• Nenhum resultado encontrado

Saúde e Sociedade (08): No relatório de 1997 encontramos o registro da origem do espaço “Saúde e Sociedade”, que surgiu da necessidade de um grupo de

3.2.2. RELAÇÕES E VIDA SOCIAL: COMO TECER A TEIA DE LAÇOS SOCIAIS A DESPEITO DAS DIFERENÇAS?

Nesse item apresentamos nossas análises a respeito das relações observadas no decorrer de nosso trabalho empírico. Relações tecidas entre usuários e serviço, família, trabalho, técnicos do CAPS. O vínculo entre profissionais, usuários e familiares. Os familiares e seu ente em sofrimento psíquico, e os primeiros com o serviço. Doravante, concentraremos nossos esforços na análise desse emaranhado de redes de relacionamentos.

Durante a pesquisa, entre tantas impressões do universo de um CAPS, marcou-nos o vínculo dos usuários com o serviço, caracterizando certa dependência. Logo nos primeiros encontros sentimos o quanto os usuários são carentes emocionalmente. No dia 21 do mês de julho de 2008, em conversa com eles sobre nosso objetivo ali no serviço, esclarecemos o por quê da minha presença. Ao abrir espaço para que eles se expressassem, ouvimos:

“Você vai mexer com nós e depois vai embora quando a gente começar a querer bem!” Observamos a dificuldade destes exercerem sua autonomia. Expressão clara da dependência com relação ao serviço e resquícios do velho modo de tratar, frio, sem acolhimento, invasivo. Neste mesmo dia mais uma expressão da dependência com o serviço manifestada em algumas falas:

“- É filha, aqui é nossa casa é melhor que sobrinho, irmão!”

O serviço é idealizado para funcionar como suporte para os usuários construírem relações externas, extra-serviço. Na realidade, os usuários parecem bastante fechados no serviço. As relações externas ao CAPS são ainda caracterizadas, em geral, pela fragilidade. Quando eles não estão em atividade no CAPS, estão em casa e, na maioria das vezes, sem desenvolver quaisquer atividades. Assim, podemos afirmar que a “visão de serviço aberto” parece ainda distante da realidade. O CAPS, na verdade, funciona como um casulo, onde os usuários encontram proteção, amparo, reconhecimento, lugar de sociabilidade, espaços de encontro com outros com quem se identificam. Deste modo, podemos indicar que parece haver uma transposição de funções entre o CAPS e o que se entende ser os chamados centros de convivência81. O que se revela uma contradição, pois, estamos falando em um serviço dentro

dos moldes de atenção psicossocial, que fundamentalmente deve estimular a autonomia. Todavia, é compreensível o sentimento dos usuários se consideramos o contexto atual, da sociabilidade capitalista, marcado pelo individualismo, pela descartabilidade, além das dificuldades objetivas e subjetivas de suas famílias para lidarem com os mesmos. O CAPS aparece assim como um parêntese, ou mesmo, uma pequena ilha, onde os usuários vivem momentos de “sossego”.

A institucionalização substitutiva e/ou doméstica parece apontar para um horizonte no qual a vida é reduzida a espaços de convivência dentro do serviço ou dentro de casa.... Em 11 de agosto de 2008 em uma roda de conversa, a maior parte dos usuários afirmou ter ficado em casa vendo TV e dormindo durante o final de semana. Lembrando que o final de semana em questão era o dia dos pais, ocasião em que as famílias se reúnem, saem, festejam. Ora, podemos nos indagar: se em dias comemorativos a rotina é tão introspectiva assim, imagine nos dias ditos “normais”. Essas situações de dependência excessiva do serviço, o “enclausuramento” em domicílio ou relações restritas aparecem (brotam, surgem, nascem...) nas falas de todos os nossos entrevistados.

Em casa eu passo o dia deitado. O tempo que tô em casa. Chego em casa me dá ansiedade, medo de andar de ônibus quando eu saia daqui a tarde (Ansiedade).

81 Em Natal, até o momento final de nossa pesquisa, este tipo de equipamento e de serviço, constante na

proposta da reforma concernente à constituição da rede em saúde mental ainda não havia sido implantado. A definição deste tipo de serviço citamos em nota anterior.

“Ele gosta de vir... Gosta mais daqui do que em casa!” (Familiar Ansiedade).

“Só vivo deitada, não tenho ânimo pra nada! A casa é uma bagunça... Minha mãe faz pelo jeito, coitada, já vive cansada!” (Amor).

“Só na cama, só se levanta pra tomar café, pra almoçar, jantar, tomar banho... depois corre pra cama” (Familiar Amor).

A reinserção social preconizada pela reforma psiquiátrica parece ainda um horizonte longínquo. Por que os CAPS ainda não estão em sua totalidade voltados em suas ações para o mundo externo?

Ansiedade fala um pouco sobre como sente seu sofrimento e como isso atrapalha suas relações:

É ouvir vozes, ver vulto e perseguição, isso aí dá vida... Isso atrapalha, meu relacionamento, até mesmo com minha esposa, colegas, tudo, entendeu? Que me deixa isolado deles, os vizinhos e tal...

Damo-nos conta da dimensão e da complexidade de uma intervenção em saúde mental. As dificuldades próprias do sofrimento psíquico são inúmeras, singulares e para usuários e familiares é preciso mostrar as possibilidades de mudar aquele quadro.

Após mais de cinco anos no CAPS Gratidão expressa insatisfação com relação a sua atual situação:

A coisa que eu mais detesto é o ócio e eu to no ócio, praticamente! Só na televisão, música e fazer supermercado com mamãe toda quinta-feira (Gratidão).

“Hoje ele é muito calmo, fica muito no quarto dele, gosta de ouvir música. Ele não gosta de sair de jeito nenhum!” (Familiar Gratidão).

No caso da gratidão, o tempo de permanência no serviço já não seria suficiente para que seu projeto terapêutico estivesse em movimento e não paralisado no ócio de uma vida restrita a relações no serviço e domiciliares? E aqui frisamos que domiciliar é utilizado aqui no sentido estrito da palavra: relações com entes que residem em seu domicilio, excluindo os demais familiares e amigos extra- residência. Quando nos aprofundamos no cotidiano de usuários, familiares de trabalhadores do CAPS, entendemos o sentimento de que a reforma psiquiátrica, nesse contexto, parece ter se paralisado ou mesmo, para alguns regredido. No que se refere às relações entre usuários e seu núcleo familiar e as relações sociais mais amplas parece-nos haver ainda muito a ser feito para romper barreiras.

A centralidade da doença, de suas expressões na vida cotidiana, a ênfase na importância do médico psiquiatra, dos psicólogos, dos remédios ainda chama bastante atenção. Nas conversas, nas falas um tipo de conteúdo é recorrente: afirmar que dormem apenas à base de remédio, que não podem viver sem remédios, expressam que sentem angústia, que têm vontade de chorar o tempo todo, que o medicamento não está surtindo efeito, como se este resolvesse todo o problema. A solução apontada quase sempre é buscar o médico, para rever doses ou mudar medicações

Trazer a saúde mental para um outro nível! Um nível que não seja do sintoma, do curativo, da medicação, da cura disso, daquilo, daquilo outro! Então isso, a cultura, a cultura manicomial é muito, muito presente! Engraçado a gente avança, avança, mais no dia a dia no corpo a corpo ela se faz presente de maneira muito firme, muito severa! Isso a cultura manicomial.

A técnica do serviço, em entrevista explicita mais um dos inúmeros desafios postos para materialização da reforma:

Disseminar essa reforma para os outros serviços para os serviços básicos, para os PSF, não deixá-la somente nesses serviços mais novos, que foram criados para reforma mesmo, como o CAPS, levar isso para base mesmo. E também, eu acho que não é só abrir novos serviços que quer dizer que estamos fazendo reforma não! Eu penso que reforma não é só desospitalizar! Às vezes a gente abre novos serviços e fica com velhas práticas.

Compartilhamos com a opinião de que não basta levar a saúde mental para atenção básica, como também para demais instâncias sociais, para além da rede psicossocial. Somente com um amplo trabalho atingiremos o objetivo da desinstitucionalização. Não basta abrir novos serviços é preciso superar velhas práticas, a exemplo da idéia que saúde mental possui um lugar específico de cuidado. Recorrer somente à lógica dos saberes Psi, revelam velhas práticas que surgem na fala de gratidão:

“Aqui é uma casa de passagem, e eu vou ter psicólogo e psiquiatra já é tudo!”

Esperamos que os usuários atendidos em um suposto novo modelo tenham perspectivas condizentes com a atenção psicossocial recebida e preconizada pela reforma. Apesar dos limites indicados e, em alguns casos percebidos por usuários e familiares, é unânime a opinião entre estes sobre o tratamento recebido no CAPS, considerado infinitamente melhor, mais humano do que aquele dos hospitais psiquiátricos. As falas retratam as opiniões com relação ao tratamento recebido no CAPS e aquele recebido nos hospitais psiquiátricos:

Da cozinha, lá pra cima são tudo bons, tudo, é a equipe, a equipe é uma equipe boa... Lá é tipo de manicômio, é tipo o Carandiru em São Paulo, rio, sei lá!Tudo brigando um com o outro! (Ansiedade).

Olhe eu digo que nem clínica de luxo do sul do país tem essa metodologia, aqui do CAPS. E o pessoal, aqui o pessoal é altamente competente! Caiu do céu tudinho aqui, eu costumo chamar de anjos da saúde! Rsrsrs... O que mais me marcou? Foi justamente a humanidade, tratamento humano a todos, você chega todo destruído... E eles dão apoio, a humanidade... A relação humana entre profissional e usuário... (Gratidão).

O atendimento! Eles cuida de muita boa vontade da gente, falam com a gente, quando a gente ta com problemas eles escutam... No hospital é horrível! Eles nem olha pra gente, parece que a gente somos uns ruim... Eles nem ligam pra gente, se a gente ta se sentindo bem, se a gente ta se sentindo mal... Não tão nem ai, só dão os remédios, só faz dá os remédios na hora certa e pronto! (Amor).

Tratar mal, não ter a devida paciência parecem atitudes que haviam se cristalizado e naturalizado na vida dos usuários e de seus familiares quando recebidos nos hospitais. Os relatos deixam claro o sentimento positivo com relação ao modo que são acolhidos no CAPS.

Os respectivos familiares parecem compartilhar da mesma opinião que seus entes, referindo se ao tratamento prestado pelo CAPS:

“Acho que elas tratam bem no limite de cada um!” (Familiar Ansiedade).

Ah! Eu acho que é uma equipe muito boa! Eles têm muita, muita paciência, não os vejo tratando mal ninguém! O que mais me admira é a paciência deles! (Familiar Gratidão).

Pra falar a verdade eu gosto daqui, eu gosto de tudinho daqui! Graças a Deus ela é muito bem atendida aqui, vixe Maria, valha me Deus, quando ela sair daqui eu vou senti muita falta! Muita saudade daqui, pra mim tudinho é bacana! Agora se dependesse de mim ela ficava o dia todinho é porque não pode, tem que ser o que elas que, não é? (Familiar Amor).

Apesar do consenso em volta do atendimento oferecido pelo CAPS, alguns relatos levam-nos a questionar a eficiência do cuidado prestado para além dos limites do serviço, fato manifestado em trechos, como estes:

“O que mudou? É só naquele instante! Só naquele momento que a gente ta participando, ai quando nós sai daqui... Atualmente eu me sinto, to me sentido mais pior do que antes...” (Ansiedade).

Mudou assim quando ele toma o remédio fica tranqüilo! É tanto remédio... Mais veja só quando está acordado não para! Principalmente quando não tem ninguém em casa! (Familiar Ansiedade).

“Em casa eu fico muito triste, sem alegria de nada! E aqui eu mim sinto feliz! Sinto muito respeito!” (Amor).

Eu acho que pra mim é do mesmo jeito, não tem diferença! Aqui é uma coisa, quando sai é a mesma coisa! Olhe não tem um dia assim que diga: ah hoje ela ta melhor! Pra mim é uma coisa só! desde que adoeceu é do mesmo jeito! (Familiar Amor).

Cabe nos indagar quais os determinantes dessa realidade? Será que as atividades desenvolvidas pelo serviço estão respondendo as demandas que lhe são postas? Até onde vai a responsabilidade do CAPS? É relevante pontuar que o cuidar em saúde mental é complexo e

carregado de especificidades. Cada um com seu tempo e ritmo de evolução. Entretanto, da nossa amostra somente um usuário e seu familiar afirmaram sentir mudanças significativas após o início de sua inserção no serviço. Consideramos importante esclarecer que o mesmo freqüenta o serviço há mais de 05 (cinco) anos e possui condições materiais de ter outros tipos de apoio, além das atividades oferecidas pelo CAPS (o mesmo tem acesso a psicoterapia e psiquiatra particular). Ouçam a experiência de gratidão e seu familiar:

Depois da doença fiquei calado, triste. Depois que vim pra cá, mudou minha auto-estima, ser uma pessoa útil e não uma pessoa lixo! Não bebo não fumo, não tenho hoje vício nenhum! É como eu já disse, nem uma clínica de luxo do sul tem a competência, a humanidade, as relações humanas! Isso conta muito! Eu cheguei deprimido, caído... E eles deram o apoio moral (Gratidão).

No início foi muito difícil, ele era muito agressivo, ele não aceitava as coisas... Ele já fazia tratamento com ela (psiquiatra particular) no consultório já há 04 (quatro) anos e não melhorava, não melhorava em nada, ai ela perguntou se ele aceitava vir ao CAPS. A convivência era muito difícil pela agressividade, agora ta mais fácil. Hoje ele é muito calmo, mim faz muita companhia, é delicado, não agredi mais ninguém. Mudou tudo! A rotina, os irmãos, hoje ele compartilha, almoçamos juntos, coisa que não fazia, sentar pra almoçar. Ajuda em casa, lavar uma loça, tira as coisas da mesa... No início ele não gostava, mas com pouco tempo ele já estava adaptado, com pouco mais de um mês ele melhorou, melhorou mesmo! (Familiar Gratidão).

Foi, foi um dia assim...eu, eu chorava bastante, sabe? Nos primeiros dias, eu ficava chorando,era, assim...ai fui mim acostumando com a turma e tal... (Ansiedade).

Percebemos nessas falas a sutileza do trabalho em saúde mental. Ao chegar ao CAPS pela primeira vez, a maioria dos usuários sente um estranhamento, contudo, logo se adapta e cria vínculos fortes com o serviço e com todos os sujeitos que lhe dão vida.

Nossa pesquisa constatou uma estreita relação entre o desempenho de atividades de trabalho e o início ou o agravamento do quadro de sofrimento psíquico que conduziu o usuário ao CAPS.

O usuário de codinome ansiedade afirma que o médico de seu sindicato lhe disse que a “doença” da qual é portador decorreu do uso excessivo e contínuo dos chamados “arrebites” e de outras substâncias ingeridas para permanecer acordado durante as noites e poder dirigir horas a fio, para nos dizeres deste usuário “enriquecer o patrão”. Ansiedade fala:

Já bastante! Caminhoneiro e motorista de coletivo e de turismo. Só não to fazendo hoje por conta da patologia. Até meu carro vendi, que não tinha condições de assumi. Problemas de nervos, esquecimento... Passei 20 anos na estrada tomando arrebite para enriquecer o patrão!

Outra usuária, após dez anos de trabalho no estacionamento de um dos grandes

shoppings centers de Natal, ao recusar participar de um curso de qualificação, foi demitida em

seguida e, logo depois, começou a apresentar sintomas de depressão, de sofrimento psíquico.

Ela trabalhou dez anos, dez anos, ali no natal shopping, tava bem demais, satisfeita, fez muita amizades lá... ai depois pediram pra ela fazer um curso, ai ela disse: não vou fazer não! Com pouco tempo demitiram ela... (Familiar Amor).

Ao ser questionado se já havia trabalhado gratidão afirma:

“Já! No BANDERN, banco! Eu sempre tinha problema, mas quando entrei no banco tinha menos, ai foi aparecendo.”

Estes relatos e outros que ouvimos durante o período de observação participante, apontam a centralidade do trabalho na constituição do ser social. No âmbito das relações de trabalho situa-se a gênese de muitos processos de adoecimento, a “exclusão” do mundo do trabalho desencadeia ou agrava quadros de sofrimento psíquico.

Os profissionais afirmam manter uma relação terapêutica com os usuários, e destacam quão difícil é trabalhar com saúde mental:

“É difícil, é psicótico, é saúde mental é puxado, é puxado” (Coord. Do CAPS).

E outro grande emperramento da reforma é a dificuldade com a clínica! Também ainda, é uma grande dificuldade, a clínica é pesada tem que estudar, discutir muito, se tratar muito, a clínica é pesada trabalhar com transtorno mental grave, psicoses. (Técnica do CAPS).

Nas falas dos técnicos encontramos elementos que apontam para certas turbulências nas relações entre estes e os familiares:

Eu penso que mesmo que a gente aqui diga que trata o usuário e o familiar, na verdade o familiar entra como coadjuvante quem é protagonista mesmo no caso é o usuário, a família entra no sentido de contribuir com esse tratamento (Técnica do CAPS).

Muito bom no sentido que nós sabemos que o tratamento não se dá sem o familiar, claro há muita resistência de muitos familiares, inclusive, quando os vê em estado de melhora, por quê? Porque passam a ver os

CAPS como assim a salvação, foi aqui que mim salvei, e você sabe não existe salvador! Não se vê implicado como agente transformador! (Coord. do CAPS).

Esses dois relatos sugerem indagações: Distintas opiniões dentro de um mesmo processo de trabalho interferem em seu objetivo final? Ou as diversidades de perspectivas somam no fazer profissional?

Através dos dados coletados nas entrevistas concluímos que os diferentes usuários mantêm relações diversas com suas famílias. Ansiedade sente-se incompreendido. Gratidão idolatra. Amor lembra-se de como suas crises afetam suas relações:

É tipo um regime que eu vejo. Minha esposa, ela, ela não admite sabe? Ela assim, eu acho que ela pensa que eu to bom!

Minha mãe. 100 por cento... Tudo é ela. A participação dela fundamental, mim salvou. A relação com minha mãe é de idolatria!

Dá força, tentando me ajudar, me colocar pra cima, dizendo que eu vou conseguir trabalhar de novo. É boa... Mais... Assim quando eu to... quando eu entro em crise é ruim, que eu quero machucar minha mãe, morder ela...eu mordo ela... Quando eu to em crise mesmo é a pior possível (em vermelho ponho, ou acaba reforçando o mito da periculosidade, agressividade...).

Apesar da sistemática de trabalho do CAPS assegurar uma contratualização entre o serviço e o familiar, através da qual este se compromete a contribuir com o tratamento ofertado, no percurso da pesquisa empírica, encontramos familiares com diferentes posicionamentos. Existem aqueles que se comprometem inteiramente com o tratamento de seu familiar, e outros

que não participam das atividades as quais são convocados e buscam o serviço somente, em situações extremas, em quadros de crise.

Os familiares, em geral, são demandantes de tempos de permanência de seus usuários os mais amplos possíveis, afirmando, muitas vezes, que se sentem “aliviados”, durante o tempo em que o “cuidado” com seu familiar é deixado sob a responsabilidade da equipe do CAPS ou outros serviços da rede, fechamos esse ponto com parte da fala de um familiar que explicita claramente a necessidade desta família dividir o cuidado do seu ente em sofrimento psíquico:

Ai ela ficou lá nesse hospital dia, era uma benção! Passava o dia todinho, também era muito bom! Não dava trabalho a mim né? Num ficava em casa! Ai pronto foi tempo que fechou né? Ai ficou em casa dando trabalho. Ela foi internada, pelo menos 12 vezes. Mulher o que eu digo... Só é mais um descanso assim pra nós, mais melhora nunca teve não! Quando passa o dia aqui é bom, só quando ta só a tarde...ah! Mulher! É um aperreio! (Familiar Amor).

Mudança paradigmática, como a que se pretende com a concretização da reforma psiquiátrica não se materializa de forma imediata e sem impasses, ocasionando situações de embates e instabilidade, por vezes contraditórias. A atual política em saúde mental descarta características próprias da dita psiquiatria tradicional caracterizada pelo controle em detrimento da atenção psicossocial que estimula a autonomia do sujeito em sofrimento. Entre o que assegura a política pública em saúde mental e a realidade concreta há um fosso, as mudanças não ganham corpo e substância somente com as alterações de preceitos legais. É um pouco desse terreno de luta, de avanços e recuos que traçamos no próximo item.

3.2.3. RELAÇÃO CONTRADITÓRIA DE DEFESA DA AUTONOMIA E DE ESTABELECIMENTO