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A reforma da administração da escola proposta pelo Ministério da Educação

2. Pilares centrais da reforma educativa

2.3. A reforma da administração da escola proposta pelo Ministério da Educação

Aquando da discussão da LBSE, o Ministro da Educação afirmou na Assembleia da República ter havido, como já anteriormente dissemos, um congelamento de diplomas, dando até o exemplo da lei orgânica do Ministério, por forma a se adaptarem aos princípios da lei. Ora, os princípios da descentralização e da desconcentração (art. 43º, ponto 3) em que a lei de bases assentou não são reiterados na lei orgânica que o ministério publicou em 1987 (Decreto-lei n.º 3/87, 3 de Janeiro), pois no seu preâmbulo, ponto 2 alínea b), separa de forma nítida o patamar da decisão política do patamar da acção educativa concreta ao afirmar que diversas condições

“impõem a redefinição organizacional do Ministério da Educação e Cultura [...] no que respeita [...] [à] Determinação dos níveis de intervenção, com separação bem nítida entre as funções de concepção, normalização e coordenação a cargo dos órgãos centrais e as de gestão e acompanhamento conferidas a serviços regionais integrados”.

Para exercer esta gestão e acompanhamento criou as Direcções Regionais de Educação74 (um primeiro passo de desconcentração mas não de descentralização de poderes) mas nunca se refere ao nível concreto de cada escola, não a valorizando como centro de decisão75. Apesar de no preâmbulo do mesmo decreto-lei apresentar, para

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Os princípios de direcção e gestão “apesar de terem sido genericamente assumidos na Proposta Global de Reforma, nunca tiveram, enquanto conjunto articulado, qualquer tradução legal integral” (AFONSO, 1999b: 123).

74 As DRE’s não são reconhecidas na lei como organismos ministeriais com competências expressivas,

tornando-se ainda mais notório no que diz respeito à assunção de encargos financeiros não aprovados previamente pelos órgãos centrais (Correio Pedagógico, 1988: 45-47). Dadas as competências das DRE, L. Lima (1995: 67) admite a hipótese de “uma recentralização de poderes por controlo remoto, através da criação de uma espécie de ‘capitanias’ regionalmente disseminadas [...], mas não regionalizadas”, constituindo “ramificações de um centro agora ainda mais próximo das escolas que, não dotadas de autonomia(s), são sobretudo vistas como departamentos periféricos ou serviços locais, assim se reproduzindo a administração centralizada” (LIMA, 1999a: 67)

75 Apesar de no decreto-lei n.º 43/89 e, mais tarde, no decreto-lei n.º 172/91 o legislador realçar a

revalorização da escola, o que se verifica na lei orgânica do Ministério da Educação é o “reforço dos

legitimar as reformas, o Ministério da Educação como uma “estrutura complexa”, não valoriza a descentralização de poderes para diminuir a burocratização. Nesta conjuntura, facilmente se poderia prever que qualquer reforma da administração escolar não poderia deixar de veicular uma centralização de poderes e a manutenção de escolas não autónomas76. Assim, o decreto-lei n.º 43/89, de 3 de Fevereiro, identificado pelo Ministério como o decreto da autonomia77, corria o risco de nunca ser implementado, dado o paradigma centralista da lei orgânica do Ministério da Educação (LIMA, 1998a: 71), por forma a permitir que as escolas se tornassem gradualmente mais autónomas78, apesar de o seu preâmbulo iniciar com a pretensão de “inverter a tradição de uma gestão demasiado centralizada e transferindo poderes de decisão para os planos regional e local” (decreto-lei n.º 43/89)79. Não esqueçamos, todavia, e seguindo a perspectiva de A. S. Fernandes (1989: 46), que a autonomia não tem apenas as dimensões administrativa, financeira e pedagógica mas também a dimensão política pelo que a transferência de poderes teria também que ocorrer ao nível da definição de políticas próprias80.

A autonomia professada neste diploma está na dependência de existir ou não um projecto educativo de escola, o que, do nosso ponto de vista, não é adequado dado poder existir um verdadeiro projecto educativo mas a sua concretização ser inviável por limitações legais, isto é, por falta de autonomia real.

Além disso, consideramos a autonomia proposta pelo Ministério da Educação enviesada81 porque, por um lado, é referido que o diploma define um quadro orientador da

76 O que contrariava a tendência dos países da Comunidade Europeia onde “ ‘A escola tende a tornar-se na

unidade central da administração do sistema de ensino’ ” (BARROSO e SJOSLEV in BARROSO, 1991: 8) e também o relatório Coleman que recomendava “ ‘fazer da escola o centro da acção educativa’ ” (COLEMAN in BARROSO, 1991: 8).

77 Apesar deste decreto-lei só contemplar escolas dos 2º, 3º ciclos e secundárias. O decreto-lei limita-se,

segundo L. Lima (2000: 66), a apresentar definições genéricas e competências essencialmente instrumentais e processuais mas sem especificação.

78 Este diploma já previa que as escolas se autonomizassem progressivamente (art. 27º), não sendo, por isso,

novidade no decreto-lei n.º 115-A/98 o faseamento da autonomia.

79 O decreto-lei n.º 43/89 surge, assim, desenquadrado e desarticulado das outras vertentes e diplomas da

reforma educativa em curso (LIMA, 1998a: 71).

80 Este autor considera que a afirmação ‘competências das escolas’ é uma “expressão vaga, ambígua e sem

possibilidades de aplicação imediata”, tornando-se só exequíveis quando se sediam em órgãos próprios. Assim, como o decreto-lei n.º 43/89 nada refere acerca da estrutura orgânica das escolas, as competências eventualmente transferidas para as escolas teriam que aguardar concretização para entrarem em exercício efectivo (FERNANDES, 1989: 46), entendendo-se assim o decreto-lei como mera retórica.

81 Segundo R. Carneiro (2001: 333), então Ministro da Educação, o decreto-lei da autonomia vai “n vezes a

autonomia de escola genérico e flexível, evitando uma regulamentação limitativa (perspectivas que vão de encontro à LBSE), mas, por outro lado, dá a entender que as estruturas centrais pretendem desenvolver um treino nos gestores de tal forma que posteriormente não se afastem muito da prática anterior. De facto, a publicação por parte da DGEBS (Direcção Geral dos Ensinos Básico e Secundário) de um documento intitulado “Práticas de Autonomia - Roteiro de Leitura do Decreto-lei n.º 43/89” onde se estabelece um paralelismo entre o articulado do referido diploma e outra legislação com que se cruza, canaliza os gestores escolares para um determinado tipo de gestão e para o cumprimento dos diplomas legais. Esse mesmo documento refere na parte final que “a progressiva vivência da Autonomia tornará desnecessária a regulamentação minuciosa de alguns domínios” (DGBES, 1992: 76). Ora, a autonomia exerce-se e adapta-se continuamente às situações pelo que as vivências ajudam a tomar decisões mas não determinam as mesmas. Além disso, dá a entender que os actores escolares não se envolvem directamente na construção da sua autonomia, o que é um retrocesso manifesto em relação à dinâmica reformadora impulsionada pela LBSE e pela CRSE. Há ainda a acrescentar o facto de o decreto-lei referir que a autonomia da escola se desenvolve nos planos cultural, pedagógico e administrativo art. 2º, ponto 3), nunca se referindo à autonomia financeira que é fundamental em qualquer processo autonómico. A escola limita-se a fazer a gestão financeira, embora passe a existir uma flexibilidade nessa gestão em termos da cabimentação nas rubricas da contabilidade pública (art. 23º, ponto 1). De salientar ainda que, mesmo ao nível das receitas próprias, a escola tem que justificar a razão da não utilização integral das verbas aprovadas e não gastas em cada ano económico (art. 22º, ponto 4), o que explicita claramente a manutenção do controlo financeiro por parte dos serviços centrais.

Tendo em conta todas as contradições e oposições existentes no próprio Ministério da Educação, a versão final da proposta da CRSE82 nunca chegou a ser

sua perspectiva, no Conselho de Ministros prevalecia uma cultura de “antidevolução de poderes que se detêm” e adianta ainda que “Tudo o que tem a ver com processos autonómicos [...], com processos de envolvimento e participação comunitária alargada, e de devolução da própria escola às instâncias comunitárias [...] esbarram sistematicamente com grandes resistências do Conselho de Ministros”.

82 As diferentes versões da proposta da CRSE foram sofrendo adaptações contudo parece existir congruência

entre elas, o que atesta a profundidade da reflexão existente. Saliente-se a cronologia das propostas apresentadas: Seminários - Maio 1987; Documentos Preparatórios - Janeiro 1988; Proposta Global - Julho 1988. A proposta do Governo ocorreu em Julho de 1990. Saliente-se ainda que as propostas dos diferentes grupos de trabalho no âmbito da CRSE se revelaram bastante fragmentadas (AFONSO, 2002a: 39), o que

publicada em lei83, sendo substituída pelo modelo consignado no decreto-lei n.º 172/91, de 10 de Maio, que integra o denominado “Novo Modelo de Administração e Gestão Escolar”84. Esta decisão política contrariava a recomendação da CRSE orientada para a não imposição às escolas da reforma administrativa, devendo antes ser construída com elas, pois só dessa forma seria uma reforma autêntica (CRSE, 1988b: 49).

Pensamos ser oportuno questionarmo-nos porque é que as instâncias governamentais criam uma CRSE para trabalhar e apresentar propostas de reforma e depois não se aproveita todo o investimento realizado. Em nosso entender, uma das razões do governo para avançar com uma reforma “própria” (que visasse os objectivos da sua ideologia e da sua relação com o mercado) era porque estava pressionado para reformar o sistema educativo, quer pelo enorme crescimento do mesmo quer pela necessidade de promover o sucesso educativo, o que responderia às exigências sociais, nomeadamente advindas do desenvolvimento tecnológico e da competitividade económica. Estamos convictos de que estes poderes omissos oriundos do sector económico reclamando modernidade, qualidade e competitividade em todos os sectores se tornaram extraordinariamente fortes e condicionaram decisivamente a acção do governo. Ora, apesar de no programa do XI governo constitucional estar estabelecido como prioritário

“a reorganização cabal da administração educativa, desde o reforço das autonomias da escola [...] à reformulação do sistema de gestão escolar [...] até à forte desconcentração e transferência de competências do aparelho central para a periferia” (CARNEIRO, 1992: 67),

demonstrou ausência de articulação entre os diferentes grupos. Os elementos do GT da administração escolar consideravam que, pelo facto de a reforma estar a ser delineada por GT diversos e sediados local e institucionalmente em múltiplos sítios, tornava a articulação entre os trabalhos difícil. Esta dificuldade acentuava-se, no entender destes autores, quando existia uma certa pressão para que a organização do trabalho fosse rápida. Porém, consideravam que a articulação dos trabalhos tinha que ser feita ou pela CRSE ou pelas estruturas políticas (FORMOSINHO, FERNANDES, LIMA, 1988). L. Lima (1998a:45), elemento do grupo de trabalho que estudava a administração escolar, refere que “A recepção da LBSE, sobretudo no âmbito dos trabalhos da Comissão de Reforma do Sistema Educativo [...], cedo deixou ficar claro o seu carácter ambíguo relativamente a muitas matérias relevantes, tendo gerado interpretações diversas, mais restritivas ou mais avançadas, em termos de democracia, de participação, de descentralização e de autonomia, todas argumentando com base no seu articulado”. Para este autor, a lógica sectorial da proposta global da CRSE tornou-a consideravelmente difícil e insucedida.

83 Há autores que referem que a passagem de um elemento da CRSE para ministro da educação (Roberto

Carneiro) determinou a publicação de uma lei consentânea com uma perspectiva mais individual em detrimento da apresentada pela CRSE.

84 Para alguns autores a desvalorização dos trabalhos da CRSE e das posições do CNE insere-se numa

o que ia de encontro à LBSE e à proposta da CRSE, o decreto-lei n.º 172/91 desviou-se dessas finalidades, talvez porque a perda de poder e do controlo directo sobre as escolas pudesse vir a inviabilizar os compromissos com o poder económico.

Segundo R. Carneiro (2001: 329), como a Comissão de Reforma tinha sido nomeada por outro ministério, havia “diferenças de concepções e de pensamentos entre alguns membros da [Comissão] [...] e os dois Secretários de Estado”, sendo por isso natural que as propostas da Comissão não avançassem85. Além disso, a criação da Secretaria de Estado da Reforma Educativa86 gerou problemas de simultaneidade com a CRSE, segundo refere o próprio Ministro (id., ibid.: 329)87, ficando os trabalhos da CRSE sem acolhimento por parte dessa secretaria. Porém, esta falta de acolhimento não se registou em todos os programas da proposta global da CRSE, pois como R. Carneiro pertenceu a um grupo de trabalho da CRSE ligado às propostas do currículo, grupo de trabalho este que, segundo A. Teodoro (1995: 55), permaneceu em funções para além do mandato da CRSE, e sendo estas propostas assumidas pelo próprio Ministro, avançou a sua implementação enquanto que as restantes caíram no esquecimento, nomeadamente as referentes à administração escolar88. Também, J. Formosinho (1989a: 12) partilha desta posição ao referir que o grupo do currículo se apresentou em alternativa à CRSE, sobreviveu a ela e continuou a conduzir a reforma curricular, tendo o próprio Ministro enviado esta proposta para o CNE em alternativa à da CRSE.

Vamos de seguida fazer uma análise crítica da proposta apresentada pelo governo, procurando destacar as semelhanças e diferenças entre esta proposta e a

85 J. D. Pinheiro (2001: 309), antecessor de R. Carneiro, manifesta pena por a reforma não ter sido

prosseguida porque entendia que eram propostas exequíveis, “que não induziam um ruptura ou uma mutação no sistema, mas muito mais uma indução”.

86 Criada pelo Ministro R. Carneiro e, provavelmente, mais pela filosofia que o próprio tinha para o

Ministério da Educação do que pela necessidade dessa secretaria no contexto da época.

87 L. Lima refere que as incongruências e desconexões relativas existentes na proposta global da CRSE

foram agravadas, após a publicação da LBSE, com a mudança de governo que, para alguns sectores, segundo B. P. Campos, não estava “nada empenhado na aplicação da lei” (CAMPOS, 1989: 13 in LIMA, 1998a: 46), “com a mudança de ministério, com uma clara tensão entre o ministério e a comissão na fase final do seu mandato, com protagonismos dificilmente conciliáveis e, mais tarde, com as novas mudanças de ministros, até ao anúncio político, discursivo, do final do ciclo de reforma” (LIMA, 1998a: 45-46).

88 A perspectiva do governo anterior era de que vários projectos avançassem simultaneamente e não se

apresentada pela CRSE e ver até que ponto a primeira se inspirou na segunda, bem como fazer uma análise da importância da implementação experimental do modelo do decreto- lei n.º 172/91 no contexto nacional e suas consequências futuras.