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5 Relacionamentos íntimos amorosos da mulher adulta

5.1 Os relacionamentos íntimos amorosos na contemporaneidade

A contemporaneidade é uma época que experimento a queda de muitas instituições tradicionais que configuraram a vida dos indivíduos no passado. As pessoas experimentam maior liberdade e, ao mesmo tempo, têm a responsabilidade de encarar as condições da sua existência e a realização de sua própria vida (ARAÚJO, 2002). No entanto, pode se dizer que os deuses adorados pelas sociedades atuais mudaram suas vestimentas. Poder, capitalismo, consumismo, competição e beleza são alguns dos novos princípios que orientam muitos estilos de vida, as concepções sobre o amor e as relações.

De acordo com a psicologia analítica, consciente e inconsciente estabelecem uma relação definida pela compensação e a complementaridade. Na teoria tradicional da psicologia analítica (SCHIESS, 2005), poder e amor são opostos. A psicóloga Rose Marie Muraro (1971) explica que o ser humano tem um polo positivo e outro negativo. O polo negativo gera um apetite de dominação e poder que é irreconciliável com o polo positivo do amor. Considerando estas formulações é possível formular as seguintes perguntas: se temos uma mulher fortalecendo sua independência, autonomia e status, o que acontece com o eros, o amor, os sentimentos e as relações? Esses atributos seriam de fato irreconciliáveis?

Bauman (2004) explica que na modernidade o desejo de união sexual pode ser misturado com o poder e a capacidade de amar se converteu em um desejo de ser amado. Se a pessoa for sucedida, rica, tem poder ou beleza, ela consegue ser atraente e amada pelos outros. Para Muraro (1971) as relações entre homens e mulheres estão envenenadas por

um desejo de autoafirmação e competição, de se impor e vencer, mesmo esmagando o outro ou despindo-o da sua diferença. A autora explica que a sedução pode ser outra forma de poder que aniquila o amor, principalmente quando se evita a entrega afetiva e se busca aprisionar ou escravizar o parceiro para dirigi-lo segundo a própria vontade.

Segundo Bauman (2004) as sociedades consumistas influíram amplamente nessas experiências e conceitos. A noção sobre a intimidade foi trabalhada inicialmente por Erikson, quem a considera uma tarefa própria da vida adulta que consiste em compreender que “Nós somos o que amamos” (1987, p. 138). Para o psicólogo, a intimidade é um anseio ou disposição para entregar-se a outra pessoa, desenvolvendo uma força ética que permite confiar nos vínculos e ser fiel, aceitar o sacrifício de alguns aspectos do ego e estabelecer compromissos. É uma experiência de mutualidade que permite a regulação das identidades opostas e diferentes que se vinculam em uma vida conjunta, tornando supérfluos o controle do parceiro e a realização sexual sem afeto.

Quando o encontro entre duas pessoas não possibilita o desenvolvimento da intimidade, desenvolvem-se relações egoístas nas quais se busca fortalecer a própria identidade projetando a imagem pessoal no parceiro ou rejeitando aquilo que nele é percebido como diferente. A predominância desse tipo de encontros gera sentimentos de isolamento ou distanciamento (ERIKSON, 1987), dificultando a entrega, o estabelecimento de laços autênticos e a experiência da alteridade. Assim, quando os adultos não se relacionam intimamente, eles conseguem realizar alguns logros profissionais e sociais, mas encontram difícil exprimirem-se como realmente são porque evitam ou rejeitam o que parece perigosamente oposto nele e nos outros.

No caso da mulher, Erikson (1987) e Gilles Lipovetsky (2000) destacam como os papéis tradicionais e novos determinaram os relacionamentos. Nos papéis tradicionais se atribui à mulher um desejo pela vida afetiva, uma busca de um parceiro para criar uma relação única e dedicar-se ao cuidado da família. A identidade da mulher também ganha novos aspectos ao reconhecer nos papéis de trabalhadora e cidadã a possibilidade da autonomia e a valoração da individualidade. Na perspectiva desses autores, embora a mulher protagonizasse essas mudanças significativas, continuasse atribuindo a ela uma necessidade de amar mais constante, dependente e devoradora. Essa perspectiva traz uma

divisão tradicional, na qual homem e mulher investem assimetricamente, porque dela se espera que outorgue maior importância aos sentimentos e às relações amorosas.

Maria de Fátima Araújo (2002) considera que as mudanças vividas pelas mulheres, atreladas em parte à emancipação sexual, também diminuíram o controle que os homens tinham sobre a sexualidade feminina e as expectativas sobre o amor romântico. Em uma sociedade cada vez mais flexível e plural, o corpo, o desejo e a sexualidade podem ser vivenciados pelas mulheres com independência, gerando novos padrões de relação como o relacionamento puro de Giddens (1992) e as relações líquidas de Bauman (2004).

Giddens (1992) explica que as pessoas ainda buscam o amor romântico, acreditando no encontro com um parceiro idealizado que outorgaria a completude, a identidade e o autoconhecimento. Segundo o autor, no amor romântico acontece uma identificação projetiva que permite a atração, a união e a criação de expectativas. Até esse encontro desejado acontecer, os indivíduos poderiam estabelecer outros vínculos para vivenciar sua sexualidade, estabelecendo relações que o autor denomina de relacionamentos puros. Esse tipo de vínculo inicia-se também com uma identificação projetiva, mas se criam expectativas principalmente relacionadas com o cumprimento da satisfação sexual, sem excluir completamente a intimidade, ou a dor e a ansiedade, porque a relação pode terminar ou um dos parceiros pode construir expectativas que o outro decide não aceitar.

Quando o relacionamento puro inclui uma intimidade maior, traz a possibilidade de viver o amor confluente. Diferente do relacionamento puro, o amor confluente exige confiança, mostrando-se vulneráveis e revelando sentimentos e necessidades. Prioriza-se o crescimento e o bem-estar de ambos, buscando o equilíbrio das vontades e a autonomia. Existe um conhecimento do parceiro e o casal estabelece um compromisso igualitário. Os conflitos são aceitos e pensa-se em estratégias de resolução como negociação, mudança ou afastamento. Refletindo sobre essas características, Araújo (2002) contrasta o amor confluente com o amor romântico. Para ela, o amor confluente é mais real, porque não se fundamenta em fantasias de completude, mas na igualdade das trocas afetivas.

Embora esses modelos parecessem mais abertos e democráticos, outros aspectos deles confrontaram os seres humanos com a fragilidade, a dor e a ansiedade que também caracterizam as relações. Em uma tentativa de fugir dessas amarguras e tensões, Bauman

(2004) explica que muitos vínculos são substituídos por encontros líquidos que postergam o compromisso e o envolvimento afetivo, acreditando que assim poderiam diminuir a possibilidade de sofrer. O relacionamento líquido é aquela relação flexível que se tece ou termina facilmente. Inseguros pelas ambivalências que trazem o amor com suas faces de prazer e preocupação, os seres humanos preferem as experiências novas e diferentes, a satisfação imediata, e o uso rápido, único e descartável para que o presente não atrapalhe o futuro. As pessoas querem saber como relacionar-se e como afastar-se sem sentir dor.

Nessas relações, o amor é uma habilidade que pode ser aprendida e melhorada e acredita- se que é possível tirar a máxima satisfação sexual no encontro com o outro. Assim, nas sociedades modernas, o amor e a intimidade se convertem em um conjunto de episódios curtos, impactantes e frágeis, que pode ser dividido em um leque de experiências com pessoas diferentes. Nelas, o parceiro é um objeto de uso valorizado pelo prazer que pode oferecer. Exemplos de relacionamentos líquidos podem ser as relações de bolso, o viver junto, os CSSs ou “Casais semi-separados” e o namoro pela internet (BAUMAN, 2004). Nesses vínculos, amor e sexo estão separados, emergindo o que Bauman denomina “sexo puro” (2004, p. 33). As pessoas acham que não é possível adiar a realização do desejo e buscam estar sexualmente satisfeitas, desejando uma fusão, mas se encontrando com a solidão, o egoísmo e a estranheza, elementos presentes nos relacionamentos puros de Giddens (1992) e nas relações que carecem de intimidade para Erikson (1987). É uma erótica da intensidade (LAZÁR, 1996) que legitima os vínculos pela quantidade dos encontros e pela qualidade da satisfação sexual.

Jung ([1924], 2011b) analisa algumas dificuldades que foram experimentadas pelos jovens no começo do século XX. Alguns indivíduos imaturos experimentam apegos infantis à própria família, transferindo ou compensando com seus parceiros os sentimentos, expectativas, exigências e temores vividos com os pais. Há aqueles que preferem o sexo sem compromisso, buscando o prazer do amor livre e descuidando o desenvolvimento emocional. Outros se vinculam por hábito, costume ou passividade, ou evitam as relações sérias e priorizaram a profissão. A transitoriedade de algumas dessas experiências, embora permita adquirir conhecimento próprio e sobre os relacionamentos, transforma os vínculos em algo habitual, insípido e superficial, dificultando o surgimento de valores necessários para amar e manter uma relação afetiva.

Fromm (1988) postula outras problemáticas amorosas que podem ser reconhecidas nas sociedades modernas. Muitos casais se identificam ao ponto de se afastar do mundo exterior e não respeitar a individualidade. Através de mecanismos de projeção, algumas pessoas evitam ou fogem dos próprios problemas e se preocupam com conflitos, defeitos e fragilidades da pessoa amada, a quem tentam acusar ou reformar. Outros comparam o amor com um trabalho em equipe que permite atingir as metas sociais. Nas uniões simbióticas do amor idólatra, uma das pessoas envolvidas é submissa, tornando-se parte ou porção da outra que é dominante e passa a ter o poder. Também pode aparecer um medo ou ódio do outro sexo, dificultando a entrega, a confiança e a proximidade. Quando o outro se torna conhecido e falta o amor, a relação perde seu caráter miraculoso que une o casal, aparecendo a decepção e a procura de um novo estranho para torna-lo íntimo.

Fromm (1988) refere-se também ao amor sentimental para descrever algumas pessoas que experimentam esse sentimento na fantasia e não nas relações concretas, satisfazendo esses desejos no consumo de filmes, livros e músicas e nas lembranças de amores passados. Lipovetsky (2000) explica que o amor sentimental renova estereótipos que identificam a felicidade feminina com a realização amorosa, tais como: a mulheres são completadas pelo parceiro ideal, carinhoso e rico, e o amor à primeira vista. Este modelo também normaliza a dominação, discriminação e desigualdade das mulheres nas relações, assim como autoriza as cobranças feitas aos parceiros quando elas não encontram o romantismo ou quando sentem que o homem tenta fugir para não se entregar à experiência amorosa.

De acordo com Muraro (1971), Fromm (1988) e Bauman (2004) essas relações e problemáticas danificam o amor. Contrariando as relações líquidas e assemelhando-se ao amor confluente de Giddens (1992) e à intimidade descrita por Erikson (1987), o amor para esses autores é um impulso criativo de quem entrega e doa seus aspectos mais íntimos ao outro, desejando cuidar, respeitar, abrigar e preservar o ser amado. Para eles, o amor exige aceitação do medo e das diferenças, amor, coragem, decisão, compreensão, observação de si mesmo, independência, liberdade e fé na capacidade de dar e receber.

Jung ([1924], 2011b) enfatiza que o amor de casal integra aspectos eróticos ou sexuais e também as formas idealizadas e espirituais. O amor implica um encontro íntimo intenso, dedicação, fidelidade a sentimentos profundos e ser responsável pela própria felicidade. Nessas experiências não há ausência de conflito, experimentando-se e experimentando a

outra pessoa em um processo de conhecimento e formação da personalidade que é fundamental para o desenvolvimento do indivíduo. Este tipo de relação é um problema que desafia porque implica o sacrifício das ilusões, reconhecendo o retrato deformado que se faz da outra pessoa pela projeção de interesses, necessidades ou temores pessoais.

Lazár (1996) explica que o mundo moderno também está interessado pela singularidade da experiência amorosa, entendendo-a como uma narrativa que influi a definição da identidade e da autonomia. O autor considera o amor uma experiência pessoal que outorga sentido e permite às pessoas pensarem na sua essência, limites, forças, segredos e destinos, iluminando caminhos e organizando o mundo, embora seja uma experiência que não estará livre de conflitos. Ainda segundo Lazár, o amor tem um lado compatível com o capitalismo e o consumismo, e outra face exclusiva, transcendente e transformadora.

Concordando com as propostas que consideram as relações importantes para o desenvolvimento, Livia Barbosa (2011) e Flávia Arantes Hime (2008) destacam como as mulheres ainda almejam uma relação tradicional, reconhecendo também as vivências oferecidas pelos vínculos descritos por Giddens (1992) e Bauman (2004). Assim, as mulheres podem aceitar uma aventura sexual sem estar apaixonadas, exigir mais ao parceiro porque não deseja uma relação carente de ternura ou pode preferir a solidão e a separação. Segundo Lipovetsky (2000) a mistura de padrões antigos e atuais traz para as mulheres a possibilidade de viver seu erotismo livremente, mas elas continuam importando-se com os sentimentos, criticando o amor romântico e o sexo puro.

A queda dos padrões tradicionais trouxe múltiplos modelos de amor e intimidade, colocando também no cenário individual a incerteza, o sofrimento e a insegurança. Porém, essa incerteza é “a terra natal da pessoa ética e o único solo em que a moral pode brotar e florescer” (BAUMAN, 2004, p. 54). Assim, as ambiguidades da experiência amorosa na contemporaneidade podem ser compreendidas como provas que outorgam crescimento, mesmo na derrota (LAZÁR, 1996). Essa perspectiva moderna do amor inclui conflitos que são avaliados como positivos e criadores porque, embora gerem cicatrizes, permitem o desenvolvimento afetivo do indivíduo (MURARO, 1971).

As mulheres desejam a independência e a realização profissional, mas também querem que as relações afetivas lhes outorguem uma percepção de quem são, o que desejam e

para onde caminham. Procurando essas realizações, elas fazem uso de valores democráticos como: escolha, soberania, realização da intimidade e expressão das emoções. Amor e poder se mantem como opostos que definem modelos e problemáticas que caracterizam os relacionamentos na modernidade. No entanto, a busca das mulheres por uma realização afetiva e profissional poderia ser compreendida como uma tentativa de aproximar esses opostos, não seguindo os estereótipos de romantismo ou domínio, mas integrando o amor e o poder como aspectos necessários no desenvolvimento psíquico.