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A regionalização com o SUS: repercussões no Ceará

A organização dos serviços, segundo os níveis de atenção e suas respectivas densidades tecnológicas, está contemplada nas diretrizes do SUS, com “as ações e os serviços públicos de saúde integrando uma rede regionalizada e hierarquizada, tendo apoio no sistema de referência e contra-referência” (BRASIL, 1988; 1990). Contudo, ao longo da década de 1990, poucas estratégias foram adotadas para operacionalizar estas diretrizes.

Após a IX Conferência Nacional de Saúde, foi constituído um grupo especial no ministério para a descentralização (GED), com participação do CONASS e CONASEMS e outras entidades. O grupo produziu o documento “Descentralização das Ações e Serviços de Saúde: A ousadia de cumprir e fazer cumprir a lei. Este foi aprovado pelo Conselho Nacional de Saúde, em 15 de abril de 1993 e, fez parte da Norma Operacional do SUS, a NOB93. Destacou-se na introdução do documento “Ousadia”, o posicionamento assumido quanto à regionalização, no que explicita contradições com a municipalização conforme a NOB 93:

[...] A questão da regionalização, como alternativa à ‘municipalização’,

tal como apareceu em várias críticas, foi exaustivamente discutida. Prevaleceu o entendimento de que significava uma distorção dos termos da legislação vigente, uma vez que a regionalização não pode ser entendida como a criação de uma instância intermediária com autonomia e relacionamento direto com as esferas estadual e federal e sim como uma articulação e mobilização municipal que leva em consideração características geográficas, fluxo de demanda, perfil epidemiológico, oferta de serviços e, acima de tudo, vontade política expressa pelos diversos municípios de se consorciar ou estabelecer qualquer outra relação de caráter cooperativo. Sendo assim, não pode ser um pré-requisito para a descentralização [...] (Brasil, 1993).

Ademais, o documento propôs um novo modelo assistencial a ser construído em conformidade com o disposto na Constituição e na Lei orgânica da Saúde; a se efetivar mediante a descentralização e comando único do SUS nas três esferas de governo. Este modelo teria que contemplar, dentre outros, a

[...] implantação de um sistema de referência e contra-referência

municipal, regional, estadual e interestadual; hierarquização e regionalização da rede de serviços de saúde a nível municipal, estadual e nacional [...] (Brasil, 1993).

Assim, uma regionalização ainda por se fazer no SUS. A questão foi retomada com a edição da NOB/96. Esta norma demarcou o objetivo de consolidar o pleno exercício, por parte dos municípios, da gestão da atenção à saúde de seus munícipes, com o que denominou SUS Municipal ou:

[...] A totalidade das ações e de serviços de atenção à saúde, no âmbito

do SUS, deve ser desenvolvida em um conjunto de estabelecimentos, organizados em rede regionalizada e hierarquizada, e disciplinados segundo subsistemas, um para cada município – o SUS-Municipal – voltado ao atendimento integral de sua própria população e inserido de forma indissociável no SUS, em suas abrangências estadual e nacional

[...] (Brasil, 1993).

Destacou a NOB 96, com o SUS-Municipal, a possibilidade de

[...] grande responsabilização dos municípios, no que se refere à saúde

de todos os residentes em seu território [...]. No entanto, possibilita risco de atomização dessas partes do SUS, [...] que um sistema [...] se desenvolva em detrimento de outro, ameaçando até mesmo, a unicidade do SUS [...] (Brasil, 1993).

Passando a defender a integração e equidade entre estes sistemas sendo mediada pelo poder público estadual. Os colegiados de gestão, CIT no nível federal e CIB no estadual, bem como os Conselhos de Saúde, como instâncias para viabilizar o referido propósito. Ademais, destacou nas relações entre municípios – entre os gestores municipais -, mediadas pelo estado, quando o serviço requerido para o atendimento da população estivesse localizado em outro município, “tem como instrumento de garantia a programação pactuada e integrada na CIB regional ou estadual e submetida ao Conselho de Saúde correspondente”. E que, no âmbito estadual “a Bipartite pode operar com subcomissões regionais” (BRASIL, 1996).

Com estas referências à NOB 96 se quer colocar em consideração o seguinte argumento: o Ceará vem se destacando nacionalmente na organização do SUS, por um lado, seguindo as normas federais e por outro criando, tanto alternativas técnicas às normas quanto fatos políticos geradores de capital aos participantes em construção do SUS-CE. Desse modo situando o estado em posições pioneiras; que não excluem conflitos e

contradições entre os gestores municipais e o estadual. Assim vem se dando com relação à regionalização em saúde. Vejamos a contribuição da participante do estudo:

[...] A NOB 96 ela já trabalha a regionalização, ela não dá é o modelo,

ela deixa o estado livre. É tanto que foi baseado nessa liberdade que veio o projeto do setor saúde financiado pelo DFID para a organização do estado, porque cabia ao estado definir as suas diretrizes [...] (E.G7, p.10)

No resgate do trabalho no âmbito da CIB-CE, se buscou a possibilidade de identificar fatos no sentido da hipótese. Em 31.03.1997, com a NOB 96 apontando a possibilidade de a CIB operar com “subcomissões regionais”, foi colocada a proposta de criação de Bipartites Regionais no Ceará:

Item III da pauta: Proposta de Alteração do regimento Interno da CIB- Ce – Dr. Odorico [Luiz Odorico Monteiro de Andrade, então Secretário

de Saúde de Sobral]. [...] apresentou as seguintes alterações: Capítulo II

– Artigo 2º. – Parágrafo 1 – Serão criados a nível das regionais do Estado as Bipartites Regionais. Parágrafo 2 – Para facilitar o funcionamento das Bipartites Regionais serão operacionalizadas da seguinte forma: a) Bipartite 1 – Regionais Fortaleza e Itapipoca; b) Bipartite 2 – Regionais Jaguaribe e Russas; c) Bipartite 3 – Regionais Senador Pompeu e Quixadá; Bipartite 4 – Regionais Iguatú e Icó; Bipartite 5 – Regionais Juazeiro do Norte e Crato; f) Bipartite 6 – Regionais Tauá e Crateús; g) Bipartite 7 – regionais Tianguá e Sobral. Parágrafo 3 – A Comissão Bipartite Regional será composta de oito membros – 4 representatnes das Regionais SESA e 4 representantes dos Municípios. Os dois Diretores Regionais e Vices Presidentes Regionais do CONESEMS serão membros natos. Parágrafo 4 – Caberão às Bipartites Regionais a elaboração do seu Regimento Interno que será submetido à Bipartite Estadual. Dra. Vera abordou que é necessário incluir que as competências serão definidas em Regimento Interno das Comissões Regionais baseadas nas decisões da Comissão Intergestores Bipartite homologada pelo Conselho Estadual. (CIB – CE, 1997).

Pela proposição, cada Bipartite elaboraria seu Regimento a ser submetido à CIB. A reunião de 25.07.1997 aprovou o Regimento Interno da CIB-CE, contemplando a proposta de criação de 07(sete) Bipartites Regionais – com alteração da Bipartite 2 para Limoeiro do Norte e Russas . Contudo, em relação ao regimento, na ata da reunião, às linhas 256 a 258 constou: “A CIB/CE é uma instância superior às Bipartites Regionais e todas as

deliberações das Bipartites Regionais deverão ser sancionadas pela CIB/CE”. Essa instância funcionaria com um único regimento, “aplicável às Bipartites Regionais”. Portanto não seria atribuição de cada Bipartite Regional a elaboração de seu regimento. Considerando o estudo das atas posteriores, não se verificou a atuação destas Bipartites Regionais até a implantação das microrregiões a partir de 1998.

A questão da regionalização foi mais uma vez colocada na agenda do SUS - Ceará em 1997. Nessa oportunidade, um grupo técnico da SESA tratou do desenho do sistema de referência e contra-referência para o estado, com apoio em consultoria internacional.

[...] veio o consultor [...], passou primeiramente 15 dias [...] nos deixou

três meses trabalhando e voltou mais 15 dias [...] nós traçamos [...] a malha viária do estado [...] estudamos a procedência dos atendimentos nos grandes centros, [...] a gente foi percebendo nitidamente pra onde cada população de determinado município migrava [...] posteriormente nós estudamos o nível de complexidade das unidades desses municípios que recebiam mais do que enviavam pacientes, e, por ultimo nós [...] resolvemos ouvir gestores municipais [...] lideranças [...] para que eles vissem [...] se aquilo ali era suficiente pra gente definir uma região de saúde [...] posteriormente foi feito um estudo das unidades que davam maior resolutividade [...]. (E.G15, p.1,2)

O estudo mapeou os três municípios como pontos de maior convergência dos fluxos dos usuários no estado - Fortaleza, Crato e Sobral –, cada um deles configurando uma rede de municípios que por sua vez, em função das vias de acesso, se subdividam em trechos. Foram desenhados 13 (treze) trechos, sendo 06 (seis) na rede Fortaleza, 05 (cinco) na rede Sobral e 02(dois) na de Crato. Nestes trechos também foram identificados municípios de convergência de fluxos de acesso aos serviços. O estudo ainda codificou os serviços de saúde disponíveis em 10 categorias de complexidade no conjunto dos níveis de atenção (SESA, 2002b).