• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 4 – EMPREENDEDORISMO INSTITUCIONAL, AÇÃO COLETIVA E

4.1.2 Mudança na dinâmica de desenvolvimento rural após a constituição do

O papel principal do CODETER no território, relatado pela maioria dos pesquisados, é oportunizar o debate e a articulação de políticas públicas rurais nos municípios do território. No âmbito federal, estadual e municipal, existem políticas públicas com o mesmo objetivo e público que são desintegradas e desarticuladas. Sob a gestão territorial do CODETER, os programas governamentais e políticas

públicas passaram a ter uma maior sinergia e sincronia dentro dos municípios.

O espaço do CODETER possibilita às lideranças a discussão sobre estratégias de implementação de programas e políticas, de diferentes ministérios e níveis de governo, no âmbito territorial. Os representantes do Núcleo Gestor do CODETER disseminam as informações nos seus municípios e articulam com os órgãos de governo e lideranças locais para colocarem em prática aquilo que é deliberado territorialmente.

O CODETER também possibilitou a identificação das potencialidades e

necessidades do território. As demandas e prioridades locais surgiam nas

Plenárias municipais, eram debatidas e aglutinadas em projetos semelhantes (descritos anteriormente) nas Plenárias Microrregionais, os quais eram encaminhados para serem aprovados e priorizados nas Plenárias Territoriais.

Diversas contribuições já foram dadas para o desenvolvimento rural da Serra Catarinense, após a constituição do CODETER. A totalidade dos atores pesquisados confirmou que o CODETER trouxe melhorias para o território. A principal

contribuição, relatada pela maioria deles, foi possibilitar a mudança do

pensamento local e em curto prazo das principais lideranças do território, para um pensamento intermunicipal e em longo prazo. Nos primeiros anos da

implantação da CIAT, existia uma disputa muito evidente entre os municípios, para ver qual deles conseguia arrecadar mais recursos, em termos de projetos. Primeiro buscava-se o incentivo financeiro para aquisição de um equipamento ou para construção de alguma estrutura, depois se preocupava com a organização, implementação, sustentabilidade e retorno do projeto. Com o tempo, o CODETER foi amadurecendo. Hoje, segundo os entrevistados, os projetos aprovados são mais

estruturantes, conscientes e preocupados com a viabilidade, gestão e retorno financeiro e social do projeto.

Além disso, analisando os projetos apresentados e aprovados em cada Plenária Territorial (descritos acima), observa-se que a compreensão dos representantes do CODETER sobre o que é desenvolvimento rural se ampliou. Nas primeiras Plenárias, os projetos apresentados visavam quase que exclusivamente o desenvolvimento econômico. Com o passar dos anos, o CODETER foi desenvolvendo e aprovando projetos em outras áreas, que não envolviam somente o investimento em atividades produtivas, como por exemplo: habitação rural, comunicação social, estruturação de redes de comercialização, educação no campo e implantação de políticas públicas federais, a exemplo do SUASA.

A concepção do que são projetos territoriais também se ampliou. Os

representantes hoje estão menos preocupados com o retorno financeiro para seu município, e estão pensando mais de forma intermunicipal, no beneficio do território como um todo. Exemplo disso são os projetos que passaram a englobar cada vez mais os municípios do território e a diminuição da quantidade de projetos apresentados nas plenárias territoriais. Em 2005, por exemplo, foram apresentados 24 projetos para disputar recursos do território. Já em 2011 foram apresentados apenas dois projetos que contemplavam o território como um todo.

Percebe-se que com a implantação do CODETER houve um aprendizado dos atores envolvidos no campo do desenvolvimento rural, de uma visão mais setorial para uma ação mais territorial. Porém, as contribuições do CODETER não se limitam apenas ao âmbito local, mas envolvem também uma melhoria na própria gestão da política pública de desenvolvimento rural, tornando-a mais efetiva, como discutiremos a seguir.

Antes do CODETER, a definição dos projetos e alocação dos recursos do PROINF era feita de forma municipalizada. Nessa época, surgiram diversos projetos inviáveis, que receberam recursos para serem implantados, mas que não tiveram um planejamento adequado para serem administrados. Não havia um plano de gestão e o compromisso dos beneficiários para o custeio e manutenção da estrutura construída. Por conta disso, vários empreendimentos instalados nunca entraram em operação. “Só no extremo oeste, por exemplo, nós temos 13 projetos parados” (Secretario Adjunto da SAR, 2011). No formato antigo do PROINF, não existia uma metodologia que exigisse uma construção de baixo para cima para apresentar uma demanda ou solução para um problema. Atualmente, com o apoio do CODETER,

os projetos nos territórios são debatidos pelos representantes locais e são avaliados quanto a sua capacidade de manutenção de estrutura por uma comissão técnica.

Hoje, a luz do CODETER, nós temos projetos que são amplamente discutidos pela comunidade, são selecionados dentro de um banco de projetos, e não são mais aprovados sem que haja um plano de gestão, (...) (e uma) análise da viabilidade técnica e econômica, para que possa se sustentar com as “próprias pernas” (Secretário Adjunto da SAR, 2011).

Outra mudança no território da Serra Catarinense, oportunizada pelo CODETER, foi o aumento da execução de políticas públicas federais nos

municípios e consequentemente uma maior mobilização de recursos para os mesmos.

Hoje, a nível de (SIC) Brasil, eu não saberia te dizer em números, mas o MDA concluiu que para questão do PAA e do PNAE, onde tem território instalado, há um volume extremamente superior (de recursos captados pelo programa), (em comparação) onde não tem ações territoriais. Então, essa dinâmica de debates e articulação (promovidas pelo CODETER), fomentou muito a (atuação conjunta para) busca desse mercado institucional (Delegado do MDA/SC, 2011).

A partir do CODETER, intensificaram-se as ações, negociações e articulações de recursos, envolvendo os municípios da Serra Catarinense com outros Ministérios, além do MDA. Exemplificando: no Ministério da Agricultura, com a implantação do SUASA; no Ministério da Educação, com a implantação do curso de agroecologia no Instituto Federal em Lages e da política pública de alimentação escolar; e no Ministério do Desenvolvimento Social, com a implementação do PAA.

O CODETER teve um papel fundamental na implementação do PNAE na Serra Catarinense. A política foi discutida dentro do Colegiado, foram mobilizadas as lideranças locais para participarem do Seminário de Alimentação Escolar e

sensibilizadas as secretarias municipais de educação para se adequarem à lei. Foi a articulação do CODETER que tornou possível a adesão à lei por todos os municípios do território. O espaço do CODETER também possibilitou uma maior articulação entre as cooperativas de agricultores familiares para fornecimento de produtos para alimentação escolar nos municípios. No Planalto Norte, por exemplo, existem três cooperativas, uma com base do MST, outra da FETRAF e outra da FETAESC, que atuam de forma conjunta para abastecer as prefeituras de Joinville, Rio Negrinho, São Bento do Sul e Canoinhas. Elas participam das chamadas públicas, dividindo atribuições e racionalizando o uso de transportes e pessoas para trabalhar. Essa articulação entre cooperativas, movimentos sociais e sindicatos ocorreu dentro do espaço do CODETER.

Todas essas experiências evidenciam que o CODETER tem atualmente um importante papel institucional nas dinâmicas de desenvolvimento rural do território da Serra Catarinense e que vem contribuindo para solução de alguns dos principais dilemas da região. O apoio à criação e fortalecimento de associações e cooperativas de agricultores familiares foi uma das saídas encontradas pelo CODETER para solucionar os problemas relacionados ao êxodo rural e à baixa renda do território. Quando estão organizados em cooperativas, os pequenos produtores conseguem mais facilmente diminuir seus custos fixos e encontrar maneiras para comercializarem seus produtos, conseguindo, em alguns casos, romper com os intermediários. A força da união os ajuda a escoar seus produtos e a se consolidar econômica e socialmente, além de se tornarem mais estruturados para participar de chamadas públicas para atendimento de políticas públicas como o PNAE e o PAA.

O apoio ao desenvolvimento socioeconômico da agricultura familiar (um dos focos principais da política do MDA) pode ser encarado como uma estratégia do CODETER para diminuir as desigualdades entre as zonas rurais e urbanas da Serra Catarinense, e, assim, fortalecer o desenvolvimento sustentável do território.

A disseminação de experiências de arranjos e parcerias entre as prefeituras da região serrana, articulados principalmente via AMURES e CODETER, muito contribuiu para solucionar o dilema da falta de capacidade técnica e financeira dos municípios para prestação qualificada de serviços públicos, sobretudo para os municípios menores e mais fragilizados economicamente. Após a implantação do CODETER, os municípios passaram a dialogar mais facilmente sobre parcerias intermunicipais, identificando necessidades e potencialidades semelhantes para

realização de um único consórcio, englobando dois ou mais municípios. O CODETER possibilitou também espaço para os municípios planejarem e atuarem coletivamente, desde pequenas ações pontuais, como a compra de insumos de forma conjunta, até projetos em comum de mais longo prazo, como é o caso da criação do CISAMA para implementação da política pública federal do SUASA.

O apoio à educação no campo foi uma forma encontrada pelo CODETER para lidar com o alto índice de analfabetismo e baixa qualidade do ensino básico no território, sem precisar se apoiar em Lages, pólo receptor do êxodo rural da região e concentrador do crescimento populacional urbano. A metodologia de ensino da CFR também contribuiu para diminuição do êxodo rural, já que incentiva os filhos dos agricultores a não se afastarem das atividades agrícolas em suas propriedades rurais.

Ainda, o espaço oportunizado pelo CODETER para diferentes segmentos do meio rural38 discutirem entre si sobre seus problemas em comum, colabora para amenizar a cultura política serrana, marcada historicamente pelas práticas clientelistas e paternalistas (“coronelismo”). Hoje, em vários pontos da região, há dinâmicas e negociações acontecendo entre eles, independente de existirem conflitos sociais ou político-partidários.

O CODETER possui atualmente uma forte interação político-institucional com as principais entidades ligadas ao desenvolvimento rural da Serra Catarinense. No entanto, segundo relato do Secretário Adjunto da SAR (2011), em relação aos órgãos com atuação estadual esta integração ainda pode ser mais intensificada. Para mais detalhes sobre a relação político-institucional do CODETER com as principais instituições ligadas ao público rural do território, consultar Apêndice 05 da dissertação.

Em suma, as inúmeras evidências relatadas tanto na trajetória como nos resultados promovidos pelo CODETER na região permitem afirmar que este se tornou um importante espaço institucional de promoção do desenvolvimento rural na Serra Catarinense. Dentre essas evidências, destacam-se a ampliação da participação dos atores territoriais ao longo dos anos na CIAT/CODETER; a construção de regras próprias que garantem maior representatividade municipal e legitimidade perante as principais entidades ligadas ao desenvolvimento rural; o

38Como por exemplo, o movimento dos pequenos agricultores, mulheres camponesas, assentados da

sentimento de não pertencimento com o território ampliado do Planalto Serrano Catarinense e a busca por uma identidade territorial própria; o amadurecimento da concepção de projetos territoriais entre os participantes; a diminuição na disputa por recursos nas Plenárias Territoriais; a qualificação na elaboração e gestão de projetos; e a articulação política-institucional do CODETER com outras instituições dentro e fora do território para gestão do desenvolvimento rural na Serra Catarinense.

No entanto, esse processo de institucionalização não ocorreu de forma automática, a partir da oportunidade gerada pela política proposta pelo MDA. Ele se deu graças à formação gradual de uma ação coletiva que se engendra a partir da articulação dos atores locais; ou seja, há um processo de transformação de um grupo latente (a CIAT) num grupo ativo (CODETER). A política pública ganha vida e se reconfigura, na prática, a partir dessa ação coletiva.

A seguir serão analisados mais detalhadamente os elementos que caracterizam essa ação coletiva, buscando examinar se esta ação promove ou não um processo de coprodução do bem público e, em caso afirmativo, em qual intensidade essa coprodução ocorre.