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2 ESTADO E REGULAÇÃO NAS POLÍTICAS ATUAIS 44 !

2.2 ESTADO NA ATUALIDADE: NEOLIBERALISMO E DIFERENTE FORMA DE

Partindo da compreensão de como a singularidade se constrói na universalidade e, ao mesmo tempo, como a universalidade se concretiza na singularidade, buscamos dar prosseguimento à discussão sobre o Estado, trazendo algumas reflexões sobre seu contexto atual. Observamos que existe um elemento que está na totalidade, e se expressa no universal no particular e no singular, que é a desigualdade. Nasce com o Estado capitalista, na medida em que legitima a propriedade privada, isso está expresso, de alguma forma, no pensamento de todos os autores anteriormente citados.

Harvey (1992) caracteriza os dois regimes de acumulação: o primeiro, Fordista/Keynesiano, e o segundo, Flexível. O primeiro regime foi caracterizado por práticas no processo de produção, controle do trabalho, novas tecnologias, hábitos de consumo em massa e configuração do poder político e econômico.

O segundo regime, o flexível, se inicia por volta de 1973-1974, com a crise do petróleo, até a atualidade. A saída para a crise desse período se apoia na flexibilização dos processos e mercado de trabalho, seus contratos e direitos, precarizando as condições de trabalho e diminuindo salários. Flexibiliza também as fronteiras nacionais para circulação do capital e mercadorias, no âmbito do movimento da globalização. Os mercados são desregulados e livres do controle e a intervenção do Estado nacional na economia é reduzida. Podemos ainda apontar a financeirização do capital, que deixará de aplicar na produção e passará a investir no capital fictício das empresas, ações e títulos de dívida pública.

Argumentando que a política keynesiana, em longo prazo, levou à estagnação e à inflação, os organismos internacionais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI), apontarem que o aumento excessivo de demanda interna, causam inflação e desequilíbrios externos, deveria ser minimizado.

Com base nessa argumentação e com objetivo de orientar medidas nos países latino- americanos, foi realizada uma reunião entre organismos de financiamento internacional de Bretton Woods, FMI, Bird, Banco Mundial, funcionários do governo, economistas e governantes da América Latina.

Em 1989, com o propósito de avaliar as reformas econômicas necessárias na América Latina, o evento conhecido como Consenso de Washington, propôs um plano de ajustes que recomendava: estabilização macroeconômica, buscando superávit fiscal; desmonte do sistema previdenciário; redução do déficit da balança comercial, realização de reformas estruturais;

liberação financeira e comercial, desregulamentando os mercados e privatização de empresas estatais; além da retomada do crescimento e desenvolvimento econômico (FIORI, 1995).

Esse processo universal impactou na particularidade do nosso país, abrindo espaço para a ofensiva neoliberal e gerando transformações da função do Estado a partir do ajuste estrutural proposto por Bresser Pereira (1998), no governo FHC. Essa reforma do Estado está fundamentada na necessidade do grande capital se liberalizar, se desimpedir e desregulamentar a economia, ligado à reestruturação produtiva.

O Estado assume a função de garantir condições de atrair investimentos, incluindo: segurança das instituições com estabilidade política; infraestrutura custeada pelo Estado; privatização e desnacionalização de empresas públicas, transferindo seu controle para o capital privado transnacional; restrição e redução do gasto público social; desoneração, desobrigação e remuneração do capital especulativo, com incentivos fiscais e altas taxas de juros. É o Estado tornando-se mínimo e assumindo uma face neoliberal.

O florescimento da proposta neoliberal foi possibilitado pela crise do modelo econômico fordista, também conhecido como Estado-providência, nos anos 1970, fortalecendo seus pressupostos orientadores da classe burguesa, de seus intelectuais orgânicos e do Estado, necessitando do aparato estatal para sua consolidação, por meio do qual realizaria as reformas coerentes com as mudanças exigidas pelo modelo de acumulação flexível, buscando outros mercados.

No contexto da reestruturação produtiva, o neoliberalismo transformou-se no fundamento ideológico e político para desmontar o Estado Intervencionista, atuando no comando, dentro das ações que, de acordo com Harvey (2008), consiste:

Em primeiro lugar, numa teoria das práticas político-econômicas que propõe que o bem-estar humano pode ser melhor promovido liberando-se as liberdades e capacidades empreendedoras individuais, no âmbito de uma estrutura institucional caracterizada por sólidos direitos à propriedade privada, livres mercados e livre comércio. O papel do Estado é criar e preservar uma estrutura institucional apropriada a essas práticas (2008, p. 12).

O neoliberalismo como estrutura institucional, de acordo com Harvey (2008), articula uma política monetária na perspectiva de preservar algumas garantias: a estabilidade do dinheiro, evitando surpresas desagradáveis à acumulação; função coercitiva do Estado que assegure eventual necessidade de uso da força; o direito individual; e o funcionamento do mercado, cabendo ao Estado a função de criar mercados em meio à desregulamentação e

privatização de setores onde o Estado atuava no modelo de bem-estar social, como na educação, saúde, água e segurança.

Como expresso por Offe (1991), os interesses são contraditórios e nas estratégias para a crise está a redefinição dos direitos ligados ao Estado providência. Trata-se, portanto, de uma questão ideológica.

Segundo Afonso (2005, p. 115), a primeira estratégia exige convencer os cidadãos a não aumentar seus direitos; a segunda consiste em redirecionar a procura para o setor privado; e a terceira em adotar medidas que diminuam as fronteiras entre o setor público e o privado, o que torna menos nítida a diferença entre direitos sociais e direitos individuais, levando ao enfraquecimento da hegemonia do Estado-providência. A essas estratégias, implementadas pela nova direita, denomina-se quase-mercado.

No final da década de 1970, o neoliberalismo consolidou seu poder, protagonizando o desmonte das políticas remanescentes do Estado da providência, implementando reformas do Estado em países da Europa e outros continentes.

Na América Latina, essas políticas estiveram relacionadas diretamente ao quadro da dívida externa anteriormente no Chocker Volcker, em 1981. Dessa forma, iniciam ajustes estruturais como instrumento de expansão do neoliberalismo na periferia do capitalismo. (HARVEY 2001).

Outro pilar do neoliberalismo consiste na minimização do Estado a partir da retirada de direitos sociais, políticos e da liberdade de mercado. Significa, portanto, a perda relativa do poder e autonomia do Estado. No entanto, o Estado não desaparece, seu papel é estruturante, agindo como avalista das transações financeiras e da dívida, só que agora age de fora no controle das ações através de metas.

Para Montaño e Duriguetto (2011), os ajustes neoliberais farão parte de um processo de redefinição do Estado em três frentes: ataque ao trabalho, diretamente em direitos, sindicatos e lutas sindicais de esquerda; reestruturação produtiva; e reforma do Estado.

De acordo com Moraes (2004, p. 322), o Estado moderno nasce com a conquista de três monopólios:

1. O monopólio da produção da norma jurídica – só o Estado cria lei aplicável a todos os cidadãos de seu território.

2. O monopólio da extração e do uso coletivo de parte do excedente econômico gerado no mundo privado – só o Estado pode taxar.

3. O monopólio da coerção legítima, uso legítimo da força física– só o Estado pode prender, matar e arrebentar.

Pois são exatamente esses três monopólios dos Estados nacionais que passam a ser delimitados, reduzidos ou monitorados estreitamente por “autoridades” políticas supranacionais – credores sem rosto e entidades multilaterais reguladoras ou chanceladoras, como o BM, o FMI e a OMC.

Segundo Freitas (2007, p. 135), para situar o Estado atual, um marco é a aceleração de um processo de mudanças denominado globalização, mas alertando para a polissemia do termo, apontando duas interpretações conflitantes, a dos céticos e a dos globalistas. Aponta que “tem-se muito que aprender com a profundidade histórica da argumentação dos primeiros e com o esclarecimento de importantes transformações na organização espacial dos segundos”.

O autor se baseia em Held e McGrew (2001, p. 19) para afirmar que os céticos acreditam que a globalização seria uma construção de base ideológica ou mítica, possuindo um explicativo marginal, forma necessária a políticos e governos para disciplinar cidadãos de acordo com os imperativos do mercado global. Os globalistas acreditam que a globalização é um conjunto de processos inter-relacionados, operando por meio de todos os campos do poder social, militar, político e cultural, transformando padrões dominantes da organização socioeconômica e tornando certas comunidades vulneráveis aos acontecimentos globais.

Argumenta que a internacionalização e a regionalização seriam termos mais adequados para denominar as atuais tendências do Estado. Na internacionalização, demonstra relações crescentes com economias e sociedades nacionais; na regionalização, demonstra uma configuração geográfica, trocas sociais e econômicas entre as fronteiras. Isso indica que a primazia do território, fronteira e governos, nacionais ou locais, continuam em evidência na distribuição e/ou localização do poder, riqueza e produção.

De acordo com Freitas (2007, p. 137), a globalização é um fenômeno de natureza multiescalar e multicêntrica, que tem por contexto estratégico o interior das forças políticas e econômicas, voltadas a estratégias de acumulação e projetos hegemônicos, transformando blocos de poder e construindo novos blocos históricos.

No cenário internacional, Moraes (2004, p. 324-325) questiona: “os Estados nacionais são sujeitos ou arenas? No cenário internacional, de cooperações e confrontos, os Estados são sujeitos”. Contudo, afirma que os Estados nacionais são também arenas de disputa em que conflitam outros sujeitos, grupos e classes, partidos e movimentos, novos atores nessas relações.

Quando uma coalizão ocupa esse espaço nacional, tomando o poder de Estado, tem a chance de transformar o papel desse sujeito na arena maior, o terreno das relações internacionais. Nesse sentido, precisa interagir não apenas com outros Estados, mas com forças que nesses Estados se configuram, como sujeitos que disputam aquela arena. O autor acentua que se um governo progressista de um país desenvolvido deseja sair do cerco de exploração imperialista, necessita de aliados no interior do mundo desenvolvido. Até porque

mudanças significativas na vida dos países subdesenvolvidos implicarão ajustes mais ou menos dolorosos no modo de vida e de acumulação de riquezas dos países desenvolvidos.

Como podemos observar, o Estado vai redefinindo sua função social e num processo em que passa a ter sua autonomia reduzida ou monitorada por autoridades políticas supranacionais, entidades multilaterais reguladoras, no entanto ele ainda é sujeito e arena em disputa e, nesse sentido, campo de disputa de interesses de grupos, classes, movimentos e partidos.