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Bisneto (2007), por sua vez, destaca que, nos serviços reformados, há uma dissolução dos objetos específicos e certa descaracterização profissional, que é

inclusive politicamente desejável, tendo, todavia, trazido mais indefinições aos

assistentes sociais. Desmontar a suposta identidade do psiquiatra implica desconstruir

todas as outras identidades.

Em documento apresentado à Conferência Regional de Reforma dos Serviços de Saúde Mental (2005): 15 anos depois de Caracas66, a Coordenação Geral de Saúde Mental, do

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É importante pontuar o debate acerca desse termo interdisciplinar. Não há consenso quanto à referência a termos designados para definir as equipes de trabalho entre os profissionais da saúde mental. Autores como Mourão (2002) faz uso do termo transdisciplinaridade, Lobosque (2003) ora utiliza o termo multidisciplinar, ora interdisciplinar. Nossa escolha metodológica aproxima-se do debate realizado por Bisneto (2007) a respeito da repercussão metodológica de atuação dos assistentes sociais em saúde mental e a questão de interdisciplinaridade. Nesse campo fatores biológicos, psicológicos e sociais se misturam, assim, exige-se mais de um ramo de conhecimento para dar conta da problemática. Para Bisneto (2007), os diferentes termos variam de acordo com suas gradações (multi, pluri, inter, trans...). Destacamos ainda, na perspectiva adotada por Bisneto que a origem da interdisciplinaridade não advém apenas de uma racionalidade científica, ou do reconhecimento da complexidade dos problemas de saúde por parte da própria medicina e dos órgãos planejadores da saúde, visando a uma maior eficiência e efetividade dos programas, contudo engloba interesses e razões políticas e financeiras também.

66 Evento realizado em Caracas (1990), a Conferência Regional para a Reestruturação da Assistência Psiquiátrica, teve como resolução a chamada “Declaração de Caracas”. Nela os países da América Latina, inclusive o Brasil, comprometem-se a promover a reestruturação da assistência psiquiátrica, a rever criticamente o papel hegemônico e centralizador do hospital psiquiátrico, como também, salvaguardar os direitos civis, a dignidade pessoal, os direitos humanos dos usuários e propiciar a sua permanência em seu meio comunitário.

Ministério da Saúde, afirma que a rede de atenção à saúde mental brasileira é parte integrante do Sistema Único de Saúde (SUS), rede mais ampla, instituída no Brasil, na década de 1990, pela Lei Federal n°8.080, de 19 de setembro/90, que compreende ações e serviços públicos de saúde. O SUS67 regula e organiza em todo o território nacional as ações e serviços de saúde de

forma regionalizada e hierarquizada, em níveis de complexidade crescente, tendo direção única em cada esfera de governo: federal, estadual e municipal

Destacamos o princípio de controle social do SUS, na medida em que defende o protagonismo e a autonomia dos usuários dos serviços na gestão dos processos de trabalho no campo da saúde coletiva. Assim, os Conselhos e as Conferências de Saúde são chamados a desempenhar importante papel na gestão do SUS, no ordenamento de serviços e ações e no direcionamento dos recursos.

Em consonância com estes princípios, a rede de atenção à saúde mental, composta por Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT), Centros de Convivência, Ambulatórios de Saúde Mental e Hospitais Gerais, foi pensada para ser essencialmente pública, de base municipal e com um controle social fiscalizador e gestor no processo de consolidação da Reforma Psiquiátrica. O papel dos Conselhos Municipais, Estaduais e Nacional de Saúde, assim como das Conferências de Saúde Mental é tido como uma forma por excelência de garantir a participação dos trabalhadores, dos usuários de saúde mental e de seus familiares nos processos de gestão do SUS. Assim, pretende-se favorecer o protagonismo dos mesmos na construção de uma rede de atenção à saúde mental. Todavia, cabe mencionar que tais dispositivos, de composição heterogênea, são perpassados por contradições e disputas presentes de modo geral em nossa sociedade.

De fato, são as Conferências Nacionais de Saúde Mental, e em especial, a III Conferência Nacional de Saúde Mental, realizada em 2001, que consolidam a Reforma Psiquiátrica como política oficial do SUS e propõem a conformação de uma rede articulada e comunitária de cuidados para as pessoas em sofrimento psíquico.

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São princípios do SUS o acesso universal público e gratuito às ações e serviços de saúde; a integralidade das ações, em um conjunto articulado e contínuo em todos os níveis de complexidade do sistema; a eqüidade da oferta de serviços, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie; a descentralização político-administrativa, com direção única do sistema em cada esfera de governo; e o controle social das ações, exercido por Conselhos Municipais, Estaduais e Nacional de Saúde, com representação dos usuários, trabalhadores, prestadores de serviços, organizações da sociedade civil e instituições formadoras.

A construção de uma rede comunitária de cuidados é considerada fundamental para a consolidação da Reforma Psiquiátrica. Para os idealizadores da política nacional de saúde mental, a articulação em rede dos variados serviços substitutivos ao hospital psiquiátrico é crucial para a formação de um “conjunto vivo e concreto de referências capazes de acolher a pessoa com transtorno mental”68(BRASIL, 2005). Esta rede é maior, no entanto, do que o

conjunto dos serviços de saúde mental do município. Uma rede se conforma na medida em que são permanentemente articuladas outras instituições, associações, cooperativas e variados espaços nas cidades.

A rede de atenção à saúde mental do SUS define-se assim como de base comunitária. É, portanto fundamento para a construção desta rede a presença de um movimento permanente, direcionado para os outros espaços da cidade, em busca da emancipação das pessoas em sofrimento psíquico.

A organização em rede e não apenas a implantação de serviços ou equipamentos tem caráter fundamental para fazer face à complexidade das demandas de inclusão de pessoas secularmente estigmatizadas, em um país de acentuadas desigualdades sociais. A articulação em rede de diversos equipamentos da cidade, e não apenas de equipamentos de saúde é tida pelos idealizadores da reforma como condição sine qua non para garantir resolutividade, promoção da autonomia e da cidadania das pessoas em sofrimentos psíquico, assim com expresso em documento do Ministério da Saúde (BRASIL, 2007).

Para a organização desta rede, a noção de território é especialmente importante. O território designa não apenas uma área geográfica, mas um espaço delimitado onde se dão relações sociais de poder envolvendo sujeitos, com inserção em classes sociais diversas e antagônicas, onde atuam instituições, redes, onde acontece a vida comunitária, em sua dinâmica contraditória e complexa. Assim, trabalhar no território não equivale a atuar na comunidade, com seus integrantes, com os saberes e forças concretas ali presentes, em geral, em disputa de poder e recursos, que se expressa nas soluções e demandas apresentadas. Ao se buscar uma ação levando em conta o território em sua dimensão espacial, social e política,

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Chamamos a atenção para a designação utilizada nos documentos oficias do Ministério da Saúde ao fazer referência às pessoas em sofrimento psíquico. Nossa opção teórica, como afirmamos inicialmente, foi utilizar a noção de Lobosque, que indica heterogeneidade de situações e transitoriedade, ou seja, graus e tipos diversos de sofrimento psíquico e tempos também diferenciados, podendo uma pessoa ter sofrimento psíquico em um momento de sua vida e superar tal situação. Historicamente, as terminologias indicavam e respaldavam modos de tratamento que, muitas vezes, levavam a pessoa a cristalizar um estado psicossocial e mais ainda a ser “enquadrada”, como doente, de doença irreversível, e em decorrência a ser objeto de preconceitos e até mesmo de tratamentos inadequados.

objetiva-se construir consensos, pactuar metas. Alcançar tais objetivos nem sempre se revela tarefa fácil. Trabalhar no território significa ainda resgatar todos os saberes e potencialidades dos recursos da comunidade, construindo coletivamente as soluções, incentivando a multiplicidade de trocas entre as pessoas e os cuidados em saúde mental.

Vale ressaltar que, em muitos documentos e pronunciamentos dos sujeitos implicados diretamente nas ações em saúde mental, como também em outras políticas e programas sociais, observamos uma diversidade de entendimentos quanto à concepção de território. Na maioria das vezes, esta fica restrita apenas a uma delimitação espacial, física, ou ainda, há um mascaramento das desigualdades sociais presentes nestes espaços, uma tendência a homogeneizar a condição dos sujeitos sociais, ao apelo à “boa consciência” de indivíduos, representantes de instituições e organizações sociais bem como de familiares. De fato, a idéia de território como fundamento para o desenho e implantação de políticas sociais nos parece auspiciosa. Todavia, a inconsistência na compreensão de tal noção ou os diferentes entendimentos podem comprometer a consecução dos objetivos almejados e passar a compor discursos ideológicos, vazios de conteúdo concreto e legitimadores de práticas que, finalmente, reforçam antigas relações assistencialistas e de dominação.

O Ministério concebe a rede de atenção psicossocial como um complexo articulado, composto por sujeitos sociais e instituições, tendo os CAPS como serviços estratégicos na organização, constituindo sua porta de entrada, sendo responsável por sua regulação (BRASIL, 2007). O organograma abaixo delineia a configuração desta rede de atenção à saúde mental:

Fonte: Relatório de Gestão 2003-2006. Ministério da Saúde: Brasília, janeiro de 2007.

Quando pensamos em rede, principalmente, nós nordestinos, surge em nossas