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Ao tratar de súmulas, talvez se esteja analisando um dos institutos do direito brasileiro que mais aparece como um “salvador do Judiciário”. Do mesmo modo que se fez ao falar de jurisprudência, começa-se conceituando súmula, antes de adentrar na sua utilização.

Via de regra, pode-se dizer que a súmula é um enunciado elaborado por um

Tribunal, por meio de um ato administrativo341, que representa a jurisprudência dominante,

isto é, representa um entendimento que esteja pacificado – pelo menos naquela Corte – ou em

vias de ser. Com outras palavras, a súmula:

[...] é apenas uma tentativa de enunciação destacada da ratio decidendi do entendimento de um determinado tribunal, sendo, basicamente, uma forma de facilitar a identificação pelos demais julgadores da jurisprudência dominante daquele órgão jurisdicional sobre um determinado tema.342

Em contraponto, apresenta-se a definição de Gustavo Marinho de Carvalho a qual contém alguns problemas que serão revelados juntamente com a proposta de utilização das súmulas (vinculantes ou não) que se considera mais interessante:

As súmulas (vinculantes ou não), como sabemos, nada mais são do que enunciados normativos dotados de generalidade e abstração, extraídos de casos concretos, emitidos pelos Tribunais brasileiros, com o propósito de uniformizar a interpretação sobre determinado assunto, a partir de uma ou de reiteradas decisões.343

341 LOPES FILHO, Juraci Mourão. Os precedentes judiciais no constitucionalismo brasileiro

contemporâneo. 2. ed. Salvador: JusPODIVM, 2016, p. 128.

342 PEIXOTO, Ravi. Superação do Precedente e Segurança Jurídica. 2. ed. Salvador: JusPODIVM, 2016, p.

138-139.

343 CARVALHO, Gustavo Marinho de. Precedentes Administrativos no Direito Brasileiro. São Paulo:

De início, é preciso deixar claro que a súmula deve tentar ser um reflexo de um precedente que esteja reiterado em diversos julgados, o que é destacado no trecho transcrito de Ravi Peixoto, ao dizer que na súmula tenta-se expressar de forma resumida a ratio

decidendi comum em diversos julgados.

Aqui há um primeiro problema na conceituação de Gustavo Carvalho, pois o autor fala que a súmula poderia advir de uma só decisão. Apesar de na prática um tribunal poder

fazer isso, seria uma distorção do sentido de existirem súmulas344. Observe que mesmo o

Legislativo quando previu a Súmula Vinculante, por meio da Emenda Constitucional nº 45 de

2004, estabeleceu como um dos critérios a reiteração de decisões345. Ademais, conforme

explica Marcelo de Souza, a intenção histórica e inicial dos tribunais ao criarem súmulas era a de facilitar seu trabalho a partir da enunciação dos entendimentos majoritários sobre uma

certa situação346. Por fim, estabelecer súmulas sem que estas manifestem um entendimento

majoritário é uma prática quase que legislativa do Judiciário, pois estará enunciando um texto geral e abstrato sem que este esteja apoiado em razões proferidas anteriormente. Por tais motivos que a elaboração de uma súmula decorrente de um único caso, como a súmula nº 539

do STF347, ou de poucas decisões, como a Súmula Vinculante nº 11348, tornam-se discutíveis

344 LOPES FILHO, por exemplo, diz que “as súmulas são tomadas como expressivas de entendimento bem

arraigado e pacificado, pois se pressupõem sumários da jurisprudência dominante de um tribunal e, portanto, algo mais estável.”. LOPES FILHO, Juraci Mourão. Os precedentes judiciais no constitucionalismo brasileiro contemporâneo. 2. ed. Salvador: JusPODIVM, 2016, p. 129. No mesmo sentido: SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Do precedente judicial à súmula vinculante. Curitiba: Juruá, 2006, p. 253.

345 O art. 103-A tem a seguinte redação: “O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação,

mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.”

346 Gustavo Marinho de Carvalho explica que as súmulas surgirão com o STF em 1963 para desafogar o trabalho

dos juízes. CARVALHO, Gustavo Marinho de. Precedentes Administrativos no Direito Brasileiro. São Paulo: Contracorrente, 2015, p. 107-108. Cláudia Cimardi evidencia que o “STF, por emenda de 28.08.1968 ao seu Regimento Interno então vigente, instituiu a Súmula da Jurisprudência Predominante, um compêndio das teses jurídicas uniformes de suas decisões”. CIMARDI, Cláudia Aparecida. op. cit. p. 300. Em complemento, Marcelo de Souza, após expressar o mesmo motivo para o surgimento da súmula, acrescenta, como outros motivos, a certeza do Direito dada pela súmula, a previsibilidade e a igualdade. SOUZA, Marcelo Alves Dias de. op. cit. p. 252-253.

347 O enunciado da súmula é o seguinte: “É constitucional a lei do Município que reduz o imposto predial urbano

sobre imóvel ocupado pela residência do proprietário, que não possua outro”. Sem adentrar no acerto do entendimento, evidencia-se que o único caso julgado foi uma arguição de inconstitucionalidade (nº 674), na qual se alegava uma violação formal ao art. 10, b do Estado da Guanabara. A decisão foi pela improcedência do pedido. Ao ler o acórdão, entretanto, não há uma mínima menção aquilo mencionado na súmula, o que leva a constatação de uma verdadeira atividade criativa do Judiciário nesse caso. Ressaltando esta incongruência: “É curioso notar, contudo que o precedente que originou a súmula de que se cuida não se ocupou de tais questões. Discutia-se, tão somente, aspecto formal, ligado à competência para iniciar o processo legislativo [...]”. MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Direito tributário nas súmulas do STF e do STJ. São Paulo: Atlas, 2010, p. 89.

(para não se dizer inconstitucionais).

Decorrente dessa última afirmação, há outra questão importante. As súmulas são elaboradas pelas próprias cortes que emitem precedentes como antecipação do sentido que se deve dar à ratio decidendi do precedente, isto é, estabelecem por meio da súmula a visão que acreditam corretas sobre a ratio decidendi. Em resumo, súmulas demonstram visão prescritiva da ratio decidendi, isto é, o próprio órgão já define como deve ser compreendida a razão do julgado349.

348 Essa súmula trata do uso de algemas. Os quatro precedentes que constam com utilizados para o firmamento

da decisão são: 1) HC 91952 (Publicação: DJe nº 241 de 19/12/2008); 2) HC 89429 (Publicação: DJ de 02/02/2007); 3) HC 71195 (Publicação: DJ de 04/08/1995); e 4) RHC 56465 (Publicação: DJ de 06/10/1978). Os dois últimos julgados, que são mais antigos, tratavam de nulidade dos julgados por de uso de algemas em audiência e, no caso do HC de 1995, a nulidade era fundamentada numa possível influência negativa sobre o júri devido a imagem do acusado algemado, o que conduziria a um estereótipo de que este é perigoso. Apesar disso, foi dito que não havia mácula alguma, pois a utilização se deu para evitar que houvesse ameaça à integridade física das testemunhas ou risco de fuga, cabendo ao juiz manter a ordem na audiência, em respeito à Justiça. Já o

habeas corpus de 2007 tinha caráter preventivo, alegando-se que o acusado não devia ter que se deslocar

algemado até o Superior Tribunal de Justiça onde participaria de uma audiência, bem como não devia permanecer algemado quando estive no Tribunal por proteção a sua imagem perante a sociedade. Neste julgado, mais expressamente é dito que somente se deve usar algemas em duas situações: “a) para impedir, prevenir ou dificultar a fuga ou reação indevida do preso, desde que haja fundada suspeita ou justificado receio de que tanto venha a ocorrer; b) para evitar agressão do preso contra os próprios policiais, contra terceiros ou contra si mesmo” e, por isso, foi concedida a ordem para que somente se colocasse algemas se o paciente estivesse dentro das situações mencionadas. No último julgado, também estava presente uma pessoa que fora submetida algemada a audiência em um caso de julgamento por júri. É dito no julgado que “manter o acusado em audiência, com algema, sem que demonstrada, ante práticas anteriores, a periculosidade, significa colocar a defesa, antecipadamente, em patamar inferior, não bastasse a situação de todo degradante”. Após as discussões (disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/jurisprudenciaSumulaVinculante/anexo/SUV_11_12_13__ Debates.pdf>). O texto final da súmula foi o seguinte: “Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado”. Apesar dos poucos julgados, ao que parece, a súmula retrata a principal lição explicitada, com algumas ressalvas. Uma delas é o fato de todos os casos tratarem do uso de algemas em audiência e da súmula ser mais expansiva, como se tivesse tratado do uso de forma ampla. Antes de explicar as demais ressalvas, é importante mencionar a explicação de Hermes Zaneti Jr. ao dizer que as súmulas são a “externalização, em um enunciado, da razão de decidir de vários (reiterados) precedentes (aqui não importa tanto que sejam muitos, no sentido de variados, mas que sejam bem pensados, no sentido de solucionar bem o ‘problema’ posto, ou seja, formar uma ‘jurisprudência dominante’, uma convicção firme e também satisfatória do thema in decidendum, de forma a

vincular também a própria Corte nas decisões futuras).”. ZANETI JR, Hermes. O valor vinculante dos

precedentes: teoria dos precedentes normativos formalmente vinculantes. 2. ed. Salvador: JusPODIVM, 2016, p. 187. Retornando as ressalvas, destaca-se que somente no julgado mais recente é que se tratou sobre uma responsabilização penal, civil e administrativa daquele funcionário público que utiliza arbitrariamente as algemas, dessa forma, não é possível dizer que havia uma jurisprudência dominante nesse ponto. Ademais, nos casos de julgamentos do júri há divergência quanto a influência da algema sobre os jurados. No mais antigo não se dá importância, preferindo sustentar que é permitido usar algemas se se tiver diante de uma situação de possível perigo para terceiros. Já no último julgado há um maior relevo sobre a questão da algema influenciar. Além do mais, o entendimento reflete uma interpretação quase gramatical do art. 474, § 3º do Código de Processo Penal, o que estabelece: “não se permitirá o uso de algemas no acusado durante o período em que permanecer no plenário do júri, salvo se absolutamente necessário à ordem dos trabalhos, à segurança das testemunhas ou à garantia da integridade física dos presentes”. Por fim, quanto à justificativa por escrito, está questão somente surgiu nas discussões para elaboração do enunciado da súmula, o que poderia significar uma certa extrapolação do Judiciário, que estaria atuando como legislador.

349 Marinoni, com base em Julius Stone, diferencia a ratio decidendi entre prescritiva e descritiva. Ele defende

Ademais, também há uma certa visão prospectiva do precedente. Conforme exposto nos tópicos 3.2 e 3.3, os precedentes podem ser formados com olhos para resolução de casos futuros e não somente do que está sendo julgado, já sendo adiantado alguns debates com a adoção dos argumentos que devem ser aceitos para aplicação futura (visão prospectiva). De outro lado, é possível entender que num primeiro momento há preocupação somente em decidir um caso e os demais juristas, no futuro, quando deparados com casos similares, delimitarão o que foi mais importante na decisão anterior (visão retrospectiva). No trabalho foi defendido que precipuamente caberá aos julgadores futuros trabalharem na delimitação da ratio decidendi, funcionado o julgado anterior como uma pedra que deverá ser lapidada, ou seja, o julgamento anterior dá limites que devem ser observados pelos futuros

intérpretes350. Ademais, o fato da corte se preocupar com as consequências do seu julgamento

é algo importante, mas não pode ser determinante para a decisão.

Nesse momento, a menção feita por Gustavo Carvalho sobre a generalização e a abstração merece especial atenção. Ao dizer que é geral e abstrata, está se dando relevo ao fato da súmula ser elaborada pelo tribunal como se ele estivesse pensando uma lei, isto é, ela prevê um texto que estabelece uma regra de resolução para o futuro ou, ainda, “a súmula não

exsurge para resolver um caso, mas, sim, para resolver ‘todos os casos futuros’”351.

Essa visão, todavia, é danosa352. Não é possível dar à súmula um poderio de

resolução abstrata de casos, como se “tudo” já estivesse dito naquele verbete de forma a esgotar todas as variáveis do futuro ou, como sintetiza Ravi Peixoto, como se tentasse uma

“abstrativização” que não condiz com a dinâmica dos precedentes353.

Essa visão “legalista” da súmula deturpa e enfraquece os precedentes que a fundamentam. Mesmo a lei, com sua previsão geral e abstrata constante em um texto precisa de interpretações, como seria possível retirar a compreensão hermenêutica e, principalmente, contextual da súmula? A resposta é simples: não é possível. E o porquê disso é o fato das

futuros, no máximo, podem descrever o que já foi feito. MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 167.

350 Ravi Peixoto sintetiza o pensamento adotado aqui ao dizer que “A delimitação da ratio decidendi será

realizada pelos julgados posteriores, atuando aquele julgado original como um parâmetro inicial do texto a ser interpretado. PEIXOTO, Ravi. Superação do Precedente e Segurança Jurídica. 2. ed. Salvador: JusPODIVM, 2016, p. 163.

351 STRECK, Lenio Luiz; ABBOUD, Georges. O que é isto - o precedente judicial e as súmulas vinculantes?

3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015, p. 65.

352 Streck e Abboud, após apresentarem essa característica que julgam comum nas súmulas, apresentam severas

críticas a uma visão mecânica no uso das súmulas (que é exatamente a que toma precedente como algo similar a um texto legal). Para entender as críticas dos autores: Ibidem, p. 64-90.

353 Sobre isso, o mencionado autor diz que “[...] para a aplicação dos precedentes, os fatos não podem ser

ignorados, situação que ocorreria pela autonomia interpretativa do texto da súmula”. PEIXOTO, Ravi. Superação do Precedente e Segurança Jurídica. 2. ed. Salvador: JusPODIVM, 2016, p. 139.

súmulas advirem de situações concretas (casos anteriores que foram julgados), fazendo com que haja uma imersão desse contexto para o devido entendimento do que aquele enunciado

representa354.

O raciocínio é uma sequência natural da já explicada diferença entre a norma contida nos precedentes e a norma presente nas proposições legislativas. Como dito no tópico 3.3, o precedente surge a partir de situações concretas e a resposta existente no caso advém da intenção de melhor solucionar aquilo que foi apresentado. O legislador, todavia, mesmo que

tenha uma situação que motivou o surgimento da lei355, trabalha tentando vislumbrar o

máximo de situações possíveis dentro da previsão legislada. Sendo a súmula decorrência da jurisprudência majoritária e sendo esta formada pela utilização reiterada de um precedente em várias decisões, a conclusão é que a súmula não pode destoar daquilo que lhe dá suporte, que

são os precedentes356. Nesse sentido, a Lei nº 13.105/15 afirma no art. 926, § 2º que “ao editar

enunciados de súmula, os tribunais devem ater-se às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram sua criação” e, ainda, o Fórum Permanente de Processualistas Civis destacou por meio do enunciado nº 166 que “a aplicação dos enunciados das súmulas deve ser realizada

a partir dos precedentes que os formaram e dos que os aplicaram posteriormente”.

Outra questão a ser destaca é a seguinte: somente se utilizam súmulas porque os precedentes não são vistos no Brasil como vinculantes, mas meramente persuasivos e, por isso, somente é conferida relevância a entendimentos refletidos em uma jurisprudência

354 Hermes Zaneti Jr., apesar de realizar diferenciações quanto aos precedentes que não se concorda neste estudo

(conforme exposto no tópico 3.4), elucida corretamente que “a aplicação será obtida da razão de decidir, e não

só pelo enunciado da súmula, que serve apenas como guia e fórmula sintética, jamais como regra abstrata, até

porque, na sua formação, tem como premissa casos concretos, dos quais não se pode distanciar sem perder substâncias” (grifos no original). ZANETI JR, Hermes. O valor vinculante dos precedentes: teoria dos precedentes normativos formalmente vinculantes. 2. ed. Salvador: JusPODIVM, 2016, p. 188.

355 Há diversas leis que surgem após casos midiáticos, numa verdadeira tarefa “simbólica” do legislador, o qual

tenta dar uma “resposta” a injustiça cometida, como o caso da Lei 12.737/2012 que tipifica crimes informáticos, sendo decorrência dos vazamentos de fotos íntimas da atriz Carolina Dieckmann, bem como a Lei 8.930/1994 que alterou o rol de crimes hediondos para incluir - corretamente, ressalta-se - o homicídio qualificado, a qual derivou do homicídio da também atriz Daniella Perez em 1992. Apesar disso, os frutos desse sentimentalismo na feitura da lei podem ser graves. Não se critica a motivação sentimental em si dos legisladores, pois os sentimentos compõem o homem e são cruciais para que continuemos vivendo em sociedade - é só pensar que são muitas vezes são motivações sentimentais que fazem com que as pessoas ajudem outras e se importem com o sofrimento alheio -. O que se evidencia aqui é que, por mais que de início o legislador seja motivado por algum caso concreto, no momento em que as discussões são iniciadas para a confecção da lei é preciso realizar um exercício de imaginação para sair somente daquele caso inicial e ir para outros, de forma que não se cometa novas injustiças por má previsões legais que deixem de fora situações que, invariavelmente, deveriam receber o mesmo tratamento, ou de modo mais popular, deve-se evitar que a lei se torne um “tiro no próprio pé”.

356 Em sentido semelhante: LADEIRA, Aline Hadad; BAHIA, Alexandre Melo Franco. O precedente judicial em

paralelo à súmula vinculante: pela (re) introdução da facticidade ao mundo jurídico. Revista de processo. v. 234, 2014, p. 277.

majoritária357. Discorda-se disto, visto que se acredita que da técnica sumular é possível tirar proveitos mesmo se o Brasil passar a respeitar os precedentes de forma mais séria, ou melhor, mesmo que lhes garantam o que a lei tenta impor: integridade, coerência e estabilidade.

Na realidade, o que a súmula faz é resumir aquela grande quantidade de julgados de forma a facilitar o entendimento sobre a ratio decidendi das decisões que formam uma linha de precedentes no mesmo sentido, ou melhor, representam a aceitação sistêmica do

precedente replicado358. Utilizando de uma analogia, pode-se pensar em uma súmula como

um trailer, enquanto a linha de precedentes formariam o filme.

Para compreender como as súmulas podem ter um espaço no sistema jurídico, é preciso entender que o ser humano trabalha com simplificações. A clarificação para compreender esse processo de simplificação humana é transcrita aqui:

Simplificar a realidade para tornar possível sua compreensão não é errado. Aliás, é necessário, e mesmo inafastável, dadas as limitações da cognição humana [...]. Quando se alude à simplificação, e se apontam as deficiências que dela decorrem, não se pretende afastá-la, o que seria impossível, mas a partir da constatação de suas falhas, procurar de algum modo minimizá-las. [...] Há duas consequências importantes no reconhecimento da maior abundância e complexidade do real, diante da simplificada imagem que se faz dele. A primeira, subjacente ao próprio raciocínio falibilista [...], diz respeito à provisoriedade e à incompletude do conhecimento, que deve sempre manter-se aberto à crítica e à possibilidade de se apontarem erros. A segunda, mais sutil, [...] consiste na constatação de que o todo é

maior do que a soma das partes, pelo que, [...] é preciso estudar também o todo, ou

as relações que se estabelecem entre as várias partes e o resultado delas decorrentes, algo que o estudo departamentalizado de cada uma delas não permite.359

O trecho não é direcionado aos precedentes e às súmulas, mas é perfeitamente aplicável. De início, porque, como defendido aqui, a principal vantagem da súmula é a de funcionar como uma espécie de “trailer” do precedente consolidado, ou seja, ela é uma simplificação e, por ser assim, não pode ser compreendida como uma manifestação suficiente para a melhor compreensão daquilo que ela retrata, ou seja, de certo modo “o ‘precedente’

não cabe na súmula” (grifos no original)360. Relembra-se que ao tratar do que seria a ratio decidendi (tópico 3.3), explicou que até mesmo o precedente é, muitas vezes, simplificado

357 Nesse sentido: MACÊDO, Lucas Buril de. op. cit. p. 113. ROMÃO, Pablo Freire; PINTO, Eduardo Régis

Girão de Castro. Precedente judicial no novo Código de Processo Civil: tensão entre segurança e dinâmica do direito. Curitiba: Juruá, 2015, p. 41.

358 Streck e Abboud, por exemplo, mesmo realizando uma série de considerações sobre problemas nas súmulas -

os autores tratam da súmula vinculante, mas acredita-se que as críticas acabam por ser estendidas, em grande parte, para quaisquer súmulas -, dizem que estas podem auxiliar uma cultura jurídica de respeito a integridade do direito, além delas servirem como uma espécie de “selo jurídico” de uma conquista hermenêutica. STRECK,