posição na hierarquia do Judiciário que profere uma decisão que deverá ter sua razão de decidir utilizada futuramente por uma corte ou juiz de menor hierarquia, contudo, é perfeitamente possível pensar em uma vinculação daquele que proferiu a decisão a casos futuros, ou seja, o mais importante é a relação dialética entre uma decisão já produzida e outra em elaboração. SILTALA, Raimo. A theory of precedent: from analytical positivism to a post-analytical philosophy of law. Hart Publishing: Oxford, 2000, p. 65.

161 Tanto que Alexy e Dreier, ao conceituar precedentes, já destacam que é pressuposta algum grau de vinculação

dessa decisão as futuras, contudo não há uma “predefinição” necessária ou, ainda, um alto grau de vinculação, bastando que seja relevante - de qualquer forma - para o futuro, isto é, deve servir como parâmetro. Veja nas palavras dos autores: “Precedent' (Prajudiz) is usually taken to mean any prior decision possibly relevant to a present case to be decided. The notion presupposes some kind of bindingness, but its use in legal discourse does not imply anything definitive about the nature or the strength of that bindingness. Also it is not necessary that the deciding court expressly adopt or formulate a decision to guide future decision making in order to talk about it as a precedent. Being relevant for any future decision is sufficient”. ALEXY, Robert; DREIER, Ralf. Precedent in

colocar o atributo dentro do seu conceito de precedente para – provavelmente – enaltecer a diferença entre precedentes vinculantes e precedentes persuasivos, ele se torna importante para destacar que somente deve ser considerado precedente a decisão que acrescenta algo de

novo162. O que se quer se destacar é que a decisão em um caso posterior que use o raciocínio

exarado em outra decisão como fundamento não está criando um novo precedente. Apesar disso, não é de todo incorreto falar que existem vários precedentes no mesmo sentido. Essa frase estabelece, com mais precisão, que existe uma linha de decisões que mantiveram um mesmo raciocínio jurídico. Essa linha de decisões é importante para firmar um precedente dentro de um sistema jurídico.

Dito isso, pode-se definir precedente judicial como uma decisão judicial que, ao analisar os fatos e o direito, por um processo interpretativo, e dar uma resposta para o caso por meio de uma argumentação que contenha algo de novo na interação entres as normas jurídicas

e os fatos163, passa a ser útil como parâmetro racional de resposta a outros casos que com ele

se assemelhem, cabendo aos juízes, em casos posteriores, determinar as razões jurídicas (padrão normativo) exaradas na decisão paradigma, através de um trato dialogal (hermenêutico), para que possam, fundamentalmente, aplicar como justificativa para sua decisão. Ou, de forma resumida: decisão judicial que responde um caso de modo a acrescentar algo de novo na interpretação/aplicação do direito e que se torna parâmetro para que decisões de casos futuros tentem alcançar a resposta correta por meio de um processo racional de diálogo entre o passado e o presente.