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No eixo da sociogênese, com a análise de políticas, a investigação se voltou a responder como surgiu a regionalização em saúde no Ceará. No eixo avaliativo, com a matriz, em que grau se situou a implantação da regionalização. Ou, tomando conceitualmente a implantação enquanto operacionalização adequada da intervenção: em que medida essa operacionalização se situou, conforme planejada, face à “imagem- objetivo”. Para propiciar, em seguida, o exame dos limites e possibilidades da intervenção no sentido dos seus objetivos. Uma possibilidade pouco trabalhada na regionalização recente do SUS-Ce foi a de ampliação da participação dos envolvidos. Tal não se deu, em coerência com a estratégia de reforma assumida, evidenciando o caráter instrumental da política. Aponta-se a potencialidade do espaço das práticas de regionalização na construção de sujeitos em direção à Reforma Sanitária.

Com a análise das trajetórias dos principais agentes envolvidos com a regionalização em saúde no Ceará, verificou-se, a despeito da diversidade de concepções sobre a regionalização relacionadas com as posições ocupadas e as diferentes espécies de capital político e técnico acumulados, a convergência de interesses que viabilizaram a formulação, a decisão em iniciar, a execução e ainda na continuidade da proposta. Uma limitação do presente estudo relaciona-se exatamente com o exame parcial das trajetórias dos agentes envolvidos no processo bem como da própria gênese do espaço – diversas lacunas identificadas requerem um aprofundamento em investigações futuras.

A perspectiva assumida na avaliação da implantação possibilitou o exame da intervenção sob vários ângulos, segundo os níveis, dimensões e subdimensões em que os critérios construídos foram agregados. A avaliação da matriz de análise pelo comitê de experts apoiou os procedimentos de ajuste dos critérios e de classificação do grau de implantação para cada um; ainda que esta classificação tenha se realizando sem a produção de consenso. Se colocando, como relevante, a adoção deste procedimento, face ao potencial de utilização da matriz em outros estudos. A participação dos usuários, profissionais das unidades do sistema de referência, dos gestores e equipes – desde os municípios adscritos, aos pólos da região e de sua respectiva macrorregião e, ainda, da gestão estadual, no nível central e regional – contribuiu sobremaneira com a avaliação articulada à perspectiva qualitativa. Compartilhar estes resultados com todos se coloca como um esforço em contribuir com estratégias, nas lutas de competência ao interior do espaço da regionalização em saúde, no sentido da Reforma Sanitária Brasileira.

Conclusões

- A regionalização em saúde no Ceará, no período 1998-2002, se fundamentou em uma proposta da SESA com apoio de consultoria de corte longitudinal e financiamento internacional, além da adesão dos municípios; alinhado e consistente com o projeto global de reforma do Estado que enfatizou a descentralização e a modernização institucional com melhoria gerencial do quadro técnico aliada à racionalização dos recursos. Assim, se inseriu em um projeto de poder estadual incidindo nas estruturas de gestão regional.

- A adesão em bloco dos municípios provavelmente tenha resultado de um lado, da dominância política do governo estadual e, de outro, com expressão instrumental, face às necessidades de melhoria da gestão e da atenção à saúde da população e a perspectiva de aporte de recursos. Ademais, pode ter sido função da necessidade real dos pequenos municípios de terem uma gestão de saúde comum, por razões operacionais de economia de escala e de fixação de profissionais médicos, particularmente especialistas. Havendo a necessidade de estudos de trajetórias dos agentes e de gênese do espaço para explicar a adesão dos municípios às estratégias de poder estadual.

- A concepção de regionalização da proposta se expressou predominantemente em duas dimensões: a de definição da autoridade sanitária regional da SESA em co-gestão com os municípios no espaço do colegiado de gestão regional; e a da eficiência (economia de escala) na organização regionalizada do sistema de saúde. Estas se aglutinaram na concepção de diretriz política de organização da atenção e dos serviços do SUS-Ceará. - O pioneirismo atribuído à proposta pode ser explicado em função da abrangência das ações para todo o território do Ceará, nos marcos de um Estado governado por representantes da burguesia industrial modernizadora de centro esquerda. Contribuiu: o subsídio de uma consultoria externa de elevado capital simbólico que contou com a adesão do quadro técnico em posições dominantes de sucessivas gestões; a adesão dos prefeitos; os arranjos de gestão em acréscimo aos existentes, voltados à cooperação entre gestores municipais e o estadual; e, finalmente, sua antecipação em relação às normas nacionais de regionalização com contribuições na formulação das mesmas.

- Após 2002, a proposta teve continuidade nas gestões subseqüentes, enquanto diretriz política de organização regionalizada das ações e serviços do SUS-Ce; tendo se alinhado,

desde então, às normas nacionais. Com investimentos e custeio pontuais visando à atenção secundária nas microrregiões. Não se mantiveram as estratégias voltadas à capacitação em gestão regional. Com a mudança na correlação de forças, na atual gestão, a SESA perdeu poder com repercussão na gestão regional; também fragilizada em estruturas e adequação quantitativa e qualitativa do quadro técnico. Assim, uma descontinuidade na continuidade.

Da avaliação da implantação em uma microrregião do Ceará (2007-2009):

- A microrregião foi classificada em estágio intermediário nos três níveis da análise. Em cada nível em pelo menos um dos critérios foi atingido o grau incipiente: na definição de fontes para financiar a regionalização considerando sua insuficiência; na política de gestão do trabalho (plano de cargos e salários); na programação pactuada e integrada (a baixa alocação para as referências na média complexidade e a indefinição/inoperância de procedimentos/prazos de atualização); e, na acessibilidade (o tempo entre a solicitação e a realização de internações e consultas/exames especializados e o transporte do usuário à unidade de referência). Todos se configurando em obstáculos à regionalização.

-O grau avançado de implantação foi atingido em relação ao colegiado de gestão regional ainda que tenha pontuado no grau intermediário nas competências em conduzir a regionalização. Ademais em relação Plano Diretor de Regionalização, no desenho e configuração do sistema de referência na atenção secundária mesmo estando em intermediário na adequação dos serviços para esta referência. Ainda se destacaram no grau avançado as iniciativas locais de estruturação de serviços beneficiando a região bem como iniciativas da gestão estadual na estruturação de novos serviços.

-A maioria dos critérios se colocou na situação intermediária. A destacar nessa posição, o planejamento regional e a avaliação. Sendo mais próxima da incipiente, o complexo regulador tanto em relação à adequação quanto a operação e, ainda, na sua interface com a acessibilidade na marcação de consultas e exames especializados; como também o apoio à estadia dos usuários no período do deslocamento. Assim, configuram obstáculos; considerando o papel estratégico destes critérios para a regionalização.

- Com as práticas da região, como expressão da intervenção implantada, atingindo o grau intermediário na disponibilidade e distribuição social dos recursos e incipiente na

acessibilidade, a regionalização se colocou em situação desfavorável. Estes resultados apontando para a necessidade de serem revistos seus rumos, particularmente quanto à estratégia incrementalista assumida em sua operacionalização. A adesão dos municípios, o colegiado de gestão em posição favorável para viabilizar estratégias de cooperação intergestores; bem como a liderança dos dirigentes na região se constituem em potencialidades da regionalização no sentido de seu fortalecimento.

Sintetizando, pode-se dizer que a regionalização da gestão da saúde no Ceará introduzida no inicio do século XX assumiu diferentes sentidos ao longo da história. Sua recente incorporação como estratégia de reorganização de serviços de saúde de forma pioneira no Ceará, a partir de 1998, relaciona-se às características da conjuntura política nacional e estadual de Reforma do Estado e modernização administrativa resultante do exercício da hegemonia por parte de grupos sociais representados por partidos de centro esquerda em coalisão com setores de esquerda que criaram espaços ocupados por alguns agentes de trajetórias relacionadas com o movimento sanitário; que formularam proposição inovadora. Embora a proposição, na sua essência fosse orgânica às aspirações dos governos estaduais de recomposição do poder parcialmente perdido com a descentralização da saúde, por um lado, e por outro, com as aspirações dos municípios de resolução de seus problemas de acesso a média e alta complexidade, não houve prioridade efetiva que se traduziu pelo financiamento insuficiente e situação de implantação intermediária verificada. Além disso, as trajetórias e disposições dos principais agentes envolvidos com a regionalização a conduziram principalmente como política racionalizadora ficando a sua dimensão de reorganização do sistema secundarizada.