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1.1 O CONTEXTO DO DESENVOLVIMENTO RURAL: DESAFIOS E

1.1.1 A redefinição do conceito de Desenvolvimento Rural

A era do “desenvolvimento” inicia-se com o fim da Segunda Guerra Mundial, no bojo da reconstrução dos países destruídos (RIST, 1996). Neste período, o presidente norte-americano Truman lançou uma política externa que tratava da “disposição” americana em levar ajuda técnica e financeira às nações “desfavorecidas”, a fim de melhorar as suas condições de vida. Em 1949, os termos “desenvolvimento” e “subdesenvolvimento” surgem pela primeira vez no discurso do presidente Truman, em alusão à diferenciação entre as nações do hemisfério Norte e do Sul. Em seu discurso, a única forma de reduzir as diferenças entre os países desenvolvidos e os subdesenvolvidos seria por meio do crescimento industrial (RIBEIRO; LOIOLA, 2009). O desenvolvimento, baseado na industrialização, no crescimento econômico e no aumento do consumo, seria a partir de então, e por mais um longo período de tempo, considerado como o padrão adotado pelos países

do Norte. Esta visão universalista e linear do desenvolvimento serviu para fundamentar o modo civilizatório ocidental capitalista, enquanto paradigma universal (SOUZA, 1995).

Por mais de meio século, o termo “desenvolvimento” atingiu um interesse generalizado, sendo utilizado por dirigentes políticos da maioria dos países como tema central de sua política oficial. Wolfe (1976) comenta que o elemento principal do desenvolvimento consistia em elevar a produção per capita ao máximo, especialmente por meio de processos de industrialização. O foco das preocupações, fundamentalmente, era compreender os fatores responsáveis pela acumulação de riqueza e aumento da produtividade. Por conta disso, os principais indicadores adotados para medir o grau de desenvolvimento dos países foram o PIB e a renda per capita (RIBEIRO; LOIOLA, 2009).

Como demonstra Andion (2007), o paradigma desenvolvimentista predominante nesse período teve seus desdobramentos no Brasil Rural. No final da década de 1960, adotou-se nos estados brasileiros uma política nacional de modernização da agricultura, conhecida por Revolução Verde, cuja concepção era de que o crescimento econômico deveria ser prioridade “número um” a ser alcançada no meio rural. Este modelo desenvolvimentista da agricultura foi responsável por alterar totalmente a base técnica da agricultura, provocando uma integração definitiva da agricultura familiar ao complexo industrial (MUSSOI, 2002). A agricultura especializou-se e passou a responder as demandas do ramo industrial. A modernização e profissionalização dos processos agrícolas, a produção em larga escala e as exportações de commodities passaram a ser as grandes prioridades. A partir desta nova perspectiva urbano-industrial da agricultura, novas tecnologias mecânicas e agroquímicas foram sendo incorporadas nos estabelecimentos agrários (MUSSOI, 2002).

Segundo esse modelo, o aumento da produtividade teria que ser conquistado por meio de experimentos e pesquisas científicas que produzissem tecnologias a serem utilizadas no campo. Por conta disso, tornou-se necessário montar um sistema de profissionais com a função de difundir essas tecnologias no campo, em uma linguagem comum aos agricultores tradicionais. Surge, então, a ideia da assistência técnica e extensão rural, com o propósito de garantir que o modelo de desenvolvimento “Revolução Verde” fosse adotado e perpetuado no meio rural (SIMINSKI, 2004). De acordo com George (1978), agrônomos e economistas rurais

receberam treinamento especial, através dos Conselhos de Desenvolvimento Agrícola e das bolsas de estudos financiadas pelas Fundações Ford e Rockefeller, no intuito de se tornarem peritos prontos e dispostos a disseminar as sementes e a política da “Revolução Verde” por todo o Terceiro Mundo.

A extensão rural desponta assim no Brasil, como instrumento de ensino e educação, com o objetivo de possibilitar o aumento da produtividade para o agricultor. Segundo Mussoi (1998), a extensão rural desempenha um importante papel na difusão de novas tecnologias, pois foi criada com o objetivo de fazer a conexão entre a pesquisa e os agricultores. O papel da extensão rural era convencer os agricultores a adotarem as tecnologias desenvolvidas pela pesquisa agrícola, com o objetivo de substituir suas práticas tradicionais, vistas como ineficientes e irracionais, por técnicas que o pacote tecnológico da “Revolução Verde” trazia (SIMINSKI, 2004). Na visão convencional do “extensionismo”, o conhecimento tradicional dos agricultores foi visto como uma barreira para o desenvolvimento da modernidade. “O ‘velho e atrasado’ da sociedade tinha que mudar e dar lugar ao ‘novo e adiantado” (SIMINSKI, 2004, pag.34).

Assim, o modelo de extensão rural brasileira, inicialmente foi caracterizado por uma relação paternalista e autoritária dos extensionistas para com os agricultores. A palavra do técnico, entendida como verdade absoluta, era “transferida” aos agricultores, que atuavam apenas como agentes passivos, totalmente desestimulados a exercer a sua criatividade e senso crítico. Desta forma, os pesquisadores produziam o conhecimento técnico e os extensionistas o transmitiam, sem valorização alguma do conhecimento prático e/ou tradicional dos agricultores. Freire (1980) crítica a utilização do próprio termo “extensão”, dizendo que significa “estender algo a alguém”. Neste entendimento, não há trocas ou aprendizados conjuntos.

Essa forma de ação extensionista acabou por ignorar o conhecimento e a experiência de diversas gerações de agricultores, o que provocou a perda desse conhecimento ao longo dos anos. Essa “desconsideração” do conhecimento do agricultor atravessou toda a fase deste modelo de desenvolvimento, e, ainda hoje, se mostra muito presente (SIMINSKI, 2004).

Porém, como afirma Souza (1995), pouco tempo depois começa a ficar evidente que o desenvolvimento puramente econômico não era sinônimo de melhores condições de vida, e muito menos de autonomia e justiça social no meio

rural. A partir dos anos 1980, os reflexos desse modelo de desenvolvimento começam a ser sentidos através da degradação ambiental, queda no nível de emprego nas unidades agrícolas e rendas cada vez menores percebidas pelo produtor (PLOEG, 1992). Segundo Freitas e Karam (2008), esse modelo somente se mostrava eficiente para aqueles agricultores que já eram bem estruturados e capitalizados. Tal fato ficou evidenciado a partir da consulta mundial sobre extensão rural, realizada em Roma pela FAO em 1991, a qual constatou que nas últimas quatro décadas de esforços para o desenvolvimento da America Latina e Caribe, somente dez por cento dos agricultores tinham se beneficiado da modernização agrícola (SILVA, 2000). Assim, os modelos tradicionais de desenvolvimento colaboraram para intensificar ainda mais o processo de exclusão socioeconômica no meio rural, provocando uma drástica redução de emprego e um consequente êxodo rural, o que veio a causar um inchaço nos centros urbanos e originou periferias miseráveis com milhões de graves problemas locais relacionados à habitação, saúde, educação, poluição, abastecimento, saneamento básico e entre outros (DESER, 2001; DOWBOR, 1998).

Pode-se dizer que este modelo trouxe consequências graves em diversas dimensões: Na dimensão socioeconômica, acentuou a exclusão social no meio rural; na dimensão cultural, desprezou o conhecimento “tradicional” construído pelos agricultores familiares; na dimensão política, intensificou a centralização decisória, no que tange a produção, execução e avaliação de políticas públicas no meio rural; e na dimensão ambiental, desconsiderou a relevância dos impactos ambientais, dando mais importância à produtividade do que à sustentabilidade (MUSSOI, 2002).

Por conta de todas essas deficiências detectadas vem sendo discutido no país, nos últimos vinte anos, um redirecionamento do modelo de desenvolvimento rural. Surgem, então, novas alternativas que buscam um desenvolvimento mais justo e equilibrado, orientado pela busca da sustentabilidade, equidade social, conservação ambiental, eficiência econômica, diversidade cultural e democracia política. Logo, surge uma abordagem de desenvolvimento que leva em consideração não somente os aspectos econômicos de um dado território, mas também os aspectos culturais, políticos, sociais e ambientais. Esse tipo de abordagem será aprofundado no item a seguir.