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4 Revisão de pesquisas sobre o tema

4.2 A relação mulher e trabalho

Aprofundando processos de transformação que acontecem com a entrada das mulheres no trabalho e a divisão tradicional entre masculino e feminino, Rita de Cassia Cunha Morais (2003) mostra a relação das mulheres executivas brasileiras entre 37 e 48 anos com o trabalho, seus esposos e sua identidade feminina, além dos aspectos inconscientes. Na relação com o trabalho, predomina nas mulheres as motivações associadas com as

necessidades da família e a identificação com a persona profissional, e poucas percebem suas carreiras como uma auto-afirmação ou como um rompimento com padrões sociais.

Nas relações com os homens que representam uma figura de autoridade e respeito, as mulheres assumem uma posição inferior que não lhes permite serem livres para fazer o que desejam. Sentem-se subjugadas na sua identidade e na sua relação com a própria feminidade. Esta e outras das pesquisas citadas foram realizadas no começo do século XXI, trabalhando com amostras de mulheres acima dos quarenta anos. Esses estudos estavam tentando compreender as mudanças que aconteceram com as mulheres em seus papéis sexuais, mostrando as possibilidades e os conflitos que surgiram no encontro entre o novo e antigo nas áreas profissionais, afetiva e social. Os dados poderiam mudar se são consideradas mulheres em outra faixa etária ou se os mesmos estudos são replicados com mulheres que atualmente trabalham como executivas.

Maria Lucia Salla (2005) estuda a desfeminilização cultural e a saúde de executivas, analisando uma amostra de 15 mulheres maiores de 25 anos. A autora considera a desfeminilização como um processo pelo qual as mulheres utilizam uma maneira masculina de lutar, ficando “possuídas pelo animus” e rejeitando os papéis tradicionais femininos como mãe, dona da casa e esposa, e os aspectos que consideram instintivos e ambíguos do seu próprio ser. Elas desejam provar igualdade com os homens e para isto comportam-se como eles, tentando atender as expectativas sociais masculinas.

Com resultados semelhantes, Ana Carolina Falcone Garcia (2006) entrevistou mulheres profissionais e descreveu a relação existente entre suas carreiras e o vínculo com o pai, reconhecendo-o como uma figura significativa que marcou e auxiliou o seu crescimento individual. Segundo a autora, elas apresentaram um complexo paterno que acentua a idealização desta figura e o papel de filha, desenvolvendo aspectos que tradicionalmente são atribuídos ao masculino e ao animus, tais como discriminação, força e razão, e apresentando uma dedicação exagerada ao trabalho. Elas desvalorizam o feminino e a condição de mulher que estão associadas com a mãe como modelo vincular e afetivo.

Salla (2005) e Garcia (2006) empregam os conceitos clássicos sobre feminino e masculino para compreender a influencia que teve a entrada no mundo laborar sobre as mulheres, especificamente como essa experiência contribuiu para mudar sua percepção de

si mesma, da família, dos relacionamentos e da profissão. Tradicionalmente, as mulheres tiveram papéis qualificados como receptivos e foram valorizadas pelas funções cumpridas no lar, enquanto os homens eram responsabilizados pelo mundo social. Na busca pela igualdade de direitos, as participantes das pesquisas optaram também por imitar o modelo masculino valorizado socialmente, expressando elementos que anteriormente foram reprimidos nelas, mas considerados como próprios dos homens e do pai.

Na valorização do modelo oferecido pela figura paterna e no questionamento do papel da mãe tradicional que descrevem as pesquisas de Salla (2005) e Garcia (2006), as mulheres também poderiam integrar os aspectos próprios que foram projetados nessas figuras. O foco não seria a masculinização das mulheres, mas as práticas profissionais que lhes permitem encontrar seu lugar no mundo e relacionarem-se com os novos papéis e com os aspectos pessoais que são considerados masculinos na cultura e na experiência individual. Seguindo o mesmo raciocínio, mas com um olhar teórico diferente Claudio Lopes (2010) realizou uma pesquisa entrevistando onze angolanas trabalhadoras. Ele colocou o trabalho e a participação política como formas de construir caminhos que podem fortalecer a luta das mulheres pela autonomia, lembrando que é uma luta que se realiza por meio da educação como uma ponte que liga as mulheres com seu contexto social.

A análise da relação mulher e trabalho apresentada pelos estudos citados incorre na limitação já apontada, considerando as definições tradicionais sobre feminino e masculino e sobre anima e animus. Conservando a divisão tradicional exposta e a universalidade dos atributos do feminino, nas pesquisas de Morais (2003), Salla (2005) e Garcia (2006), a mulher perdeu a feminilidade. Sem dúvida é importante considerar que o âmbito do trabalho foi historicamente dominado e atribuído aos homens, mas é reducionista pensar que a mulher está possuída por aspectos masculinos que não refletem sua essência.

Ao vivenciar o trabalho como uma experiência garantida pelas condições das sociedades contemporâneas, a mulher está em uma situação de ganhos e perdas. Ela ganha em reconhecimento social por possuir uma autonomia e uma liberdade de escolha profissional e afetiva. Ganha também ao conseguir independência econômica e política e liberdade de crenças, além de ter um nível de domínio sobre a sua sexualidade e o seu corpo. Contudo, perde a segurança e o conforto fornecidos pelos papéis antigos que não desaparecem da sua cultura e continuam atingindo a configuração da sua psique.

Na pergunta pelo ser feminino e na sua expressão nos papéis sociais, as sociedades atuais só oferecem um leque de significados. Cada mulher dará uma resposta a essa questão, assumindo e construindo papéis de acordo com suas necessidades e desejos. O trabalho sem dúvida deixou a mulher mais perto da palavra, do conhecimento, da liberdade e da autonomia como apontou Lopes (2010), constituindo-se como uma das áreas na qual ela poderá escolher e desenvolver com maior consciência alguns elementos da sua vida, mas trouxe as dúvidas e os questionamentos próprios dessas mudanças.