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O art 926 do CPC e a exigência de estabilidade, integridade e coerência: o fim da

O dispositivo que deve ser a base do estudo do precedente no Brasil é o art. 926. Este estabelece que “os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente”. Para a correta compreensão do que isso pode significar, tem que se ter em

mente que essa disposição é de autoria de Lenio Streck389. E por que isso é relevante?

Simples: Streck tomou como parâmetro a doutrina de Ronald Dworkin. Dado isso, neste tópico será exposta um pouco do que o autor norte-americano propôs sobre coerência e, principalmente, sobre integridade do Direito.

Apesar disso, ressalta-se que os resultados da proposta de Dworkin podem ser

obtidos por outros meios ou outros conceitos390, de forma que o mais importante não é utilizar

389 STRECK, Lenio Luiz; ABBOUD, Georges. O que é isto - o precedente judicial e as súmulas vinculantes?

3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015, p. 117.

390 Uma das maiores dificuldades de estudar Dworkin é o fato dele utilizar definições próprias para palavras já

utilizadas com outros significados, o que faz com que aquele que deseja entender mais intimamente o autor, tenha que ler os livros dele e ainda autores que o explicam. Como exemplo dessa necessidade de entender

cabalmente os ensinamentos do mencionado autor, mas, sim, levar sua reflexão sobre Direito a sério, de forma que haja mudanças nas formas conturbadas e degenerativas que se formam e se utilizam os precedentes (e os institutos mencionados anteriormente).

De antemão, é preciso focar na menção inicial do dispositivo sobre o dever de uniformizar a jurisprudência. O que está claro é um combate declarado às arbitrariedades judiciais e aos provimentos desiguais a depender da turma, relator ou juiz que o processo for distribuído.

O problema no uso dos precedentes, na realidade, perpassa por duas situações que guardam contradição. De um lado, os juízes decidem sem observar aquilo que já foi feito (em certos casos, a não observância é da razão prevista em decisão anterior do próprio juiz), criando situações desiguais para demandas semelhantes, com problemas para os jurisdicionados e para o entendimento sistêmico do Direito. Do outro lado estão os juízes que veem precedentes como enunciados gerais que já resolveram os problemas, não somente do caso julgado, mas também dos casos futuros, como se chegassem a um esgotamento das

questões a serem tratadas391.

Essas duas situações refletem, respectivamente, uma desintegração – ou

fragmentação – e uma hiperintegração do Direito392. No primeiro momento não é dada

importância à interpretação do Direito como um todo, analisando-o como se fosse feito de partes isoladas, enquanto no segundo se quer analisar o Direito como se fosse um todo unitário, esquecendo-se que é composto por partes que têm peculiaridades. De modo mais simples pode-se dizer que as partes são ligadas para formar o todo, e o todo é composto por

diferentes partes393. Nesse momento se averígua o primeiro problema (“jurisprudência

lotérica”), deixando-se a hiperintegração para ser analisada no próximo tópico.

A utilização sem observância do precedente é algo muito danoso para o sistema jurídico e, principalmente, para aquele que depende dele para ter seus direitos efetivados. As

conceitos próprio de Dworkin: MOTTA, Francisco José Borges. Ronald Dworkin e a construção de uma teoria hermeneuticamente adequada da decisão judicial democrática. 291 f. Tese (Doutorado em Direito Público) - Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, 2014. p. 17-94.

391 Em crítica a esse modo de ver precedentes: “o precedente não é uma regra abstrata, mas uma regra

intimamente ligada aos fatos que lhe deram origem, razão pela qual o conhecimento das razões da decisão é imprescindível” SOARES, Guido Fernando Silva. Estudos de Direito Comparado (I) - O que é a "Common Law", em particular, a dos EUA. Revista da Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, v. 92, 1997, p. 183.

392 A ideia de desintegração e hiperintegração é proposta por Laurence Tribe e Michael Dorf e são trabalhadas,

ligando-se a utilização dos precedentes, por Lopes Filho e Ramires, respectivamente, em: LOPES FILHO, Juraci Mourão. Os precedentes judiciais no constitucionalismo brasileiro contemporâneo. 2. ed. Salvador: JusPODIVM, 2016, p. 385-395. RAMIRES, Maurício. Crítica à aplicação de precedentes no Direito

Brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 104-111.

393 TRIBE, Laurence; DORF, Michael. Hermenêutica Constitucional. Tradução de Amarílis de Souza Birchal.

jurisprudências aleatórias, que sofrem de uma certa bipolaridade argumentativa (julgadores “mudam de ideia do nada”, sem exigências maiores do que a “liberdade de julgar”, como se o Direito fosse composto somente pela mera vontade daquele que julga), estão cada vez mais sendo rechaçadas. Um tratamento jurídico dos precedentes dessa forma revela uma nítida não observância da percepção do direito como algo sistêmico, posto que se julga como se a

igualdade e a coerência - dentre outros princípios - fossem normas de “enfeite” no sistema

jurídico.

Exatamente nesse contexto que se explica o que Dworkin quer com a integridade no Direito. De início, salienta-se que Dworkin não limita a integridade ao momento jurisdicional do direito, dando importância a ela também na formação deste pelo legislador, pois vê um elo forte entre o trabalho político que forma os preceitos legislativos, principalmente a Constituição – instrumento que enuncia os principais valores da sociedade –,

e o trabalho dos juristas posteriormente como intérpretes do que já foi produzido.394

O que Dworkin quer é com a integridade é uma uniformidade de tratamento entre as situações (isto é, uma coerência). Mas vai além, vê na integridade, a partir da análise do plano jurídico-político, uma garantia de harmonização entre três virtudes políticas, quais sejam, justiça (decisões que respeitem a dignidade de todos), equidade (participação adequada

de todos) e devido processo legal (procedimento prévio para aplicação de sanções)395. Essas

devem coexistir com a integridade396, pois:

A integridade torna-se um ideal político quando exigimos o mesmo do Estado ou da

394 DWORKIN, Ronald. O império do direito. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes,

1999, p. 213.

395 Em resumo, cada um dos termos tem o seguinte significado: “Em política, a eqüidade é uma questão de

encontrar os procedimentos políticos - métodos para eleger dirigentes e tornar suas decisões sensíveis ao eleitorado - que distribuem o poder político da maneira adequada. Em termos gerais, [...] a (sic) procedimentos e práticas que atribuem a todos os cidadãos mais ou menos a mesma influência sobre as decisões que os governam. A justiça, pelo contrário, se preocupa com as decisões que as instituições políticas consagradas devem tomar, tenham ou não sido escolhidas com eqüidade. Se aceitamos a justiça como uma virtude política, queremos que nossos legisladores e outras autoridades distribuam recursos materiais e protejam as liberdades civis de modo a garantir um resultado moralmente justificável. O devido processo legal adjetivo diz respeito a procedimentos corretos para julgar se algum cidadão infringiu as leis estabelecidas pelos procedimentos políticos; se o aceitarmos como virtude, queremos que os tribunais e instituições análogas usem procedimentos de prova, de descoberta e de revisão que proporcionem um justo grau de exatidão, e que, por outro lado, tratem as pessoas acusadas de violação como devem ser tratadas as pessoas em tal situação.” Ibidem, p. 200-201.

396 “A integridade da concepção de eqüidade de uma comunidade exige que os princípios políticos necessários

para justificar a suposta autoridade da legislatura sejam plenamente aplicados ao se decidir o que significa uma lei por ela sancionada. A integridade da concepção de justiça de uma comunidade exige que os princípios morais necessários para justificar a substância das decisões de seu legislativo sejam reconhecidos pelo resto do direito. A integridade de sua concepção de devido processo legal adjetivo insiste em que sejam totalmente obedecidos os procedimentos previstos nos julgamentos e que se consideram alcançar o correto equilíbrio entre exatidão e eficiência na aplicação de algum aspecto do direito, levando-se em conta as diferenças de tipo e grau de danos morais que impõe um falso veredito. Essas diferentes exigências justificam o compromisso com a coerência de princípio valorizada por si mesma. Sugerem aquilo que sustentarei: que a integridade, mais que qualquer superstição de elegância, é a vida do direito tal qual o conhecemos”. Ibidem, p. 203.

comunidade considerados como agentes morais, quando insistimos em que o Estado aja segundo um conjunto único e coerente de princípios mesmo quando seus cidadãos estão divididos quanto à natureza exata dos princípios de justiça e eqüidade corretos.397

Explica-se com maiores detalhes. Em uma sociedade qualquer, para que as pessoas vivam de modo a se respeitar a dignidade de cada um é preciso que todos estejam aptos a influenciar nas decisões coletivas. Em outras palavras, quando se trata de questões que repercutem na coletividade, as quais podem gerar situações de coerção estatal sobre liberdades individuais, é necessária uma legitimação dessas situações, o que é possível se

existente uma participação democrática.398

Dworkin admite que há sempre questões morais na elaboração do Direito (este

seria um ramo da moralidade política)399, de forma que, quando se tomam decisões políticas,

estão sendo formados princípios próprios da comunidade (ou do Estado, haja vista que este deve representar os interesses da sociedade).

A ideia é próxima a uma personificação da comunidade a partir da comunhão

plural de valores, pelos quais se constroem as bases fundamentais dela400. Em outras palavras,

é pressuposto “[...] que a comunidade pode adotar, expressar e ser fiel ou infiel a princípios próprios, diferentes daqueles de quaisquer de seus dirigentes ou cidadãos enquanto

indivíduos”401 e que estes princípios as governam - e não somente regras402.

O que se pode extrair disso – e é verdadeiramente relevante – é que o autor norte-

397 Ibidem, p. 202.

398 MOTTA, Francisco José Borges; RAMIRES, Maurício. O Novo Código de Processo Civil e a Decisão

Judicial Democrática: Como e Por Que Aplicar os Precedentes com Coerência e Integridade? In: STRECK, Lenio Luiz; ALVIM, Eduardo Arruda; LEITE, George Salomão (Orgs). Hermenêutica e Jurisprudência no Novo Código de Processo Civil - Coerência e Integridade. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 88-93.

399 A moralidade em Dworkin deve ser percebida como regras que coordenam os seres humanos nas suas

relações, ou seja, é um parâmetro de como os seres humanos devem tratar uns aos outros. Destarte, a moralidade política, seria aquela que define as regras de comportamento de uma comunidade política, sendo que tais regras serão organizadas em um Direito e fundadas em certos princípios. MOTTA, Francisco José Borges; RAMIRES, Maurício. O Novo Código de Processo Civil e a Decisão Judicial Democrática: Como e Por Que Aplicar os Precedentes com Coerência e Integridade? In: STRECK, Lenio Luiz; ALVIM, Eduardo Arruda; LEITE, George Salomão (Orgs). op. cit. p. 99. Francisco Motta explica que Dworkin adotou uma visão interpretativista do Direito, em contraposição ao positivismo: “O positivismo declara a completa independência entre Direito e Moral. O Direito depende, nesta visão, da aceitação (costume e práticas) de uma determinada comunidade. Se essa comunidade produz uma regra que passe pelo teste proposto pela comunidade (por exemplo, pelo procedimento legislativo), então desimporta se é justa ou injusta: em todo o caso, será considerada Direito. Já o interpretativismo argumento que o Direito inclui não só regras específicas criadas conforme as práticas aceitas pela sociedade, mas também abrange os princípios que fornecem a melhor justificativa moral dessas regras positivadas. Há regras, assim, que jamais foram formalmente promulgadas, mas que por decorrerem destes princípios, são igualmente vinculantes.”. MOTTA, Francisco José Borges. op. cit. p. 31-32.

400 DWORKIN, Ronald. O império do direito. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes,

1999, p. 204.

401 Ibidem, p. 208. 402 Ibidem, p. 256-258.

americano tenta demonstrar que um ordenamento jurídico não reflete a concepção de justo de um só indivíduo. Na verdade, há consideração desta juntamente a outras, num contexto onde

há diversas relações morais que acabam por formar os princípios regentes do Estado403. Isso,

pois, “se é preciso chegar a um meio-termo porque as pessoas estão divididas sobre a justiça,

o acordo deve ser externo, não interno; é preciso chegar a um acordo sobre o sistema de

justiça a ser adotado, em vez de um sistema de justiça fundado em concessões”.404

Nesse ponto, faz-se uma pequena reflexão. Realmente não se deve impor uma justiça pessoal (aquilo que se acha justo) por meio do ordenamento jurídico. Dworkin vai dizer que devido a diferenças de concepções morais dos indivíduos de uma sociedade, a

solução conciliatória – aquela fundada em concessões de partes antagônicas – não representa

a melhor forma de escolher405. A proposta dworkiana se dá a partir de um sistema de valores

compostos por todos e que se diferencia daqueles individuais. Pode-se chamar de “bem maior

almejado por uma coletividade”. De forma simplista, essa seria a integridade em Dworkin406.

O que há para acrescentar? Já não se tem o melhor modo de alcançarmos as soluções corretas a partir da consideração da opinião de todos, tomando-se um parâmetro que visualize a justiça e a equidade como propõe Dworkin? A resposta é sim, mas há um pouco mais a se deixar claro.

Observe que o Direito positivado é fruto direto da produção humana (é uma figura

403 Sobre o assunto das variadas concepções de como viver bem, explica Dworkin: “Cada um de nós defende um

ponto de vista pessoal, ambições e compromissos próprios que temos liberdade de perseguir, livres das reivindicações dos outros por igual atenção, interesse e recursos. Insistimos em uma esfera de soberania moral individual dentro da qual cada um pode preferir os interesses da família e dos amigos, dedicando-se a projetos egoístas, ainda que grandiosos. Qualquer concepção de justiça no comportamento pessoal, qualquer teoria sobre o modo como a pessoa justa se comporta com relação aos outros, limitará essa esfera de soberania pessoal, mas nenhuma concepção aceitável à maioria de nós será capaz de eliminá-la por inteiro.”. Ibidem. p. 211.

404 Ibidem. p. 217-218. 405 Ibidem. p. 216-223.

406Dworkin explica: “uma sociedade política que aceita a integridade como virtude política se transforma, desse

modo, em uma forma especial de comunidade, especial num sentido que promove sua autoridade moral para assumir e mobilizar monopólio de força coercitiva. Este não é o único argumento em favor da integridade, ou a única conseqüência de reconhecê-la que poderia ser valorizada pelos cidadãos. A integridade protege contra a parcialidade, a fraude ou outras formas de corrupção oficial, por exemplo.[...] A integridade expande e aprofunda o papel que os cidadãos podem desempenhar individualmente para desenvolver as normas públicas de sua comunidade [...]. Se as pessoas entendessem a legislação formal apenas como uma questão de soluções negociadas para problemas específicos, sem nenhum compromisso subjacente com nenhuma concepção pública mais fundamental de justiça, elas estabeleceriam uma nítida distinção entre dois tipos de embate com seus concidadãos: os que pertencem à esfera de alguma decisão política do passado e os que lhe são extrínsecos. A integridade, pelo contrário, insiste em que cada cidadão deve aceitar as exigências que lhe são feitas e pode fazer exigências aos outros, que compartilham e ampliam a dimensão moral de quaisquer decisões políticas explícitas. A integridade, portanto, promove a união da vida moral e política dos cidadãos: pede ao bom cidadão, ao decidir como tratar seu vizinho quando os interesses de ambos entram em conflito, que interprete a organização comum da justiça à qual estão comprometidos em virtude da cidadania. Ibidem. p. 228-230.

institucional407) e, devido à imperfeição humana, tem-se casos diversos na história de violação ao ser humano com base nas normas postas. Todo sistema jurídico, sendo composto de

normas, funda-se em certos valores – como dito anteriormente, junto com as normas há

valores que a sustentam. Desse modo, o principal esteio de um ordenamento que busque

regular a vida humana de forma justa – e não somente previsível, por exemplo – é o de

“estabelecer uma proporção mediante a qual todos possam ser tratados igualmente como

homens”408. Isso, pois, “o direito foi criado para o homem, que é fim e não meio. O princípio

da dignidade da pessoa humana [...] é pressuposto do conceito de Direito e a fonte de todos os

direitos, particularmente dos direitos fundamentais”409. A dignidade humana é um valor

apreendido de forma parcial e construtiva como todos os valores são. Sabe-se, que pela própria imperfeição do ser humano, ele é incapaz de refletir um tratamento totalmente digno a todos por meio do Direito. Apesar disso, sempre se almeja um aprimoramento do Direito para que se alcance cada vez mais os ditames superiores que devem guiar o homem e que

transcendem ao entendimento410. Então, o que se quer acrescentar à excelente percepção de

Dworkin é que as decisões humanas não são suficientes em si para afirmarmos que algo é correto, pois um conjunto de humanos pode resolver realizar as maiores banalidades

possíveis. Precisamos de uma percepção – e aceitação – que algumas escolhas, mesmo que

democraticamente tomadas, vão se revelar incorretas, devendo-se, portanto, serem

abandonadas em prol da aproximação – impossível de alcançar na plenitude, mas almejada no

âmago humano – daquilo que se revela, aos poucos e continuamente, como uma prática

melhor para a vivência humana.

Retornando à integridade, em que momento ela se torna importante? Como dito, ela é importante para que o legislador tente elaborar as leis de modo coerente para todos que compõem a sociedade, refletindo os princípios desta, enquanto para os juízes é de vital importância quando esses estiverem interpretando a lei, pois terão que decidir de modo a

407 John Searle faz a distinção entre um fato bruto e um fato institucional. Basicamente, o fato institucional é

aquele que decorre da criatividade humana (acordos intersubjetivos) realizada sobre um fato bruto, isto é, pensando no dinheiro, por exemplo, a valoração sobre uma nota de papel constituiria um fato institucional. SEARLE, John R. La construcción de la realidad social. Traducción de Antoni Doménech. Barcelona: Paidós, 1997, p. 21.

408 MAGALHÃES FILHO, Glauco Barreira. Hermenêutica e unidade axiológica da Constituição. 3. ed. Belo

Horizonte: Mandamentos, 2004, p. 206.

409 Idem.

410 Nesse sentido: “embora o homem não compreenda a priori a totalidade dos preceitos da lei natural, é possível

progredir em conhecê-los à medida que se aprofunda na matéria”. PEREIRA JÚNIOR, Antonio Jorge; MA- CHADO, Lucas Silva. PRUDÊNCIA E RAZOABILIDADE NO CONHECIMENTO DOS DIREITOS NATU- RAIS: A PROPOSTA DE JAVIER HERVADA. In: XXVI Encontro Nacional do CONPEDI, 26., 2017, Brasí- lia. Filosofia do Direito, Florianópolis: CONPEDI, 2017, p. 34.

respeitar tais princípios.411

Atentemo-nos para a integridade como princípio norteador para o trabalho jurisdicional. Dworkin parte da premissa que o trabalho dos juízes é uma interpretação construtiva. Com isso ele quer dar ênfase ao fato de que o intérprete não tenta somente alcançar o sentido original de quem elaborou o texto, mas também atribui sentidos de modo a

sempre tentar alcançar o melhor significado412. Nesse ponto que a integridade ganha relevo.

Para que um julgador consiga encontrar e aplicar os direitos ao caso concreto, ele

deve estar atendo aos princípios do ordenamento como um todo413. Em outras palavras, os

juízes devem que tratar o “sistema de normas públicas como se este expressasse e respeitasse um conjunto coerente de princípios e, com esse fim, que interpretem essas normas de modo a

descobrir normas implícitas entre e sob as normas explícitas”414. Veja que o que deve haver é

uma descoberta e não uma invenção415.

Dessa forma, o ideal de integridade permite que, por meio de argumentos de princípios, os juízes consigam entender e aplicar o direito, não com base no que acredita ser

melhor, o que seria um ato discricionário416, mas, sim, com fundamento nas decisões políticas

tomadas no passado417 e entendendo o Direito como um conjunto sistêmico de valores

adotados e almejados para governar a sociedade.

Além do mais, para que realmente haja integridade é preciso que ela se dê com parâmetro também na coerência. Dworkin pensa a coerência como a exigência de tratamento

isonômico para aqueles submetidos a situações similares418. Observe que a integridade vai

411 DWORKIN, Ronald. O império do direito. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes,

1999, p. 203.

412 Dworkin utiliza da interpretação de uma obra de arte para explicar como se dá a interpretação do direito, pois

ambas (arte e direito como prática social) são criativas: “A interpretação das obras de arte e das práticas sociais, como demonstrarei, na verdade, se preocupa essencialmente com o propósito, não com a causa. Mas os propósitos que estão em jogo não são (fundamentalmente) os de algum autor, mas os do intérprete. Em linhas