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comunhão, da felicidade em responsabilidade.

2.1 A rejeição do antinomismo e moralismo como dupla ameaça à

vida

Wesley lutou durante todo o seu ministério tanto contra o antinomismo como contra o moralismo. Na sua obra, isso documenta-se especialmente no seu diário, nas cartas e nos ser- mões.595 Ele abriu esta dupla frente por considerar os dois um impedimento da procla mação do evangelho e da felicidade plena na vida. Assim, republicou no Arminian Magazine em 1779, ou seja, bem no início do empreendimento desta revista, a carta Sobre a proclamação

de Cristo596. Nesta carta, publicada originalmente em 1751, ele descreve o duplo desafio e re-

sume a sua doutrina como “proclamar o evangelho” e “pregar a lei” cuja síntese era o duplo mandamento do amor resumido de forma abrangente no Sermão do Monte597 que servia como base da parte central dos 53 sermões.

Por outro lado, marcou essa dupla frente contra o antinomismo e o moralismo também a dupla crítica que Wesley sofreu durante a sua vida: aqueles que ele designou como moralis- tas o chamaram de entusiasta598 e aqueles que ele criticou como antinomistas o desafiaram chamando-no de “papista”. Rivers resume de forma surpreendente: “O ensino de Wesley so- bre o Espírito Santo fez dele um entusiasta, o ensino sobre boas obras um antinomista.”599 Quanto ao ensino de Wesley sobre as boas obras, Rivers refere-se à ênfase wesleya na na pri- mazia da graça. Acreditamos que ela não descreve a polaridade na sua total abrangência, que era entre nomismo e entusiasmo. Apesar disso, Rivers lembra que essas tensões existiram,

595 NTJW e OTJW não aparecem as palavras “moralismo”, “antinomismo”, “quase cristãos” ou “entusiasta”. As referências aos “papistas” tratam de católicos [NTJW, 1754, p. 540, 679 e 716 – 1Tm 2.5; Ap 8.7 e 18.4]. 596 WJW, vol. 26, Londres 20 dez. 1751, p. 482-489 – carta para um leigo evangélico, republicada em: AMJW, vol. 2, fev. 1779, p. 310-317.

597 AMJW, vol. 2, fev. 1779, p. 310 e 311.

598 Wesley usa a palavra no sentido de um “louco religioso”, que imagina ser inspirado. “Fancy” abrange imagi- nação, fantasia e desejo. EDJW, 1764, p. E P: “An ENTHUSIAST, a religious madman, one that fancied himself inspired”.

599 Isabel RIVERS. Reason, grace and sentiment: a study of the language of religion and ethics in England, 1660-1780. Vol. 1 – Whichcote to Wesley. Cambridge / New York / Port Chester / Melbourne / Sidney: Ca m- bridge University Press, 1991, p. 209.

parcialmente, também entre outros grupos, por exemplo, entre congregacionalistas e presbite- rianos. Os presbiterianos julgavam os congregacionalistas abertos para o antinomismo e, os congregacionalistas achavam os presbiterianos arminianos demais.600 Para os batistas da épo- ca, papista e arminiano era algo muito próximo e parecido. A proposta de Wesley de relacio- nar estas polaridades de forma criativa, tem, apesar dos desentendimentos entre congregacio- nalistas, presbiterianos e batistas, paralelo s na sua atuação. Estes três grupos estabeleceram em conjunto, no fim do século XVII, ensaios teológicos semanais em que, por exemplo, O- wen, Baxter e Bunyon pregavam.601 A discussão se reflete também no debate sobre a justifi- cação e a santificação. Segundo Wesley, os moralistas, os quais ele designou os “quase- cristãos”, 602 cumprem a lei formalmente, julgam a si mesmos perfeitos e os outros fora da graça. Externamente parecem cristãos de verdade, mas internamente eles são pessoas que des- conhecem a graça. A sua vida é uma formalidade sem graça que se reflete numa religiosidade sem misericórdia e sem força para contribuir para transformações pessoais de verdade, “pól- vora sem bala”.603 Falta o amor a Deus, na experiência da justificação pela fé, e o amor ao próximo, livre de tendências de autojustificação pelas obras. “Quando eu estive em Oxford, nada me angustiou mais do que os quase-cristãos. Se você cede a eles e a sua prudência por um fio de um cabelo, você perderá a sua esperança do evangelho.”604 A frente antimoralista é tão importante que o primeiro sermão traduzido para o holandês deve tratar desse tema.605 Mesmo assim, Wesley não espera muito aplauso do grupo dos “moralistas”.

Nós temos um objetivo só: queremos ser cristãos de verdade, bíblicos e ra- cionais. Por isso, como sabemos muito bem, o mundo e os quase-cristãos nunca nos perdoarão. Caso você se junte a nós, de coração, e nos dê a sua

600 Essas críticas referem-se à questão da missão e do governo da igreja.

601 Isabel RIVERS. Reason, grace and sentiment: a study of the language of religion and ethics in England, 1660-1780. Vol. 1 Whichcote to Wesley. Cambridge / New York / Port Chester / Melbourne / Sidney: Ca m- bridge University Press, 1991, p. 97.

602 WJW, vol. 1, 1741, p. 131-141 – sermão 2 [The Almost Christian].

603 AMJW, vol. 6, fev. 1783, p. 113: “On preaching. (By Dr. Byrom.) The specious sermons of a learned men, / are little else than flashes in the pan / The mere haranguing (upon what they call morality) is powder without ball: / but he who preaches with a Christian grace, / Fires out our Vices and the shot takes place.” (grifo deste autor).

604 LJW, vol. 5, Cork, 27 maio 1769, p. 137 – carta para Joseph Benson: “When I was at Oxford, I never was afraid of any but the almost Christians. If you give way to them and their prudence a hair's breadth, you will be removed from the hope of the Gospel.”

605 LJW, vol. 6, Bristol, 7 set. 1779, p. 354 – carta para sr. William Ferguson de Hoxton: “…if any sermon be translated into Dutch, it should first be "The Almost Christian." This is far more suitable to unawakened readers than `The Lord our Righteousness.´” A Holanda tinha fortes traços puritanos. Veja a recepção de refugiados pu- ritanos ingleses no início do século XVII pela Holanda. Mais tarde, o sínodo de Dort de 1618-1619 influência sua vez o calvinismo no nível mundial. John Locke escreveu a sua Carta sobre a tolerância como refugiado na Holanda.

mão, nunca espere deles nem misericórdia nem justiça.606

Wesley define “racional” em outro lugar como “...vestido com razão”607 ou seja, em relação a nossa citação, capaz de explicar as próprias opções, ações e posições. Cristãos “ra- cionais” são cristãos transparentes, compreensíveis e co-responsáveis, afinal, “ser racional” é vinculado diretamente a capacidade de desenvolver misericórdia e justiça.

A outra frente era o antinomismo, tratado como uma questão da práxis e não de opini- ão.608 “Q[uestão] 19. O que é antinomismo? R[esposta] Uma doutrina que esvazia a lei pela fé. Q[uestão] 20. Quais são os seus pilares maiores? R[esposta] (1.) Que Cristo abole a lei mo- ral. (2.) Que conseqüentemente não sejam obrigados observá-la.”609 Antinomistas são para Wesley, em termos confessionais, os quietistas entre os moravianos610 e os calvinistas que de- fendem a dupla predestinação. Diante deles, Wesley promove o terceiro uso da lei, e, às ve- zes, Wesley vincula “antinomismo” até com “antiperfeccionismo”.611

Antecipando o próximo capítulo, imaginemos por um momento, encontros dos pobres mineiros das minas de carvão perto de Kingswood ou o grande número de pessoas sofridas ou empobrecidas nos centros urbanos. Tanto o antinomismo como o moralismo não tinham o que oferecer para eles. O antinomismo, como conseqüência do quietismo, impede os envolvimen- tos necessários para melhorar a vida, e a predestinação parece uma eterna lei com o mesmo efeito da idéia de uma eterna ordem de criação. Uma teologia da vida precisa enfrentar tanto o moralismo como o antinomismo e respectivas orientações aparecem, por exemplo, no Conse-

lho para um povo chamado Metodista de 1745:

Use cada ordenança que você considera ser de Deus; mas seja cauteloso com o espírito limitado daqueles que não a usam. Conforme-se ao tipo de culto que você aprova, mas, ame os irmãos que não podem se conformar com isso. Enfatize as opiniões que sejam semelhantes às suas, se for possí- vel, concorde em verdade e com toda razão, mas afaste –se de irritação, des-

606 LJW, vol. 5, Ipswich, 5 nov. 1769, p. 154 – carta para Mary Bishop: “We have but one point in view; to be altogether Christians, scriptural, rational Christians. For which we well know, not only the world, but the almost Christians, will never forgive us. From these, therefore, if you join heart and hand with us, you are to expect nei- ther justice nor mercy.”

607 EDJW, 1764, p. R: “RATIONAL, reasonable, endued with reason.”

608 WJW, vol. 20, 29 maio 1745, p. 66 – diário: “I would wish all to observe, that the points in question between us and either the German or English Antinomians, are not points of opinion, but of practice.”

609 John Wesley. Some late conversation – I, Q. 19: “What is Antinomianism? A. The doctrine which makes void the law through faith. Q. 20. What are the main pillars hereof? A (1.) That Christ abolished the moral law. (2.) That therefore Christians are not obliged to observe it…”

610 John WESLEY. A short view of the differences between the Moravian Brethren, lately in England, and the

reverend Mr. John and Charles Wesley, 1745, chama os moravianos os mais plausíveis e, por isso, os mais

perigosos antinomistas.

611 WJW, vol. 23, 17 abril 1777, p. 47 – diário: “Dr. Gell [...] shows that the antinomians and anti-perfectionists were just the same then as they are now.”

prezo, ou rejeição daqueles que tenham opiniões diferentes às suas.612

Fica a pergunta se Wesley manteve sempre a tensão construtiva entre esses dois anta- gonistas. Provavelmente não. Com o destaque na santificação e na perfeição cristã, o perigo inerente a essas ênfases é o moralismo, problema que aparece com regularidade nas fases pós- avivadas e suas tendências neo-ortodoxas.