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1.1 O CONTEXTO DO DESENVOLVIMENTO RURAL: DESAFIOS E

1.1.2 Rumo ao Desenvolvimento Sustentável de Territórios Rurais

O conceito de desenvolvimento sustentável emerge a partir da Conferência de Estocolmo em 1972 (Conferência das Nações Unidas sobre o meio ambiente) por conta da preocupação da humanidade com a qualidade de vida e com os graves problemas ambientais contemporâneos, como a poluição, o aquecimento global, a destruição da camada de ozônio, a erosão dos solos, etc. De acordo com a Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (CMMAD), Desenvolvimento Sustentável é aquele que atende às necessidades do presente, sem comprometer a possibilidade das gerações futuras atenderem suas próprias necessidades. Assim, o desenvolvimento sustentável implicará em qualidade de vida, defesa do meio ambiente, além da diminuição da pobreza e da desigualdade social.

Segundo Sachs (2006), o processo para o planejamento do desenvolvimento, seja em áreas urbanas, rurais ou industriais, deve levar em conta, de forma simultânea, cinco dimensões do conceito de sustentabilidade:

1) Sustentabilidade Social - Nesta dimensão, a meta principal é buscar reduzir as desigualdades socioeconômicas, de modo a construir uma civilização mais justa e com melhor distribuição de renda e de bens.

2) Sustentabilidade Econômica - Nesta dimensão, a meta principal é o gerenciamento e alocação de recursos de forma mais eficiente. Porém, a eficiência econômica deve ser avaliada de modo macrossocial, e não somente por meio de critérios empresariais de caráter microeconômico. 3) Sustentabilidade Ecológica - Nesta dimensão, a meta principal é a

utilização de diversas ferramentas, tecnologias e estratégias de forma a amenizar os impactos ao meio ambiente e à saúde da população. Por exemplo: reduzir a utilização de fontes de energia, recursos ou produtos não renováveis, volume de resíduos e de poluição e o consumismo exagerado de matérias por parte das nações e indivíduos do planeta; intensificar pesquisas para obtenção de tecnologias com baixo impacto ambiental para o desenvolvimento urbano, rural e industrial; e, definir normas e instrumentos legais, administrativos e econômicos em âmbito mundial, nacional e local para proteção do meio ambiente.

4) Sustentabilidade Espacial - Nesta dimensão, a meta principal é obter uma configuração rural e urbana mais equilibrada, com melhor distribuição socioespacial e econômica entre os territórios, buscando também reduzir a

destruição de ecossistemas frágeis e criando redes de reservas naturais para proteção da biodiversidade.

5) Sustentabilidade Cultural - Nesta dimensão, a meta principal é resguardar a continuidade cultural das comunidades e ajustar a implementação de projetos e soluções de desenvolvimento de acordo com as especificidades de cada contexto sócio-ecológico. (SACHS, 2006) No debate sobre a sustentabilidade das zonas urbanas e rurais, insere-se ainda a discussão sobre a perspectiva espacial do desenvolvimento. Algumas das novas propostas sugerem a substituição de uma dimensão local do desenvolvimento por uma dimensão territorial. Nesta abordagem, o território é entendido não somente como um espaço físico geograficamente definido, mas também como um ambiente que possui um tecido social formado por grupos relativamente distintos que se relacionam interna e externamente por meio de processos específicos, onde se pode distinguir um ou mais elementos que indicam identidade e coesão social, cultural e territorial (ABRAMOVAY, 2001b). Nesta concepção, os territórios não são construídos somente a partir das escolhas dos agentes públicos. Pelo contrário, os territórios são construções sociais. Eles são formados a partir de encontros e mobilizações de atores sociais, pertencentes a um dado espaço geográfico, em torno da identificação e resolução de problemas comuns. Cada um deles tem os seus valores, suas manifestações culturais e sua identidade própria. É por isso que um território “dado” pode abrigar diversos territórios “construídos” (CAZELLA; CARRIÈRE, 2006).

Para facilitar o entendimento sobre o que é “território dado” e “território construído”, Pecqueur (2005) estabelece uma diferenciação entre eles definindo que o “território dado” é aquele espaço cuja delimitação foi constituída a priori de forma institucional (cima para baixo), representando, na maioria dos casos, um recorte político-administrativo. Já o território construído é aquele espaço constituído posterior, sendo resultado de um processo de interação e mobilização entre atores locais. Ele não é definido, mas sim constatado. Desta forma, observa-se que em todo espaço delimitado podem surgir múltiplas “territorialidades”, não necessariamente implicando o mesmo número de territórios (ANDION, 2007).

Para Reis (2005), a “proximidade” é um dos elementos centrais da dimensão territorial. A proximidade, segundo o autor, envolve co-presença, ordens relacionais, culturas práticas e de instituições, conhecimento e identidades coletivas. A

“proximidade social” em um território facilita a difusão de ideias, métodos e inovações entre os atores, permitindo, assim, a montagem de redes sociais e a dinamização dos processos de desenvolvimento (CUNHA, 2007).

Segundo Abramovay (1998, pag. 13), o desenvolvimento territorial “apoia-se, antes de tudo, na formação de uma rede de atores trabalhando para a valorização dos atributos de uma certa região”. É por isso que uma política pública concebida em uma dimensão territorial do desenvolvimento não pode ser formulada e concretizada sem a participação dos atores públicos e privados, vinculados ao maior número possível de segmentos econômicos, sociais, políticos e culturais. “A participação dos atores locais é uma condição sine qua non e um pilar fundamental de um processo de desenvolvimento territorial” (CAZELLA, 2006, pag. 231). No entanto, a abordagem territorial de desenvolvimento nem sempre ameniza os conflitos. Muitas vezes ela até os amplifica. Apesar da “proximidade social” ser presente no território, ele também abriga atores e grupos sociais com interesses distintos. Por isso, muitas metodologias participativas foram desenvolvidas no intuito de conduzir esses processos de uma maneira mais democrática.

A questão da territorialidade apresenta-se como um elemento fundamental no processo de desenvolvimento do mundo rural, mas somente ela não é suficiente. É muito importante que o desenvolvimento rural incorpore também a dimensão sustentável, inserindo na agenda das políticas públicas agrárias questões relevantes, tais como: a agroecologia, a participação popular, a preocupação com as gerações futuras, a redução das desigualdades sociais e econômicas, a relação do território com outros territórios (inter-territorialidade), a difusão e utilização de tecnologias sustentáveis, a reforma agrária, o envelhecimento e evasão da população rural e etc.

O mundo rural é o espaço primordial para se pensar a sustentabilidade, até porque é nesse espaço onde ainda se tem mais preservação ambiental. Nos últimos anos, tem-se aumentado, de forma considerável, o número de produtores que tem abandonado as práticas agrícolas convencionais (como a utilização de agrotóxicos e insumos químicos), bem como o mercado consumidor para produtos orgânicos, especialmente nos países altamente industrializados. Esta transformação do modelo agrícola ocidental dominante de consumo intenso, e consequente degradação ambiental, é fruto do questionamento e redirecionamento das políticas públicas agrárias na direção da sustentabilidade (GUIVANT, 2002).

Segundo GUIVANT (1993), os objetivos para o desenvolvimento de uma agricultura sustentável, resumidamente, são: a) promover a saúde dos agricultores e consumidores; b) manter a estabilidade do meio ambiente; c) assegurar o lucro dos agricultores a longo prazo; e c) produzir de acordo com as demandas da sociedade, considerando-se as gerações futuras.

Por conta desses objetivos serem muito abrangentes e simplificados, Lowrance et. al (1986), apresentam, de forma mais completa, um modelo de agricultura sustentável, enquanto um sistema agrícola integrado, que abrange quatro subsistemas de sustentabilidade, a seguir:

1) Sustentabilidade agronômica, que se refere à capacidade da menor unidade de produção agrícola em produzir indefinidamente, respeitando os ciclos naturais e o equilíbrio ecológico;

2) Sustentabilidade microeconômica, que se refere à capacidade do produtor rural em substituir a destinação de determinadas áreas de sua propriedade, de acordo com resultados positivos ou não de sua produção;

3) Sustentabilidade Ecológica, que se refere à interação da propriedade rural com as florestas, fauna, flora, cursos d’água e agroecossistemas da região;

4) Sustentabilidade macroeconômica, que se refere às políticas públicas, em nível estadual, nacional e internacional, que tratam sobre a capacidade dos sistemas agrários em alimentar as populações, considerando e respeitando as gerações futuras.

Em cada um desses subsistemas mencionados, existem diversas técnicas agrícolas que podem ser utilizadas, tais como: Manejo Integrado de Pragas, rotação de culturas, baixa intensidade de produção de animais, fertilização orgânica e verde, controle manual de ervas daninhas, técnicas de plantio e manejo de terra, agroflorestação e etc. Estas técnicas agrícolas sustentáveis visam à redução ou eliminação dos insumos químicos com a finalidade de reduzir os custos de produção e proteger o meio ambiente e a saúde do consumidor (GUIVANT, 2002).

De acordo com a autora, existem dois tipos de agricultura sustentável: “a orgânica e a de insumos reduzidos” (GUIVANT, 2002, pag.106). A agricultura orgânica tem um compromisso prioritário com o meio ambiente e a saúde, visando a produtividade a longo prazo e não a sua maximização imediatista (VOGTMANN,

1984). Nesta modalidade de agricultura, busca-se eliminar totalmente os insumos químicos na produção, utilizando-se de técnicas agrícolas não poluentes e fertilizantes orgânicos, produzidos na propriedade ou não. Sua produção é dirigida a um mercado de consumidores alternativos. Os agricultores que optam por essa modalidade geralmente a veem como um modo de vida, na qual os fatores econômicos não são os mais importantes. A proposta deles não é produzir alimentos em grande escala que resolvam o problema da alimentação global, mas prover as necessidades de pequenos grupos sociais. Os produtores orgânicos, geralmente, estão organizados em redes e cooperativas rurais ou ligados diretamente às cooperativas de consumidores urbanos (GUIVANT, 2002).

A agricultura de insumos reduzidos visa primeiramente à redução dos custos de produção, por meio da diminuição da utilização de insumos químicos e de fontes de energia não renováveis. Estes agricultores empregam os insumos químicos de forma mais controlada e responsável que os agricultores convencionais. Sua proposta também é causar menos danos ambientais e riscos para saúde dos consumidores, porém enfocando a maior lucratividade dos produtores agrícolas. Na perspectiva de GUIVANT (2002), este tipo de agricultura pode ser um meio para se alcançar o objetivo final do processo de sustentabilidade agrícola, que é a agricultura orgânica. Por outro lado, a autora também coloca que a agricultura orgânica pode se configurar em uma alternativa que visa somente a um mercado consumidor restrito, sendo muito difícil a sua difusão na produção agrícola mundial em grande escala, o que não se aplicaria à modalidade de insumos reduzidos (GUIVANT, 2002).

Para o desenvolvimento de uma agricultura sustentável torna-se necessário repensar também o papel dos agricultores e profissionais agrícolas. Não é mais possível pensar o saber do técnico como o conhecimento exclusivo no meio rural. No modelo “sustentável”, o extensionista rural não deve mais atuar como o “transmissor” de técnicas e conhecimento, mas sim como um parceiro de desenvolvimento na comunidade rural. O agricultor participa ativamente em todas as fases da produção do desenvolvimento. O seu conhecimento local é valorizado, tanto na produção da pesquisa agrícola quanto da extensão rural, sendo considerado essencial para a formulação de alternativas sustentáveis. Desse modo, o conhecimento deixa de ter aquela visão unidirecional, de cima para baixo, que era predominante no modelo da “Revolução Verde” e passa a ser compartilhado. De acordo com Deser (2001), a participação da comunidade é essencial para a

implantação de uma boa proposta de desenvolvimento que garanta a transparência e a universalidade do poder público.

Portanto, para difusão e desenvolvimento da sustentabilidade no mundo rural torna-se primordial: o papel do Estado como órgão formulador e incentivador de políticas rurais sustentáveis; das instituições de pesquisa e extensão e OSC ligadas ao meio rural como articuladores e executores das políticas públicas de desenvolvimento rural sustentável; e de outras “institucionalidades” em nível local, territorial, estadual, nacional e internacional como espaços públicos participativos para debate, negociação e compartilhamento de poderes e responsabilidades entre representantes da sociedade civil e governo sobre a melhor forma de implementação de políticas de desenvolvimento rural que englobem, de maneira integrada, todas as cinco dimensões fundamentais (Social, Econômica, Ecológica, Espacial e Cultural) do conceito de sustentabilidade, de acordo com Sachs (2002).

No presente trabalho, buscaremos analisar uma experiência de implantação de uma destas “institucionalidades” de desenvolvimento sustentável no âmbito territorial, fenômeno que se insere neste contexto de redefinição do próprio conceito de desenvolvimento rural, à luz das mudanças estruturais ocorridas na esfera pública. Esse aspecto será tratado no próximo item.