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Aproximação entre o civil law e o common law e a importância do precedente

Após explicar como surgiu a doutrina do precedente judicial e do stare decisis e que ela não é “umbilicalmente” atrelada ao common law, passa-se a analisar algumas situações que a doutrina costuma destacar como mitigadoras de diferenças entre as famílias

114 “The value of the doctrine of precedent rests in its capacity to commit decision-makers to a course of action

but in its capacity simultaneously to create constraint and allow a degree of discretion. A theory capable of demonstrating that judges can never justifiably refuse to follow precedent would support the doctrine of stare decisis ill-suited to the common law. For the common law requires an unassailable but strong rebuttable presumption that earlier decisions are followed. It requires that past events be respected as guides for present action, but not to the extent that judges must maintain outdated attitudes and a commitment to repeating their predecessors' mistakes”. DUXBURY, Neil. op. cit. p. 183.

115 Guido Fernando Silva Soares, por exemplo, explica que “embora seja o ‘case law’ a principal fonte do direito,

pode ele ser modificado pela lei escrita, que, nos EUA, lhe é hierarquicamente superior; diz-se então que um ‘case’ foi ‘reversed by statute’. É inexato dizer-se que na ‘Common Law’ os juízes não aplicam um ‘Statute Law’ [...]”. SOARES, Guido Fernando Silva. Estudos de Direito Comparado (I) - O que é a "Common Law", em particular, a dos EUA. Revista da Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, v. 92, 1997, p. 181.

jurídicas do civil law e do common law e, ainda, alguns pontos que conduzem o Brasil à inequívoca situação de ter que adotar uma postura de respeito aos precedentes judiciais.

Antes, destaquemos uma importante reflexão realizada por Streck e Abboud: não há uma tradição, em si, melhor que outra. Os autores afirmam que é possível considerar que um dado sistema jurídico de uma nação pode ser melhor que o de outra, mas ao analisarem o aspecto hermenêutico na construção jurisprudencial explicam que:

[...] a correção da interpretação independe do sistema jurídico adotado – common

law ou civil law. Em ambos os sistemas, é possível que o juiz adote uma postura

estritamente positivista e discricionária. Nos dois, o juiz, se não realizar uma atualização hermenêutica de seu paradigma decisório, poderá afirmar que a interpretação do direito consiste em atividade para desvelar a vontade do Legislador, do Patriarca, da lei, do precedente etc. Em síntese, argumentar por lei ou por precedente não assegura, por si só, uma resposta hermeneuticamente autêntica.116

Superada tal questão, começa-se explicando a “convergência” entre os sistemas

jurídicos do civil law e do common law num panorama amplo, para então tratar sobre a postura do Brasil frente à observância dos precedentes.

Dessa forma, o primeiro ponto de destaque é o constitucionalismo, ou melhor, o

neoconstitucionalismo117. A partir desse momento, há uma modificação sobre o papel da

Constituição dentro de um ordenamento jurídico, pois esta passa a ter força normativa e a resguardar os valores mais caros da sociedade, sendo o seio de proteção a direitos

fundamentais, muito deles sendo enunciados na forma de princípios118. Essa mudança na

visão do sistema, colocando a Constituição no cume deste, fez com que “a lei não mais vale

por si, porém depende da sua adequação aos direitos fundamentais”119, isto é, o trabalho

jurisdicional passa a ser no sentido de garantir direitos fundamentais e não mais somente

declarar a vontade da lei120.

A alteração relaciona-se com a diminuição da importância dada à lei dentro do

civil law, pois o juiz passa a ter que realizar um esforço interpretativo pouco comum até então

nos sistemas dessa tradição. Resume-se: o juiz tem sua função interpretativa mais

116 Aclarasse que os autores tomam a palavra “sistema” como similar de tradição, de forma diferente do presente

autor, conforme explicou-se no início do trabalho. STRECK, Lenio Luiz; ABBOUD, Georges. op. cit. p. 94.

117 Romão e Pinto resumem as principais características do neoconstitucionalismo: “1) reconhecer força

normativa à Constituição e aos princípios jurídicos; 2) expandir a jurisdição constitucional; 3) desenvolver uma nova dogmática na interpretação e aplicação do direito, marcada pela valoração dos princípios e pela ponderação; 4) aproximação do direito da moral e da ética, incluindo a filosofia nas discussões jurídicas; 5) irradiar normas e valores para todos os ramos do direito [...]”. ROMÃO, Pablo Freire; PINTO, Eduardo Régis Girão de Castro. op. cit. p. 68-69.

118 MERRYMAN, John Henry. op. cit. p. 72. MARINONI, Luiz Guilherme. Aproximação crítica entre as

jurisdições de civil law e de common law e a necessidade de respeito aos precedentes no Brasil. Revista da Faculdade de Direito UFPR, v. 49, 2009, p. 38. ATAÍDE JÚNIOR, Jaldemiro Rodrigues de. op. cit. p. 44.

119 MARINONI, Luiz Guilherme. op. cit. p. 38. 120 MACÊDO, Lucas Buril de. op. cit. p. 75.

evidenciada, pois os textos da Constituição abrangem situações mais complexas, exigindo um

maior trabalho hermenêutico em prol da coesão do sistema jurídico121. Quanto a essa

afirmação é preciso apontar que os princípios não podem ser vistos como um componente “liberatório” da interpretação do Direito e, por consequência, da decisão judicial, isto é, os princípios não podem ser utilizados como válvulas de escape para realização de “dribles

hermenêuticos”122.

O Judiciário passou também a exercer o controle da lei por meio da compatibilidade com a Constituição, o que tem conduzido os tribunais a se utilizarem de técnicas como exemplos da interpretação conforme a Constituição, da declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução do texto e, ainda, da supressão de ausência legislativa em matéria relacionadas a direitos constitucionais (no Brasil, utiliza-se o mandado de injunção para tal fim)123.

Este é o segundo ponto que teria aproximado as tradições. Jaldemiro Rodrigues de Ataíde Júnior e Patrícia Perrone Campos Mello destacam que o controle difuso e,

principalmente, o controle concentrado124 permitem aos magistrados tomar decisões que

vincularam outros órgãos do Judiciário, pois se não fosse assim, haveria o inconveniente de

órgãos aplicando leis que outros declararam inconstitucionais125. Ressalva-se, todavia, que a

vinculação é do conteúdo da decisão em controle de constitucionalidade e não dos precedentes dela decorrentes, como será visto no tópico 5.2.

Quanto à aproximação do civil law ao common law por ocorrência do neoconstitucionalismo, vale mencionar a crítica feita por Juraci Mourão Lopes Filho, com a qual se concorda perfeitamente. Este afirma que há uma mitigação entre as diferenças tradicionais dos países com sistemas de common law e de civil law, pois:

há, inegavelmente, um intenso intercâmbio dos dois sistemas, não porque o estrangeiro esteja mais apto a lidar com o constitucionalismo moderno, e sim porque ambos estão a experimentar o mesmo fenômeno inédito, sendo a troca algo

121 Há uma ampliação na exigência de integridade no Direito, isto é uma coesão das normas que compõem o

sistema jurídico, conforme será explicado no tópico 5.1.

122 STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso: constituição, hermenêutica e teoria discursivas. 5. ed. São Paulo:

Saraiva, 2014, p. 547.

123 ATAÍDE JÚNIOR, Jaldemiro Rodrigues de. op. cit. p. 44.

124 Mauro Cappelletti explica a diferença entre essas formas de controle ao dizer que “o ‘sistema difuso’, isto é,

aquele em que o poder de controle pertence a todos os órgãos judiciários de um dado ordenamento jurídico, que o exercitam incidentalmente, na ocasião da decisão das causas de sua competência; e [...] o ‘sistema concentrado’, em que o poder de controle se concentra, ao contrário, em um único órgão judiciário”. CAPPELLETTI, Mauro. O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito comparado. Tradução de Amido Plínio Gonçalves. Porto Alegre: Fabris, 1984, p. 67.

125 ATAÍDE JÚNIOR, Jaldemiro Rodrigues de. op. cit. p. 47-48. MELLO, Patrícia Perrone Campos. Precedentes

e vinculação. Instrumentos do Stare Decisis e Prática Constitucional Brasileira. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 241, p. 177-178, jul. 2005. ISSN 2238-5177. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/43370/44673>. Acesso em: 20 jul. 2017.

indispensável para se constituir o referencial teórico apropriado ao Estado constitucional126.

O autor acredita, contudo, que há um erro – e realmente há – em entender que a

imposição legal de observância aos precedentes judiciais faz com que nosso sistema esteja

convergindo para uma aproximação ao common law127.

Ao fim, todavia, corrobora com o mencionado nesse tópico, ao dizer que é vital que haja uma formação de algo próprio no Brasil, no qual os institutos estrangeiros venham a agregar um “novo raciocínio jurídico” e não suprir aquilo que existe para, simplesmente,

colocar algo de outro local, que também está em remodelação, no lugar128.

Outro ponto, já mencionado ao fim do tópico 2.1, é a utilização de cláusulas gerais e conceitos indeterminados. Ataíde Júnior, utilizando-se das lições de Hart, explica muito bem a importância da técnica legislativa de regras mais abertas ao dizer que:

[...] o direito, embora deva oferecer regras claras, através das quais o cidadão possa pautar sua conduta, deve também deixar abertas, para solução posterior, as questões que só podem ser adequadamente resolvidas quando surgirem os casos concretos não antecipados129.

Deixa-se uma ressalva: não se pode tornar esse alargamento uma regra ordinária, isto é, somente devem ser estabelecidas cláusulas gerais e conceitos indeterminados quando forem estritamente necessários para possibilitar um melhor desempenho do juiz.

De toda forma, o Judiciário deve estar ainda mais atento à importância do diálogo por meio dos precedentes quando se depara com situações em que o texto da norma é composto por palavras que tem uma maior ambiguidade. A necessidade disso é porque os precedentes permitem que os julgadores estabeleçam o que os conceitos e as cláusulas representam em cada caso, auxiliando, assim, na manutenção da coerência lógica e de um

tratamento – minimamente – uniforme e isonômico130.

Além disso, há ainda quem fale na importância das demandas em massa131, das

causas coletivas e do impacto do Estado Social132 (Welfare State133), os quais acabam por

126 LOPES FILHO, Juraci Mourão. op. cit. p. 112. 127 Ibidem, p. 106.

128 Ibidem, p. 113.

129 ATAÍDE JÚNIOR, Jaldemiro Rodrigues de. op. cit. p. 54.

130 MARINONI, Luiz Guilherme. Aproximação crítica entre as jurisdições de civil law e de common law e a

necessidade de respeito aos precedentes no Brasil. Revista da Faculdade de Direito UFPR, v. 49, 2009, p. 52.

131 ROMÃO, Pablo Freire; PINTO, Eduardo Régis Girão de Castro. op. cit. p. 138-148. O novo Código de

Processo Civil, inclusive, prevê o incidente de resolução de demandas repetitivas (art. 976 ao 987), o que fez com que a doutrina criasse um microssistema processual de demandas repetitivas, incluindo esse incidente e os recursos especiais e extraordinários repetitivos (enunciado nº 345 do Fórum Permanente de Processualistas Civis).

asseverar o aumento da produção legislativa e a importância da atuação jurisdicional, exigindo-se do Judiciário em uma prestação uniforme e igualitária.

Esse último aspecto acaba por revelar um fenômeno muito interessante. Os países de tradição do common law estão a legislar muito mais e os de tradição do civil law passam a ver na atuação jurisprudencial por meio dos precedentes como algo de poderoso valor para

alcançar um sistema mais coeso134. René David, por exemplo, ao tratar da “mãe” do common

law diz que:

Na Inglaterra de hoje, a lei e os regulamentos (delegated legislation, subordinate

legislation) já não podem ser consideradas como tendo uma função secundária. A

sua função é, com efeito, igual à que essas fontes do direito desempenham no continente europeu. 135

O mesmo ocorre com os países de tradição do civil law, os quais dão importância bem mais abrangente aos precedentes judiciais, principalmente quanto às matérias

constitucionais136.

Em relação ao Brasil, para evitar repetições desnecessárias, afirma-se que as considerações anteriores são válidas. Não obstante, dedica-se agora um pouco de esforço para demonstrar que algumas das circunstâncias anteriores e outras mais acabam por evidenciar que o Brasil precisa de uma aproximação aos precedentes judiciais.

Já há nos últimos anos, principalmente a partir da década de 90137, um intenso

processo legislativo de aproximação para um maior respeito aos precedentes. Apesar disso, é

preciso mencionar que os precedentes devem ser vistos nos moldes brasileiros, ou seja, é preciso considerar as circunstâncias do sistema local, pois:

[...] o direito como produto da cultura não pode simplesmente receber a construção realizada por outra cultura; é importante que haja uma adequação do conceito, técnica ou instituto importado às particularidades do sistema jurídico receptor138.

Apresenta-se pontos importantes para que o leitor se situe sobre a importância dos precedentes judiciais dentro do ordenamento jurídico e das atividades jurisdicionais do Brasil.

133 Quanto ao Estado Social é importante destacar que a sua grande contribuição para uma aproximação reside no

fato do aumento de direitos sociais garantidos pelo Estado e, por consequência, um maior ajuizamento de demandas com intuito de ver concretizado tais direitos. ATAÍDE JÚNIOR, Jaldemiro Rodrigues de. op. cit. p. 54.

134 MACÊDO, Lucas Buril de. op. cit. p. 76-81.

135 DAVID, René. op. cit. 385. “Chega-se a falar, em termos quantitativos, que há mais leis nos Estados Unidos

do que em outros países de tradição romano-germânica. A prevalência da lei sobre a jurisprudência é pacífica nos sistemas de common law, atualmente”. MACÊDO, Lucas Buril de. op. cit. p. 78.

136 Lucas Buril de Macêdo apresenta interessante estudo realizado em países de origem civil law, no qual os

juristas denotam que, atualmente, os precedentes judiciais são vistos como parte elementar dos sistemas jurídicos desses países. MACÊDO, Lucas Buril de. op. cit. p. 81.

137 ROMÃO, Pablo Freire; PINTO, Eduardo Régis Girão de Castro. op. cit. p. 93. 138 MACÊDO, Lucas Buril de. op. cit. p. 70.

O primeiro motivo que se pode destacar é a jurisprudência lotérica139. Essa é a situação na qual o julgador, ou não mantém um padrão em relação a outros julgados seus, ou

não dialoga com as decisões de tribunais superiores140. Não se defende, como será explicado

posteriormente quando for analisada a forma de aplicação dos precedentes, que os juízes e tribunais não possam modificar sua forma de pensar (tópicos 5.2, 5.3 e 5.4). Não obstante, se o magistrado já firmou um entendimento, não é possível que deixe de aplicá-lo sem demonstrar fundamentos para isto.

Também a estrutura de controle de constitucionalidade brasileira é considerada

como fator importante para uma observância dos precedentes judiciais. No Brasil há um

sistema misto de controle de constitucionalidade141, isto significa que tanto há uma corte

dedicada à análise da compatibilidade constitucional das leis (o Supremo Tribunal Federal), como também qualquer juiz pode, no caso concreto, averiguar se há observância da lei aos preceitos constitucionais. São duas situações diversas: na primeira, o STF tomará decisão que terá efeitos vinculantes e eficácia contra todos, conforme o art. 102, § 2º da CF/88, assim a observância decorre expressamente da previsão constitucional; já no controle difuso, a doutrina demonstra-se preocupada com ausência de um entendimento similar ao previsto na Constituição.

Dessa forma, surgem aqueles que defendem uma objetivação do recurso

extraordinário, para que esse passe a ter as mesmas consequências do controle concentrado142.

O consectário lógico disso seria a formação de uma cultura de precedentes, principalmente

quando se trate de matérias constitucionais, pois, conforme expressam Romão e Pinto143, “não

se pode tolerar que a interpretação constitucional conferida pelo STF, em controle difuso, seja

contrariada por órgão jurisdicional hierarquicamente inferior”.

Há uma verdadeira confusão no pensamento de quem defende a objetivação pensando que está alcançando um sistema de precedentes vinculantes. Primeiro porque o controle de constitucionalidade e a sua eficácia erga omnes da decisão não se confunde com o efeito vinculante dos precedentes, pois no primeiro a vinculação recai sobre o dispositivo, enquanto no segundo está precedente nas razões do julgado. Ademais, de nada vale uma

vinculação horizontal – os juízes de hierarquia inferiores estarem obrigados a observar a

decisão – se o próprio Supremo não tem zelo na observância dos seus próprios julgados

139 PEIXOTO, Ravi. op. cit. 124.

140 CAMBI, Eduardo. Jurisprudência lotérica. Revista dos Tribunais, v. 786, n. 90, p. 111, 2001. 141 ATAÍDE JÚNIOR, Jaldemiro Rodrigues de. op. cit. p. 105.

142 ATAÍDE JÚNIOR, Jaldemiro Rodrigues de. op. cit. p. 107. MACÊDO, Lucas Buril de. Precedentes judiciais

e o direito processual civil. Salvador: JusPODIVM, 2015, p. 462-466.

(vinculação vertical). Outra questão alude à própria função do STF. Os tribunais constitucionais em muitos países europeus e também nos EUA ficam incumbidos de demandas de grande relevância constitucional. No Brasil, em teoria, esta também seria a atribuição do Supremo (e a repercussão geral denota isso), no entanto, a prática revela uma quantidade assombrosa de demandas, muito em conta da extensão de competências previstas e

do pouco critério do próprio Tribunal em determinar o que é uma causa de repercussão geral –

acaba que a repercussão geral é a “vontade de julgar” um certo caso. Por isso tudo, uma vinculação ao dispositivo de decisões não corresponde ao mesmo que vinculação aos precedentes e não parece ser a melhor resposta ao problema jurídico brasileiro.

Continuando. Já foi dito que o neoconstitucionalismo, a normatividade de princípios, a ampliação da consagração de direitos fundamentais e, ainda, o aumento de demandas de massa e a necessidade do Estado garantir certos direitos são elementos que acabam por aproximar as famílias. Apesar disso, quando se adentra o olhar para o atual cenário político e jurisdicional brasileiro esses mencionados motivos tornam-se mais latentes.

Na atualidade é notável um aumento crescente na quantidade de processos,

principalmente com relação às políticas públicas. Matérias como saúde144 vêm causando

grandes divergências na seara jurídica, pois apesar da imprescindível análise dos problemas, não há uma sistematicidade quanto à concessão ou não dos pedidos. Além disso, os juízes estão se utilizando princípios para decisões desses casos como se eles fossem uma formula

144 Em 28 de setembro de 2016, o Ministro Luís Roberto Barroso proferiu votos nos REs 566471 e 657718, os

quais tratam, respectivamente, sobre o fornecimento de medicamentos de alto custo não contidos na lista do SUS e de daqueles não registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Nos votos o ministro tenta estabelecer alguns parâmetros para a concessão de medicamentos : “O Estado não pode ser obrigado por decisão judicial a fornecer medicamento não incorporado pelo SUS, independentemente de custo, salvo hipóteses excepcionais, em que preenchidos cinco requisitos: (i) a incapacidade financeira de arcar com o custo correspondente; (ii) a demonstração de que a não incorporação do medicamento não resultou de decisão expressa dos órgãos competentes; (iii) a inexistência de substituto terapêutico incorporado pelo SUS; (iv) a comprovação de eficácia do medicamento pleiteado à luz da medicina baseada em evidências; e (v) a propositura da demanda necessariamente em face da União, que é a entidade estatal competente para a incorporação de novos medicamentos ao sistema. Ademais, deve-se observar um parâmetro procedimental: a realização de diálogo interinstitucional entre o Poder Judiciário e entes ou pessoas com expertise técnica na área da saúde tanto para aferir a presença dos requisitos de dispensação do medicamento, quanto, no caso de deferimento judicial do fármaco, para determinar que os órgãos competentes avaliem a possibilidade de sua incorporação no âmbito do SUS” e, ainda, “O Estado não pode ser obrigado a fornecer medicamentos experimentais, sem eficácia e segurança comprovadas, em nenhuma hipótese. Já em relação a medicamentos não registrados na Anvisa, mas com comprovação de eficácia e segurança, o Estado somente pode ser obrigado a fornecê-los na hipótese de irrazoável mora da agência em apreciar o pedido de registro (prazo superior a 365 dias), quando preenchidos três requisitos: 1) a existência de pedido de registro do medicamento no Brasil; 2) a existência de registro do medicamento em renomadas agências de regulação no exterior; e 3) a inexistência de substituto terapêutico com registro no Brasil”. BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Recurso Extraordinário (RE) 566471/RN. Recorrente: Estado do Rio Grande do Norte. Recorrido: Carmelita Anunciada de Souza. Relator: Min. Marco Aurélio. Tribunal Pleno. Não julgado até o momento que este estudo foi finalizado. BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Recurso Extraordinário (RE) 657718/MG. Recorrente: Alcirene de Oliveira. Recorrido: Estado de Minas Gerais. Relator: Min. Marco Aurélio. Tribunal Pleno. Não julgado até o momento que este estudo foi finalizado.

mágica para argumentar em qualquer sentido., o que é preocupante para um sistema que busque ser seguro e justo. Lenio Streck denomina esse uso indiscriminado de

“panprincipiologismo”145 e comenta que:

Sem qualquer possibilidade taxonômica acerca da matéria, esses enunciados (assertóricos) cumprem a função de para-regras. Com eles, qualquer resposta pode ser correta. Aliás, sempre haverá um enunciado desse jaez aplicável ao “caso concreto”, que acaba sendo “construído” a partir de grau zero de significado.146

Desse modo, a pouca preocupação de um trabalho jurisdicional conjunto acaba em