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Em conseqüência da transformação na lógica do tratamento, mudam-se também as propostas de assistência A dimensão técnico-assistencial engloba o

planejamento das novas estruturas assistenciais (tanto recursos financeiros quanto

humanos), designadas, doravante, serviços de atenção psicossocial. O tipo de

atendimento às diferentes demandas de tratamento (tipos de terapia medicamentosa,

psicoterápica e de sociabilidade) passa por alterações substanciais.

Com relação à dimensão jurídico-política, problematiza-se, então, a idéia

vigente de que um ser em sofrimento psíquico é considerado inimputável, ou seja,

incapaz de responder sobre seus atos, incapaz de gerir seus bens, sua própria vida,

como também de atuar produtivamente na sociedade e relacionar-se. Questionam-se

os meios jurídicos que justificam a tutela ou curatela do paciente. Vimos em Gondim

(2001) que a origem da relação de tutela remonta à Revolução Francesa, quando a

Assembléia Revolucionária institui o regime dos insensatos. Esses instrumentos

tornavam possível a interdição civil do “louco”, passando para o tutor ou curador a

responsabilidade civil e material daqueles que supostamente não possuem

condições de gerir sua vida. Essas classificações eram aplicadas indistintamente a

quaisquer sujeitos em sofrimento psíquico, sem analisar os graus de

autonomia/dependência dos mesmos. O conceito de periculosidade é também

questionado, uma vez que este permitia à justiça interpretar a pessoa como um

perigoso em potencial, justificando o encaminhamento a um manicômio judiciário, o

que resultava muitas vezes em internações de longa duração, pois a medida de

segurança determinava um prazo mínimo, mas não um prazo máximo (LOBOSQUE,

2001).

O campo das políticas sociais25 revela-se, então, fundamental para concretização da

reforma psiquiátrica. Ora, é nesta esfera que a conquista de regulamentação sobre o financiamento e montagem de novas estruturas assistenciais pode tornar-se possível, contribuindo para a constituição da nova rede de serviços de atenção psicossocial.

Surjus (2007), analisando a situação brasileira, identifica alguns fatos que obstam a construção dessa rede de atenção. Segundo a autora, o sistema de financiamento, ainda desproporcional, serve de justificativa para ações hospitalares; a falta de recursos humanos no SUS (Sistema Único de Saúde); a lentidão na reorientação do modelo, no que se refere à redução de leitos em hospitais psiquiátricos e criação de novos serviços como os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT), Centros de Convivência e Oficinas de Geração de Renda, dificultam a composição, de fato, de uma rede substitutiva ao modelo manicomial. Será que estes fatos não revelam a opção estatal pelo privado, em detrimento do público?

Os Serviços Residenciais Terapêuticos, residências terapêuticas ou simplesmente moradias, são casas localizadas no espaço urbano, constituídas para responder às necessidades de moradia de pessoas portadoras de transtornos mentais graves, egressas de hospitais psiquiátricos ou não. Embora as residências terapêuticas se configurem como equipamentos da saúde, estas casas, implantadas na cidade, devem ser capazes em primeiro lugar de garantir o direito à moradia das pessoas egressas de hospitais psiquiátricos e de auxiliar o morador em seu processo – às vezes difícil – de reintegração na comunidade. Os direitos de morar e de circular nos espaços da cidade e da comunidade são, de fato, os mais fundamentais direitos que se reconstituem com a implantação nos municípios de Serviços Residenciais Terapêuticos. Sendo residências, cada casa deve ser considerada como única, devendo respeitar as necessidades, gostos, hábitos e dinâmica de seus moradores. Uma Residência Terapêutica deve acolher, no máximo, oito moradores. De forma geral, um cuidador é designado para apoiar os moradores nas tarefas, dilemas e conflitos cotidianos do morar, do co-habitar e do circular na cidade, em busca da autonomia do usuário. De fato, a inserção de um usuário em um SRT é o início de longo processo de reabilitação que deverá buscar a progressiva inclusão social do morador. Cada residência

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A existência das políticas sociais é um fenômeno associado à constituição da sociedade burguesa, ou seja, do específico modo capitalista de produzir e reproduzir-se. Evidentemente que não desde os primórdios, mas quando se tem um reconhecimento da questão social inerente às relações sociais de produção (Cf. BEHRING, 2006).

deve estar referenciada a um Centro de Atenção Psicossocial e operar junto à rede de atenção à saúde mental dentro da lógica do território.

Especialmente importantes nos municípios-sede de hospitais psiquiátricos, onde o processo de desinstitucionalização de pessoas com transtornos mentais está em curso, às residências são também dispositivos que podem acolher pessoas que em algum momento necessitam de outra solução de moradia (Ministério da Saúde- Documento apresentado à Conferência Regional de Reforma dos Serviços de Saúde Mental : 15 anos depois de Caracas- 2005).

Os Centros de Convivência e Cultura são dispositivos públicos que compõe a rede de atenção substitutiva em saúde mental e que oferecem às pessoas em sofrimento psíquico espaços de sociabilidade, produção cultural e intervenção na cidade. Estes Centros, através da construção de espaços de convívio e sustentação das diferenças na comunidade, objetivam facilitam a construção de laços sociais e a inclusão das pessoas com transtornos mentais. O valor estratégico e a vocação destes Centros para efetivar a inclusão social residem no fato de serem equipamentos concebidos fundamentalmente no campo da cultura, e não exclusivamente no campo da saúde. Os Centros de Convivência e Cultura não são, portanto, equipamentos assistenciais e tampouco realizam atendimento médico ou terapêutico. São dispositivos públicos que objetivam oferecer à pessoa em sofrimento psíquico atividades no âmbito da cultura. Assim, a clientela dos Centros de Convivência e Cultura é composta, sobretudo, mas não exclusivamente, de pessoas com consideradas com “transtornos mentais severos e persistentes” (BRASIL, 2005).

O processo de luta pela reforma psiquiátrica objetiva construir um novo