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Contudo, entendemos que o esforço pela construção de uma rede de atendimento psicossocial simboliza um compromisso político de ir além da simples

2.3. A REFORMA PSIQUIÁTRICA EM NATAL E O LUGAR DOS CAPS

A reforma psiquiátrica em Natal constitui uma particularidade de um processo social mais amplo – a Reforma Psiquiátrica no Brasil – que, por sua vez emerge no âmbito do movimento sanitarista. Doravante discutimos elementos do contexto da reforma sanitária no Rio Grande do Norte, para situarmos a reforma sanitária no contexto de sua capital. Para tanto debruçamo-nos sobre a dissertação de mestrado intitulada: “Atores e Interesses na Implementação da Reforma Sanitária no Rio Grande do Norte” (VASCONCELOS, 1997). Segundo Vasconcelos (1997), antes mesmo de se iniciar a reforma em nosso estado, a primeira

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Cabe-nos ratificar o pensamento de Iamamoto (2007), esta afirma que a mundialização financeira unifica, dentro de um mesmo movimento, processos que tendem a ser tratados pelos intelectuais de forma isolada e autônoma, tais como: a “reforma” do Estado, a reestruturação produtiva, a questão social, a ideologia neoliberal e as concepções pós-modernas.

metade dos anos 1980, caracteriza-se pela consolidação de uma rede de serviços básicos de assistência à saúde de caráter público, resultante da política de expansão de cobertura assistencial, operada através do Programa de Interiorização das Ações da Saúde e Saneamento (PIASS) e, posteriormente, das Ações Integradas de Saúde (AIS). Ao analisar a evolução da política de saúde no Rio Grande do Norte, o autor ressalta que a adesão do governo às propostas da reforma sanitária brasileira ocorreu de maneira subordinada, motivada principalmente pela expectativa de transferência de recursos no setor, em um contexto marcado pela escassez de recurso na área da saúde. Assim, a adesão decorreu de uma busca por transferências financeiras e não de uma compreensão política do significado social da reforma. Apesar de essas transferências estarem condicionadas à adesão aos princípios e diretrizes da reforma, em nosso caso, tal adesão foi eminentemente formal.

As iniciativas reformistas na saúde, divulgadas com grande ênfase, estavam em sintonia com o discurso de mudanças do governo do estado50 à época cujo compromisso era

implementar no Rio Grande do Norte as mudanças anunciadas pela Nova República. A gestão iniciou-se demarcando oposições com o governo anterior (José Agripino Maia, do PFL), então associado ao autoritarismo e aos vícios do regime militar, apesar deste ter composto a Aliança Democrática que elegeu Tancredo Neves presidente e José Sarney vice (VASCONCELOS, 1997).

A partir de 1987 sob a gestão do Dr. Geraldo Melo (PMDB), o estado se credencia, por meio de convênio com os Ministérios da Previdência e Saúde, para implantar o Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS), desencadeando as mudanças institucionais no setor, direcionadas para o alcance dos objetivos da reforma sanitária. O Rio Grande do Norte se destaca à época como um dos primeiros estados da federação a se credenciar para a implantação do novo sistema (VASCONCELOS, 1997).

Naquele momento, a tônica do discurso institucional da Secretaria de Saúde se volta para anunciar as mudanças na intervenção governamental e para reforçar os avanços legais relacionados à Saúde, inscritos na Constituição de 1988. Iniciada a gestão, José Agripino Maia (PFL, 1991-1994), a partir de uma constatação de que havia um caos na saúde, anuncia a implementação do SUS, já regulamentado por Lei Federal como o norte para a política de saúde de seu governo (VASCONCELOS, p. 18, 1997).

50Governo eleito em 1986 por uma coligação dirigida pelo PMDB, tendo à frente o Sr. Geraldo Melo e

O conselho municipal de saúde de Natal, instituído em 05 de fevereiro de 1986 com caráter consultivo, foi o primeiro do estado a se adequar à lei 8.142, em julho de 1991 (SUS), passando a ter caráter deliberativo e funcionando com nova composição, obedecendo à paridade entre usuários e demais segmentos. Nos demais municípios, os conselhos municipais de saúde foram criados em sua maioria em função de exigências legais para adesão ao processo de municipalização. Contudo, o autor afirma a evidência com relação à manipulação na composição dos conselhos pela interferência do sistema político dominante em nível local, que procura moldá-los em conformidade com seus interesses de modo a mantê-los atrelados a políticos locais e aos seus representantes e cabos eleitorais. Assim, a participação dos usuários tem se restringindo à manifestação nas conferências e nos conselhos de saúde, sem desdobramentos nas entidades e nas comunidades, comprometendo a legitimidade e a representatividade dos usuários.

Vasconcelos (1997) analisa criticamente a política de saúde implementada no Rio Grande do Norte, e constatou que muito pouco mudou na ação das instituições oficiais de saúde, a despeito de todos os avanços legais e do estabelecimento de novas formas de participação da sociedade com a criação e o funcionamento dos conselhos de saúde.

Em pouco mais de dez anos houve alterações nessa realidade? Trata-se de questão complexa cuja análise poderia dar lugar a uma nova dissertação. Destacaremos um aspecto: a participação dos usuários em saúde mental junto as suas entidades representativas. Que sujeitos sociais têm se destacado no âmbito da política de saúde mental de Natal? Buscaremos apreender esse processo social em sua dinâmica e contraditoriedade. Em seu estudo Vasconcelos (1997) enfatiza que:

A hegemonia no campo da saúde tem sido exercida por um bloco integrado por segmentos de elite da corporação médica, grupos médico-empresariais e grupos políticos com suporte eleitoral nos serviços de saúde articulados aos partidos dominantes na política estadual, polarizados de um lado pela família Alves, que comanda o PMDB, e de outro pela família Maia, que comanda o PFL. Esses grupos e indivíduos tem se revezado na direção do aparelho estatal setorial e assim viabilizando seus interesses pessoais, corporativos, lucrativos e políticos (p.16).

Em entrevista a nós concedida, a ex-presidenta (por duas gestões seguidas: março de 2006 á março 2008) do Conselho Municipal de Saúde de Natal revela impasses e limites vivenciados.

Não tenha dúvida! Em 2007 assumiu o conselho de medicina um grupo muito conservador, privatista, neoliberal. É o mesmo grupo das cooperativas e da associação médica. Altamente articulado com os grupos de direita. Pode dizer isso sem medo!

Vasconcelos (1997) conclui que a reforma sanitária em nosso estado foi implementada sob a direção de atores sociais defensores do “status quo” no campo da saúde, cujos interesses seriam afetados com a efetivação das propostas reformistas.

Paiva (2007), por sua vez, afirma que a reforma psiquiátrica no Rio Grande do Norte é um exemplo do que vem se configurando no país, ou seja, com suas especificidades, ela integra um processo histórico de nível nacional, no campo da saúde mental. Contudo, não podemos deixar de evidenciar que em um país de dimensões continentais, as disparidades entre regiões, estados e municípios são incontestes, evidenciado marcas de temporalidades distintas em um mesmo período histórico. Adentrar na realidade da cidade de Natal nos permitirá evidenciar características gerais e particularidades do processo de reforma psiquiátrica, tomado aqui como totalidade histórica, com expressões conjunturais próprias. Entrando, em seguida, no “túnel do tempo”, este nos leva a importantes fatos que marcam a história da política de atenção em saúde mental na cidade de Natal.

Procedemos, inicialmente, a um resgate do processo de reforma psiquiátrica em Natal, pondo em evidência avanços e limites, para, em seguida, analisarmos as contradições que marcam a estruturação da rede de atuação psicossocial, no interior da qual se situa o CAPS II- Leste, lócus de nossa pesquisa empírica. Nossa intenção é situar nosso objeto de estudo – as possibilidades e limites para materialização da reforma psiquiátrica em Natal – no contexto sócio-histórico no qual se processa, para dele extrairmos as determinações que nos auxiliam a apreender a realidade, para além de seus aspectos fenomênicos, em suas múltiplas determinações econômicas, políticas e sociais.

Ao tratar de saúde mental, Paiva (2007) afirma que, a partir da década de 1990, o processo de reestruturação da assistência psiquiátrica no Brasil teve grande desenvolvimento, respaldado pelas portarias ministeriais que apontavam para a criação de uma rede de cuidados em saúde mental. Contraditoriamente, esse lapso temporal foi também marcado pelo êxito ideológico do projeto neoliberal, cujos elementos centrais sinalizam os limites para concretização do novo modelo de atenção psicossocial. Esses elementos do contexto mais geral incidem na realidade estudada. Para apreendê-la em sua complexidade, evidenciando os determinantes de sua gênese e crise, nos deteremos ao processo histórico de reforma psiquiátrica e a inflexão advinda das contra-reformas implementadas, sobretudo, a partir dos anos 1990, explicitando as repercussões na realidade natalense.

Para entendermos os limites e contradições que perpassam o processo de