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A relação entre gastronomia e desenvolvimento na perspectiva dos munícipes

Neste tópico, apresentam-se os resultados da pesquisa desenvolvida com as respostas dos sujeitos obtidos através da aplicação dos questionários semiestruturados.

É importante descobrir se a população, se os representantes das entidades, do poder público e das instituições presentes no município conhecem e entendem o conceito de gastronomia, o que envolve seu estudo e a sua relação com o ser humano. Conforme discorre a coordenadora do GT de Gastronomia Regional do Palácio Piratini do RS:

A gente está num momento, não só no Brasil, mas no mundo, de repensar o conceito de gastronomia. Num conceito de Salvador de 1825, onde exatamente ele trabalha a gastronomia com essa ideia de cadeia e da relação toda do alimento, o Petrini também conceitua, Carlos Petrini, do movimento Slow Food, fala que a gastronomia deve-se transformar numa ciência, numa ciência que dê conta da relação do homem com o alimento. Portanto, compreende todos esses vários aspectos que vão desde a produção até quando todo o ciclo se volta.

Para identificar o entendimento da percepção da população sobre o que representa o conceito de gastronomia foram sugeridas frases que remetem ao tema e apenas uma que apresenta o conceito amplo que está sendo discutido nesta pesquisa, conceito este que remete a gastronomia como toda a relação do homem com o alimento.

Gráfico 01: Conceito de gastronomia na visão dos atores locais. Fonte: desenvolvido pela pesquisadora, 2015.

No gráfico 01, identificou-se que 59,5% das pessoas que responderam ao questionário sabem que a gastronomia corresponde a toda a relação do homem com o alimento. Eles percebem que, muito mais do que apenas o preparo de pratos, deve ser entendida em toda a sua cadeia, desde o produtor dos alimentos até o consumidor final, passando por todos os processos de tecnologias de produção, transporte, industrialização, comercialização, de políticas públicas, de consumo, aspectos culturais, de saúde, sociais, econômicos, entre outros.

Porém, uma parcela da população pesquisada, 30,9%, entende a gastronomia com uma visão de que ela é composta apenas de receitas e modos de preparo de pratos. Isso revela que falta divulgação do que realmente compreende esta área de estudo.

Apenas 4,7% responderam que o conceito de gastronomia equivale aos pratos servidos pelos restaurantes locais. E os outros 4,7% responderam que este conceito diz respeito ao contexto nutricional dos alimentos.

Nenhuma das alternativas está incorreta, porém algumas estão incompletas. A primeira alternativa, a terceira e a quarta fazem parte do estudo da gastronomia, porém são apenas uma parte desta área de estudo, que é bem ampla. A segunda alternativa é a mais completa, pois relacionada todos os processos e relações do homem com o alimento.

O gráfico 02 contém dados relativos à percepção dos munícipes em relação à gastronomia como vetor de desenvolvimento no município de São Borja.

A frase que melhor representa o conceito de gastronomia (n = 40)

Receitas e modo de preparo dos pratos - 30,9%

As relações do ser humano com os alimentos - 59,5%

Os pratos que os restaurantes locais servem - 4,7% O contexto nutricional dos alimentos - 4,7%

Gráfico 02: Gastronomia é um vetor de desenvolvimento em São Borja. Fonte: desenvolvido pela pesquisadora, 2015.

Esta questão julga a opinião da população para verificar se acreditam que a gastronomia é um vetor de desenvolvimento para São Borja ou não. Percebe-se, no gráfico 02, que as respostas foram 92,5% positivas e 7,5% negativas.

A grande maioria da população que respondeu ao questionário acredita que sim, a gastronomia é um vetor de desenvolvimento para o município, seja através dos restaurantes, da saúde nutricional, da preparação e modos de preparo de receitas e pratos ou mesmo das relações culturais, sociais, econômicas e políticas do homem com o alimento.

A coordenadora do GT de Gastronomia Regional afirma que a gastronomia é hoje um grande vetor de desenvolvimento, porque está se mudando a ideia de que gastronomia está relacionada apenas com uma comida feita para a elite, mas também está relacionada à pobreza, à necessidade de sobrevivência, à fome. Ressalta ainda, que a gastronomia está ligada ao desenvolvimento da região, porque em primeiro lugar, ela está sempre ligada à produção, não existindo alimentos sem a agricultura e a pecuária, sem o pequeno ou grande produtor que geram o desenvolvimento regional.

Gastronomia é um vetor de desenvolvimento em São Borja (n = 40)

Sim - 92,5% Não - 7,5%

E segundo lugar é essa questão aqui da condição da comida missioneira isso é de um valor impressionante, porque a história do Rio Grande do Sul e os fundamentos desse estado estão aqui nessa comida. É aqui que está e a cidade ainda não conseguiu acordar para saber que isso pode ser um grande atrativo turístico, para vender a região junto com a produção, o patrimônio material que temos (coordenadora do GT de Gastronomia Regional).

Para identificar em que nível a população entende que a gastronomia colabora com o desenvolvimento de São Borja, sentiu-se a necessidade de questionar se a gastronomia é um vetor de desenvolvimento social, cultural, econômico ou todas as alternativas juntas. Essa pergunta é uma continuação da anterior e ficou condicionada a ela. Foi indicado que só deveria ser respondida se a resposta anterior fosse positiva.

Os sujeitos respondentes relacionaram a gastronomia a alguma ou algumas das dimensões do desenvolvimento, de acordo com a opinião pessoal de cada um. São elas: a dimensão social, dimensão cultural, dimensão econômica e a dimensão que une todas as demais, a sócio-econômica-cultural, de acordo com o exposto no gráfico 03.

Gráfico 03: Opinião dos entrevistados sobre o tema da pesquisa. Fonte: desenvolvido pela pesquisadora, 2014.

A maioria, 80%, dos pesquisados responderam que a gastronomia colabora com o desenvolvimento social, cultural e econômico juntos, agrupadamente e não um separado ou isolado do outro, conforme o gráfico 03. Acreditam que a gastronomia colabora para o desenvolvimento cultural, social e econômico de São Borja.

Gastronomia é um vetor de desenvolvimento... (n = 40)

Social - 0%

Cultural - 7,5%

Econômico - 7,5%

Social, cultural e econômico - 80%

Os demais 7,5% responderam que este desenvolvimento proporcionado pela gastronomia é um vetor apenas cultural e as outras 7,5% acreditam que é um vetor apenas econômico.

A relação da gastronomia em São Borja remete a alguma palavra que a identifica foi outra pergunta respondida pelos munícipes e, sob a sua ótica, estão descritas as palavras que foram mais citadas quando eles responderam aos questionários. As palavras que tiveram mais de três citações estão descritas no quadro 06.

Quadro 06: Palavras que os munícipes citaram quando pensam em gastronomia no município.

Palavra Número de citações

Alimentação 3 Desenvolvimento 4 Churrasco 4 Comida gostosa ou deliciosa refeição 4 Peixe 8 Cais do Porto 3 IFFarroupilha 4

Pratos campeiros a base de carne

4 Fonte: dados da pesquisa de campo.

Observa-se que a palavra mais citada, no quadro 06, foi peixe, identificando que é um produto que a população considera típico do município. As outras palavras mais citadas foram desenvolvimento, comida gostosa, churrasco, pratos à base de carne e IFFarroupilha. Lembrando que, o município já teve sua economia baseada na pecuária, o que continua se fazendo presente na memória e na realidade dos atores locais.

Outro fator importante é que a comunidade está citando uma instituição de ensino que oferece cursos relacionados à área de alimentos e bebidas, o que a torna referência como vetor de educação neste setor no município.

Relacionando a gastronomia aos períodos importantes na história do município, os munícipes optaram por quatro épocas que foram sugeridas pelos historiadores entrevistados. Essas épocas ajudaram a construir a cultura gastronômica local. São elas colonização e imigração do município, época do tropeirismo e do ciclo do charque, quando São Borja foi reconhecida como Capital da Produção e período atual. Deu-se a opção de descrever a opinião do respondente se ele acreditava que o período mais marcante foi o atual. Observa-se o resultado no gráfico 04.

Gráfico 04: Período mais marcante para a construção da cultura alimentar são-borjense. Fonte: desenvolvido pela pesquisadora, 2014.

Percebe-se que dois períodos obtiveram a mesma porcentagem de respostas, são eles: período de colonização e imigração do município, no qual ocorreu uma miscigenação, um intercâmbio e diversas trocas sociais e culturais entre os povos que compuseram a realidade local, desde os primeiros habitantes até os que habitam hoje o município, e do período atual em que vive hoje a população são-borjense.

Os entrevistados que responderam que o período atual é o mais significativo para a construção do perfil da gastronomia do município, tiveram a oportunidade de justificar a sua escolha e expor a sua opinião. Muitos acreditam que este momento é o mais marcante pelas diversas ações gastronômicas que ocorrem hoje em dia em São Borja, que com a maquinização da agricultura e industrialização do pescado, a gastronomia no município torna- se mais importante para economia municipal e para a geração de renda da população. Outros acreditam que, atualmente, está havendo um despertar da cozinha local para a valorização dos produtos e dos pequenos produtores, pela possibilidade maior de trabalhar o turismo em conjunto com a gastronomia e, ainda, a justificativa que mais foi encontrada, foi a de que as entidades educadoras estão mais interessadas em ensinar, resgatar e divulgar o tema, por meio dos cursos na área de alimentos e turismo, que foram implantados na cidade há cinco anos.

Definindo a opinião dos respondentes em relação à interligação da gastronomia e da cultura ou de que a gastronomia é cultura, percebe-se o gráfico 05.

Período mais significante para a construção do perfil da gastronomia em São Borja

(n = 40)

Colonização e imigração do município - 30%

Época do tropeirismo e ciclo do charque - 27,5%

São Borja foi Capital da Produção - 12,5% Período atual - 30 %

Gráfico 05: Gastronomia e cultura estão interligadas. Fonte: desenvolvido pela pesquisadora, 2014.

Percebe-se, no gráfico 05, que a maioria da população respondente, 97,5%, identifica a gastronomia como uma forma de cultura, de expressão cultural do povo são-borjense. Apenas 2,5% não interliga a cultura com a gastronomia.

Para que haja a conscientização da população brasileira de que a gastronomia e a cultura estão interligadas e são indissociáveis uma da outra, o Instituto ATÁ7 criou um movimento que leva o nome ‘Eu Como Cultura’ e caracteriza-se por ser uma campanha que visa à aprovação do Projeto de Lei 6562/13, pelo Congresso Nacional, para reconhecer oficialmente a gastronomia brasileira como uma manifestação cultural. Com a aprovação desse projeto, a gastronomia será incorporada à Lei Rouanet, que tornará possível a doação de incentivos fiscais para pesquisas, publicações, às iniciativas voltadas para a valorização e preservação do patrimônio gastronômico brasileiro. Esse patrimônio vai desde o descobrimento de novos alimentos até o resgate e recuperação das heranças e costumes do povo, que revelam muito sobre os hábitos de vida da população e do desenvolvimento do país colaborando também para o meio ambiente e sua biodiversidade.

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Instituto criado pelo chef de cozinha Alex Atala, que prima pela preservação e reestruturação da cadeia de alimentos para que eles sejam bons e saudáveis tanto para quem os produz, como para quem os prepara, como para quem os consome e ainda, sem que agridam o meio ambiente.

Gastronomia é cultura

(n = 40)

Sim - 97,5% Não - 2,5%

Ainda sobre o mesmo tema, de verificar a ligação da gastronomia com a cultura, na entrevista com a coordenadora do GT de Gastronomia Regional, percebe-se que ela também acredita nessa indissociação dos dois conceitos:

Se gastronomia é toda a relação do homem com o alimento, devemos pensar que ela está relacionada a vários aspectos. (...) o que nos movimenta é a relação cultural, não existe a gastronomia sem essa relação de pertencimento, portanto de regionalidade (...), a comida me diz que eu faço parte daquele lugar então é isso. A gastronomia parte dessa relação, dessa base cultural. Outra questão que eu ponho junto como base também é a relação de afeto e memória do alimento. Esse potencial que ele tem de sempre nos remeter para essa relação existencial e dizer aquilo que a gente é. Então ela sempre nos remete para onde a gente veio e de como a gente se relacionou com a comida, quais relações de afetos que essa comida nos traz, seja ela feita por rico ou pobre, da mais simples a mais sofisticada. Através da gastronomia podemos reafirmar a nossa cultura.

As cozinhas regionais, típicas e tradicionais são formadas através de processos de lentas mestiçagens, fusões e trocas, como preconiza Montanari (2013), que foram desencadeadas nas áreas fronteiriças e, que com o passar dos tempos, foram arraigadas nos territórios como marcas da autenticidade daquele local, mas que a natureza cultural é sempre híbrida e múltipla. Isso remete ao conceito de cultura híbrida de Canclini (2006), aquela que resulta da mistura de várias culturas.

Há ainda a considerar que a comida pode ser vista como cultura, quando ela é consumida, pois mesmo que o homem possa comer de tudo, ele seleciona e escolhe a própria comida, não come qualquer coisa. Essa escolha é baseada em critérios ligados e revestidos pelas dimensões econômicas, nutricionais, simbólicas e culturais que a própria comida se reveste (MONTANARI, 2013).

Dentre as considerações livres que os entrevistados mencionaram sobre o tema gastronomia, cultura e desenvolvimento em São Borja, destaca-se o conjunto de considerações espontâneas organizadas nos seguintes relatos:

- Acreditam que a gastronomia e a cultura em São Borja são temas que fazem parte de um campo amplo de pesquisas e a população tem despertado para tais assuntos, por perceberem avanços na gastronomia local, o que pode ser um diferencial turístico para o município. O IFFarroupilha está fazendo esse diferencial ressaltando a importância de se resgatar, preservar e cultivar os hábitos alimentares e culturais locais.

- Ressaltam que São Borja vem construindo a sua marca registrada na gastronomia, tendo em vista a sua localização ser nas margens do Rio Uruguai e ocorre uma prosperidade no comércio gastronômico no Cais do Porto e é, também, um local de lazer para a população. O governo municipal, as instituições educacionais e as empresas privadas estão cada vez mais se unindo e têm investido muito no local, tanto econômica, como social e culturalmente.

- Acrescentam que é um tema interessantíssimo, pois trata da cultura, dos costumes e do conhecimento histórico e social do povo, pois através de sua gastronomia, seus meios e fins, ficam sabendo muito de sua formação, de sua participação socioeconômica na história, trazendo, para os dias de hoje, informações necessárias e úteis para manterem as tradições e a cultura local.

- A gastronomia do município tem como base a carne (ovina, bovina, peixe). A época das charqueadas representam o início das relações do homem com o alimento. Através do charque o povo gaúcho pode batalhar por seus ideais. O alimento não deixou de acompanhar este povo nas batalhas e campo a fora. A culinária são-borjense é muito influenciada pela época do tropeirismo no Rio Grande do Sul. Acreditam que, além do carreteiro, o churrasco também é marca da cidade.

- A gastronomia tem uma “importância sem tamanho” para o desenvolvimento econômico/cultural de São Borja, falta um pouco de exploração à cultura culinária dos moradores da área rural. E ainda, o tema pode ser usado para valorizar a alimentação regional, através de pesquisas e ações, por meio de intercâmbios que auxiliem no turismo e fortalecendo a integração cultural.

- Sendo a alimentação o ponto principal para o desenvolvimento mecânico do indivíduo, a gastronomia está inserida em todos os conceitos de alimentação saudável. Deixa o organismo sadio e com desenvolvimento melhor, da mente e do corpo e sempre respeitando os padrões culturais.

Esses relatos comprovam a opinião da população pesquisada de que a gastronomia e a cultura e o desenvolvimento estão interligados. Há um grande interesse da população em conhecer mais a gastronomia e os produtos locais, em preservar os hábitos e a cultura gastronômica e acreditam ainda, que o poder público e as instituições de ensino são partes efetivas desse contexto.