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Histórico e formação da cultura gastronômica brasileira

O contexto histórico e gastronômico do Brasil começa bem antes do seu descobrimento pelos portugueses, quando os ameríndios eram os ‘donos da terra’ e cultivavam seus hábitos de forma natural e muito colaboraram para o desenvolvimento e formatação da cultura e dos hábitos promulgados na sociedade brasileira atual. Em 1500, aportam no Brasil os colonizadores, que trouxeram os africanos, tornando-os escravos; mais tarde, outros povos interessaram-se em conhecer esta terra e imigraram para o país com promessas de uma vida nova. Começa o intercâmbio de culturas e a miscigenação dos povos, que tanto fez desenvolver este país através do desbravamento do Novo Mundo.

Fernandes; Monteiro (2005) relatam que os índios brasileiros concentravam-se “na Amazônia e nas baías da costa brasileira (...) agrupavam-se em grandes contingentes populacionais, com a alimentação básica suprida pela mandioca” (p. 13), alimento que até hoje é muito consumido em todas as regiões do Brasil, por ser de fácil plantio, que apresenta um baixo custo, é rico em amido e pode ser preparado de muitas maneiras.

Outros alimentos muito importantes na dieta indígena derivam da pesca, que são os peixes e frutos do mar das mais variadas espécies que eram pescados com os mais diversos métodos, geralmente consumidos moqueados, ou seja, assados e defumados sobre o moquém, uma trempe de madeira (FERNANDES; MONTEIRO, 2005) que ficava a uma determinada altura e distância do fogo, onde o alimento era tostado pelo calor e não pelo contato (CASCUDO, 1983).

Caracterizada por uma gastronomia rude e pesada, mas variada e equilibrada, com o consumo de frutas nativas, a gastronomia indígena começou a ser aperfeiçoada com as modificações e miscigenação da gastronomia portuguesa.

Os europeus, em busca de riquezas, chegaram à Ilha de Vera Cruz, atualmente o Brasil, em abril de 1500. A esquadra de Pedro Álvares Cabral, inicia a aproximação com os índios e a construção da identidade brasileira. Um dos primeiros contatos deu-se através de um convite aos índios para um jantar no navio, com pão, peixe cozido, figo seco, mel, confeitos e farte, dando início a uma troca de conhecimentos gastronômicos e culturais (ARAÚJO, 2005).

Os portugueses tinham muita dificuldade em trazer alimentos de Portugal, pois estragavam muito rápido na viagem. Mesmo assim, trouxeram alguns animais, plantas, cereais, queijos, azeites, ovos, leite, especiarias, embutidos, cana-de-açúcar, métodos de defumação, técnica de salgamento para conservação da carne, surgindo assim a carne de sol e o charque (LANCELLOTTI, 2000, p. 17).

Passados 30 anos, começou a escassez da madeira e os portugueses precisavam achar outra forma de explorar a Nova Terra. Foi então que:

[...] em 1532, a cana-de-açúcar chegou oficialmente ao Brasil (...). Com tudo pronto para iniciar a atividade econômica que deixaria as marcas mais profundas na sociedade brasileira, os colonizadores constataram que outro problema se interpunha: a mão-de-obra para tocar as plantações (ZARVOS; DITADI, 2000, p. 22).

Por um longo tempo, continuaram a explorar o trabalho dos índios, forçando-os a trabalhar, mas precisavam de disciplina e constância, o que lhes faltava, pois eram acostumados a uma vida livre e seminômade. Estes então reagiram ferozmente, obrigando os portugueses a comprar negros africanos e trazer para o Brasil.

Naquela época, também vieram os padres jesuítas, que desenvolveram uma diversidade de doces e compotas com as frutas brasileiras e o açúcar extraído da cana-de- açúcar. Desta última, também nasceu a cachaça, uma das maiores contribuições brasileiras para a gastronomia. Araújo et. al. (2005, p. 51) ressaltam que “a culinária portuguesa era

permeável às contribuições nativas”, tanto que incorporaram muitos dos costumes e ingredientes indígenas.

Com a chegada dos navios negreiros, trazendo os escravos africanos, é incorporada uma gama de tradições culturais. A respeito de ingredientes culinários trazidos pelos negros, existe uma grande dúvida, pois eles chegavam aqui sem nenhuma bagagem, com apenas marcas de maus tratos. Sobre o assunto Cascudo questiona que:

O escravo não conduzia bagagem e sua alimentação era diariamente fornecida no navio e no mercado até ser vendido. (...) Trazia sementes? Seriam mastigadas durante a travessia interminável. Plantas? Sucumbiriam pela falta d’água. A documentação é longa e unânime sobre o estado precário de saúde que desembarcavam no Brasil. Nus e seminus. Empurrados para os armazéns ou galpões de depósitos, como animais destinados ao sacrifício. Ali cozinhavam o reduzido mantimento que lhe davam. Sementes, plantas, raízes (…) (1983, p. 867).

Os elementos constituintes da gastronomia africana foram trazidos pelos comerciantes: o coco; o milho; a pimentinha vermelha; a palmeira, da qual resulta o azeite de dendê; o inhame; o camarão seco; e os costumes gastronômicos foram preservados e adaptados para a realidade local. Segundo Araújo et. al. (2005, p. 52), “a influência africana incidiu sobre preparar, temperar alimentos e integrar ingredientes à culinária brasileira”. Os negros difundiram a sua crença religiosa, o candomblé, através da cozinha dos santos, na qual são oferecidos os pratos prediletos de cada divindade, que com o passar do tempo, foi transformada na cozinha baiana, com acarajés, caruru, acaçá, xixim, amalá, vatapá, abará, etc.

A introdução do feijão data à mesma época da vinda dos negros para o país, no início do século XVII, oriundo da América Central, trazido pelos espanhóis. Tornou -se um dos ingredientes principais da dieta do brasileiro. E o arroz veio para o Brasil originário da Ásia apenas em meados do século XVIII, formando a famosa dupla arroz com feijão.

De 1500 a 1800, a gastronomia apresentava-se de forma simples e sem nenhuma sofisticação, ocorreram pequenas, mas importantes modificações e foi a partir de então que começaram as imigrações e importações de novos hábitos (LANCELLOTTI, 2000, p. 20).

De acordo com Zarvos; Ditadi (2000), 1780 foi um ano importante para a economia e cultura alimentar do Brasil e do Rio Grande do Sul. Quando o nordestino José Pinto Martins, veio para o Estado e instalou uma empresa que produzia charque, fazendo com que a história econômica e gastronômica da região sofresse uma reviravolta. Foi a partir desse período que o charque começou a ser produzido em grande escala, consumido, exportado e vendido para abastecer os escravos de todas as regiões do país.

Nessa época, portugueses e espanhóis travavam infindáveis disputas pela posse das terras do sul do Brasil, uma região propicia para a pecuária. Como a população do Estado era

rarefeita, a criação de gado, trazido pelo espanhol, era selvagem, os sulistas não tinham como consumir tamanha quantidade de carne. Assim, diversos outros investidores instalaram charqueadas no Rio Grande do Sul, para exportação dos produtos. E ai começa a se justificar a importância histórica da gastronomia sul-rio-grandense para o país.

No século XIX, a gastronomia no Brasil Império, começa a se sofisticar com a chegada da corte portuguesa ao país, trazendo mais fortemente os hábitos alimentares europeus, que esbarravam na falta de ingredientes encontrados na Europa e algumas regras de etiqueta que chegavam aos lares dos mais abastados, como o uso de talheres para comer a refeição. Esses insumos, base das preparações europeias, eram substituídos pelos produtos encontrados aqui, como a mandioca, jiló, laranjas, pinhões, entre outros.

Outra importante fase da gastronomia mundial e do Brasil foi a época da Revolução Industrial. Nesse período, enquanto a produção de café, borracha e açúcar estava a todo o vapor no país, as elites importavam equipamentos, utensílios e novidades do Velho Mundo que facilitaram em muito a vida das cozinheiras nas produções culinárias do dia a dia.

Em 1822, deu-se a independência do Brasil e abriram-se os portos. As lavouras de cana-de-açúcar e café estavam a todo o vapor. E a mão de obra estava escassa, colaborando para que o governo imperial resolvesse importar trabalhadores. Começou a imigração italiana e a alemã, trazendo em suas malas sementes de alimentos e uma cultura gastronômica vasta, com suas técnicas diferenciadas e muitos ingredientes que até hoje são usados no país. Primeiramente, chegaram os alemães com sua enorme quantidade de embutidos e uma gastronomia rural. Em 1870, a entrada de imigrantes italianos deu-se com maior intensidade, cerca de 300.000 instalaram-se no sul do Brasil, optando pela atividade agrícola e vitivinicultura, trazendo as massas, o queijo, o risoto, os molhos e os condimentos (CASCUDO, 1983). Da necessidade de ganhar dinheiro, surgem as primeiras cantinas e tratorias italianas no país.

Já no final do século XIX, outra leva de imigrantes espanhóis chegou à Nova Terra e se voltou ao consumo dos pescados e frutos do mar. Aportaram também os orientais, com uma alimentação saudável e com um apelo visual diferenciado. Os franceses com uma culinária mais sofisticada e com fabulosos restaurantes (LANCELLOTTI, 2000).

Enfim, a gastronomia do Brasil é o resultado de um processo histórico, com elementos de diversas procedências, os quais foram mesclados e adaptados à realidade local. É marcada pelos diferentes povos que já residiam e os que vieram, mais tarde, para o seu território, o que ressalta a sua característica principal, a miscigenação de costumes, culturas, tabus e simbolismos, formando a identidade brasileira e uma cultura gastronômica híbrida.

No Rio Grande do Sul, os hábitos alimentares seguem os mesmos preceitos de miscigenação e intercâmbio de culturas e estão descritos no item sequencial.