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3 POLÍTICA PÚBLICA E A AVALIAÇÃO EM LARGA ESCALA COMO

3.2 A REGULAÇÃO E A INTERVENÇÃO DO ESTADO NA EDUCAÇÃO 70 !

Em estudos sobre as políticas educativas internacionais, o termo regulação, segundo um breve sumário realizado por Barroso (2005), ocorre em dois contextos: no primeiro, em países francófonos, o termo aparece associado ao debate sobre a reforma educacional para sua modernização, criticando a intervenção do Estado e reforçando uma imagem de Estado menos prescritiva e mais regulamentadora, orientada por controle de resultados. O Estado continua a investir parte do seu orçamento em educação, mas se retira das ações cotidianas da educação, de organização e gestão, transferindo-as para a iniciativa privada, em parcerias e concorrências, assumindo a função de avaliador para saber se os resultados foram alcançados.

No segundo contexto, em países anglo-saxônicos e onde acontecem políticas de cunho mais conservador e neoliberal, o termo aparece associado ao conceito de desregulamentação, alterando o modelo tradicional de intervenção do Estado, de coordenação e direção do sistema público de educação. Não se trata de simples alteração do termo, mas, parcialmente, da mudança da regulação pelo Estado para a regulação de iniciativa privada, criando o “quase mercado”, ou ainda cabe afirmar que a regulação é observada como privatização da educação. Nas reformas educacionais realizadas, percebemos o caminho do primeiro contexto para o segundo contexto.

A regulação é, portanto, um mecanismo inerente a qualquer sistema com o objetivo de garantir o equilíbrio e a coerência, que compreende a produção de regras, normas e constrangimentos que orientam os atores de um sistema, como por exemplo, o complexo sistema educacional, onde existem várias fontes e atores envolvidos, interesses e estratégias, finalidades e modalidades de regulação.

A educação, segundo Barroso (2005), é comparada a um processo composto resultante de regulações das regulações, de controle direto de uma regra sobre a ação dos regulados. Para esse autor, no campo educacional, há um sistema de multirregulação sobre o qual é preciso valorizar o papel primordial das instâncias, dos indivíduos, estruturas formais e não formais, a partir dos quais se faz a síntese ou superam os conflitos entre as diversas regulações, configurando a estrutura dinâmica do sistema de regulação e seu resultado. Nas investigações realizadas pelo autor, analisando diversos modos de regulação, foram identificados três níveis: o nacional, que tem como eixo a regulação institucional; o intermediário, voltado a instâncias de regulação com ações em territórios intermediários do sistema educativo, na interface entre o nacional e o local; e o nível local, que se refere aos modos de regulação internos de cada escola.

Apoiado em Maroy (2004), Barroso (2005), indica os cinco países estudados no Relatório Final do projeto Reguleducnetwork11 se apoiam, de modo geral, em modelos pós- burocráticos, particularmente do Estado avaliador, porém a intensidade dessas políticas postas em ação, dão origem a modelos variados. A Inglaterra se encontra numa situação mais radical, criando uma política de quase-mercado onde reforçam-se a lógica mercantil e o controle, em prejuízo da capacidade de intervenção do poder local.

Sobre a crise do Estado, Barroso (2005) pontua que, depois da Segunda Guerra Mundial, inicia-se um aumento do poder e intervenção do Estado, seja pela forma do totalitarismo ou pelo Estado da providência. Na década de 1980, se inicia, por meio do tatcherismo e regarismo, as políticas denominadas de neoliberais, reduzindo o papel do Estado e criando o mercado ou quase-mercado12 nos setores tradicionalmente públicos como saúde, educação, transportes, entre outros.

Essas políticas afetam outros países, sendo adotadas como referência pelos programas de desenvolvimento conduzidos por organizações internacionais como o Sistema Financeiro Internacional (FMI), Banco Mundial (BM), Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), dentre outros, designados pelo denominado Consenso de Washington, indicando, como medidas, a disciplina orçamental, reforma fiscal, eliminação das barreiras às trocas internacionais, privatização e desregulamentação, diminuindo, assim, a intervenção estatal.

11 Modos de regulação do Sistema educativo ao nível meso: estudo de caso da Direção Regional de Educação de Lisboa e de um município.

12 Forma bastante específica de combinar a regulação do Estado e a lógica de mercado na oferta e gerenciamento de serviços públicos, não havendo contraposição entre as duas lógicas (de público e privado), como ocorria no auge do Estado-Providência (AFONSO, 2000).

Com a virada do século, Barroso (2005) observa um declínio das teorias mais radicais do neoliberalismo e emergem outras possibilidades de propostas que buscam equilibrar o Estado com o mercado, reativando a intervenção de maneira sócio-comunitária.

No contexto da educação, o neoliberalismo se expressa por meio de várias reformas estruturais, destinadas a reduzir a intervenção do Estado na administração do serviço educativo por meio do que alegam políticos, peritos e mídia, críticas no serviço público estatal, abrindo espaço para a intervenção do mercado, subordinando as políticas de educação à lógica econômica global, importando para essas políticas valores como competição, concorrência, empreendedorismo, excelência e, assim, promovendo medidas de privatização. Observamos, com isso, a transformação da ideia do serviço público em um serviço para clientes. Nesse sentido, a educação, enquanto um bem para todos, torna-se algo diverso, desigualmente acessado. Na aparência, um mercado único, enquanto na essência funciona como diferentes submercados que ofertam produtos diferenciados em natureza e qualidade desiguais.

Esse mercado é criado e estimulado por meio do financiamento público destinado às famílias pelo sistema de vouchers13, pela privatização parcial ou total da gestão da escola. O foco dessa ação articula o mercado da educação ao mercado do emprego, mesmo que acarrete a exclusão de muitos.

No século XXI, as receitas do Consenso de Washington são postas em questão pelas experiências sem sucesso em vários países do mundo, a euforia neoliberal também entra em declínio entre os seus promotores ligados a grandes organizações internacionais, o que coloca a necessidade de repensar a escola, não a partir do mercado, mas de finalidades a atingir, que não estão dissociadas de um projeto político nacional, alinhado aos princípios fundadores da escola pública. O que subjaz a um processo de sociedade, com universalidade de acesso, igualdade de oportunidades e continuidade dos percursos escolares, integrando crianças e jovens na vida social por meio da partilha cultural comum.

Em muitos casos, esses princípios não estiveram inclusos nas políticas, nas formas de organizar o currículo e nos métodos pedagógicos, em que se situa a escola para todos, ao longo do tempo, em seu processo de expansão no planeta. Nesse sentido, Barroso (2005, p. 746) acrescenta:

13 Os vouchers são modalidade de privatização ou, como é mais conhecida no Brasil, a instituição de “bolsas” que permitem aos alunos estudarem nas escolas privadas.

[...] falta ao mercado (entre outras coisas) a sensibilidade social que permita atender aos que, pelas mais diversas razões, exigem mais tempo, mais dinheiro e melhores recursos para obterem o sucesso educativo a que têm direito. Por outro, o Estado social não pode estar limitado (como querem os defensores de políticas neoliberais neste domínio) a cumprir funções do “carro-vassoura” dos excluídos que o mercado enjeita (por questões de rentabilidade e eficácia). [...] E, aqui o recurso à metáfora do “carro-vassoura” justifica-se plenamente se nos recordamos que esta designação é dada, nas corridas de ciclismo, ao carro que vai na cauda do pelotão para recolher os ciclistas que são obrigados a desistir, por não conseguirem acompanhar o andamento dos outros corredores.

O autor ainda reconhece a falência do modelo de regulação burocrático profissional que servia de base para expansão da escola pública e sugere a procura de uma nova forma de regulação e intervenção, construindo novos caminhos organizativos, pedagógicos e educativos.

De acordo com Nogueira (2015, p. 81), os estudos realizados por Demally (2001), apontam que os novos modos de regulação possuem base de sustentação nos dispositivos: desenvolvimento das avaliações e a regulação por resultados. Tais dispositivos institucionais caracterizam os modos de regulação praticados pelas políticas públicas.

Afonso (2005) afirma que as avaliações externas constituem uma mudança importante trazida para as políticas educacionais como elemento regulador. No entanto o autor aponta que, por meio delas, direciona-se a ênfase nos resultados e nos produtos, desvalorizando o processo. O caminho traçado geralmente está vinculado a uma mudança no próprio sistema de responsabilização, ou seja, passando de sistemas que responsabilizam as pessoas por processos, para sistemas que responsabilizam pessoas por resultados. Parte-se da premissa de que sem a presença de resultados que possam ser medidos não se consegue estabelecer uma base de responsabilização em que se possa acreditar, daí a necessidade de avaliação do desempenho e da criação de indicadores de desempenho.

Afonso (2005) afirma, ainda, que os valores de domínio público, como igualdade, solidariedade, justiça e cidadania, estão ameaçados diante dos valores do mercado e outras lógicas do setor privado, viabilizadas por uma política presente em certas modalidades de avaliação, como estratégia de controle de despesas públicas e mudança de cultura do setor público, centrada na eficiência e na produtividade, sob controle direto do Estado.

Além dos fatores, acima mencionados, a regulação se impõe através de um currículo nacional comum que facilite o controle por meio do Estado-avaliador, sendo a avaliação estandardizada criterial com publicização dos resultados, um vetor fundamental.

3.3 MECANISMOS DE REGULAÇÃO NO BRASIL

Segundo Boyer (2009), as bases de uma economia capitalista possuem uma variedade de instituições: normas, valores, convenções, regras jurídicas, organizações, redes, Estado, etc. Todas são noções que se acumulam sem que seus traços comuns sejam percebidos, projetando-se apenas o fato de fazerem parte de mecanismos de coordenação alternativos ao mercado. Nesse sentido, essa regulação não está somente na economia, mas na maior parte das ciências sociais.

As reformas na educação, segundo Oliveira (2005), são traduzidas nas medidas de descentralização na autonomia das escolas, na focalização dos investimentos, na avaliação, nas medidas embasadas no discurso da eficiência e na gestão do ensino e seus recursos.

No Brasil, podemos perceber um exemplo desse processo de regulação na educação sintetizado nos casos de fusões de grandes grupos educacionais, como Kroton e Anhanguera, bem como a criação do Movimento Todos pela Educação, articulado por banqueiros, empreiteiros e meios de comunicação. A educação é, portanto, nessa perspectiva, uma mercadoria que gera lucros açambarcados pela classe dominante, que define o processo de formação de crianças e jovens brasileiros, criando estratégias de difusão em torno de concepções claras de formação e, assim, convertendo pessoas em capital humano.

A organização dessa mercantilização é feita por meio de fundos de investimento, organismos de natureza financeira, por meio de fusões, nas quais organizações educacionais e faculdades são adquiridas e as intervenções são feitas por meio delas. Hoje, o ensino universitário, conta com 1,2 milhões de estudantes, número maior que o somatório de todas as universidades federais do Brasil.

O objetivo do investidor é o fundo que possibilita acumulação da taxa de lucros altíssimos, em detrimento da qualidade da Educação. Além da união do útil ao agradável, essas instituições, ao serem adquiridas, passam a implementar a lógica dos mercados, construindo organizações educacionais articuladas com editoras, softwares e, nesse processo, vão redefinindo a formação do povo brasileiro.

Nessa ótica, a formação da juventude é concebida como fator de produção, possibilitando diversas mediações pedagógicas que criam nexos com o mercado, legitimando- se através dele. Na verdade, no processo de regulação os nexos do novo espírito capitalista tornam os receptores desse tipo de formação incapazes de outra forma de existência, a não ser como mercadoria.